Nunca fez parte dos meus planos visitar o Museu das Relações Quebradas. Ou o cemitério de Mirogoj. De igual modo, ir ao Museu das Ilusões não fazia parte do itinerário inicial quando tracei o meu plano de viagem para Zagreb. Contudo, com uma história repleta de pormenores curiosos, a capital da Croácia é uma cidade propícia a roteiros inusitados.
Comecemos pelo largo principal, a Praça Bana Jelacica: em 1947, a estátua do cavaleiro Josip Jelacic foi acusada de apontar a sua espada de forma ameaçadora para a vizinha Hungria, tendo sido dali retirada pelo regime comunista, até 1990 quando finalmente regressou ao seu merecido poiso. Se este facto é digno de espanto moderado, sigamos agora para a Torre Lotršcak, às 12h, quando é disparado um tiro de canhão, honrando uma lenda de que este disparo teria afastado um paxá turco que montara acampamento nas imediações da cidade.
Duas outras características da cidade saltam imediatamente à vista: bonita e organizada. Dividida em duas partes (“cidade alta” e “cidade baixa”), a capital da Croácia é repleta de jardins, museus e atracções para todos.
Acordo cedo e decido visitar a parte alta da cidade, partindo do largo principal com destino à Igreja de São Marcos. Pelo meio, paragem para tomar o pequeno-almoço numa pastelaria de bairro e planear melhor o meu itinerário. Entre uma tosta e um sumo natural, troco dois dedos de conversa com um dos funcionários, que me oferece mais um sumo e me incita a alterar os meus planos iniciais: “Se não planeou ir ao Museu das Relações Quebradas, é melhor incluí-lo… Não se arrependerá!”.
Rumo a este espaço repleto de objectos que contam a história de amores desavindos. Inversamente ao que tinha pensado, este não é um lugar deprimente. As peças aqui expostas, e as respectivas descrições, emocionam-me e fazem-me sorrir ao mesmo tempo. Existem histórias comoventes sobre pais e filhos separados, ou amantes desencontrados, mas também relatos divertidos: o gnomo de jardim que destruiu um casamento quando, no calor de uma discussão, foi atirado pela esposa à janela do carro do marido; a menina que recebeu uma prenda inapropriada no seu aniversário e entendeu que o príncipe encantado, afinal, não era necessariamente o perfeito; ou ainda a matrícula de um carro que caiu ao rio quando dois namorados se esqueceram de puxar o travão de mão no pico do amor.
Mas encontro sobretudo histórias de superação. Saio com a certeza de que, apesar de passarmos por momentos difíceis, temos a capacidade de os ultrapassar, e até de nos rirmos de nós mesmos.
Ainda na parte alta da cidade visito a tão aguardada Igreja de São Marcos e a Catedral da Assunção da Abençoada Virgem Maria, iluminada pelos seus vitrais de arco-íris. À saída, detenho-me perante uma bonita fonte, adornada por anjos dourados, e pela mesma santa que também empresta o nome ao edifício religioso à sua frente. À sua volta, estendem-se ruas com casas coloridas, bem como pequenos canteiros de flores que conferem charme a Zagreb e me fazem disparar a máquina fotográfica em cada esquina.
Avio-me de comida num supermercado de produtos naturais e sigo para a parte baixa da cidade, enquanto me delicio com uma sandes de húmus caseiro e rúcula. Atravesso a parte de Zagreb conhecida como “ferradura de Lenuzzi”, caminhando entre jardins, estátuas e fontes. Admiro a arquitectura do Mimara (Museu de Arte) e as influências austríacas do Teatro Nacional Croata. Paro para ouvir uma banda tocar num coreto e, ao observar um grupo de foliões que alegremente tenta mimetizar os passos de dança que estão desenhados no chão, abraço a espontaneidade croata.
Continuo a passear, agora entre os vales de flores do Jardim Botânico, e decido o próximo ponto do meu itinerário ao recordar a conversa que tive na noite anterior com Ana, a recepcionista do hostel: “O Museu das Ilusões é um desafio aos sentidos. Já lá fui duas vezes e surpreendo-me sempre!”. Decido terminar o meu dia a testar as minhas percepções da realidade: observo-me como realmente sou numa superfície onde posso ver a minha imagem reflectida de maneira correcta, cambaleio num quarto inclinado, não consigo decidir se o vaso de Rubin representa uma taça ou duas faces, vejo mil ‘eus’ na sala do infinito, e fico tonta com círculos imóveis que rodam sem parar.
O Museu das Ilusões é, pois, o complemento ideal para uma cidade que teima em abrir os meus olhos para um mundo novo. Regresso ao hostel, com o cheiro da despedida cada vez mais próximo, uma vez que apanharei o autocarro para Zadar no dia seguinte. Na manhã da partida, incitada novamente por Ana, resolvo passar os últimos momentos em Zagreb no sítio que simboliza o final de um ciclo: o Cemitério de Mirogoj.
A minha visita prova-me que não é por acaso que este é considerado um dos ícones da capital da Croácia: aqui descansam alguns dos mais ilustres cidadãos do país, numa morada desenhada por Hermann Bollé no século XIX, de modo a reflectir a arquitectura do centro de Zagreb. A sua beleza incomum não consegue deixar ninguém indiferente, e ainda hoje sorrio ao relembrar a resposta da minha irmã quando lhe enviei fotos das suas arcadas cobertas por trepadeiras, das cúpulas cor de mar, ou das esculturas que tornam este local numa galeria de arte a céu aberto: “Estás a visitar um palácio?”.
Este é um local tranquilo, artístico e surpreendente, tal como a cidade que o alberga. Ao deixar Zagreb, entro no autocarro com o coração repleto de uma vontade de ir mais além, de ultrapassar roteiros turísticos usuais e de abraçar o inesperado. Porque por vezes são os sítios onde não esperamos ir que nos revelam as melhores surpresas.