Fugas - dicas dos leitores

Paulo Azevedo

Monte Saint-Michel: inferno ou paraíso?

Por Sofia Cruz

Poff, poff, poff — lá vai o gigante Gargantua pela baía fora, até que: “Aaaaii, que dor! O que é isto que me está a magoar o pé?”. Descalçou o sapato, sacudiu-o e eis que caíram ao chão três pedras. Assim nasceram o Monte Saint-Michel, o Monte Dol e a ilha Tombelaine.

Lemos esta história no Centro de Informação Turística do Monte Saint-Michel, depois de cerca de duas horas de viagem de carro desde Nantes, para onde existem voos low cost a partir de Portugal.

Além da lenda de Gargantua, soubemos da história de Saint Aubert, bispo de Avranches. Reza assim: certa noite, o arcanjo Miguel apareceu a Aubert num sonho, pedindo-lhe que construísse um santuário no monte. Não acreditando na aparição, o bispo continuou a sonhar com o arcanjo até este lhe fazer um buraco na testa com um dedo! Corria então o ano de 708 e o santuário foi construído.

Continuando a percorrer o centro de visitantes, ficámos a conhecer outras duas figuras emblemáticas da segunda atracção turística mais visitada de França (a seguir a Paris), classificada como Património Mundial pela UNESCO. São elas São Miguel e a Mãe Poulard.

São Miguel, o arcanjo que dá nome à ilha é, segundo os católicos, quem pesa as almas durante o Último Julgamento e acompanha os escolhidos às portas do Paraíso. Olhando para o Monte Saint-Michel, é a sua estátua dourada que ocupa o ponto mais alto, sobre o pináculo esguio da abadia.

Nascida em 1851, a senhora Poulard era uma simples camareira até ter tido uma ideia brilhante: alimentar os peregrinos que, nessa altura, tinham de esperar que a maré lhes permitisse atravessar a baía a pé e assim alcançar o Monte Saint-Michel. Como isso podia acontecer a qualquer hora do dia ou da noite, era preciso alimentá-los rapidamente à chegada. A senhora Poulard lembrou-se, então, de cozinhar umas omeletes, ficando famosa(s) até aos dias de hoje.

Ainda no Centro, tirámos nota dos locais que gostaríamos de descobrir mais tarde quando explorássemos a ilha, como numa espécie de caça ao tesouro: a Grande Rua, la Sirène (a Sereia) — uma das suas casas mais antigas —, além das muralhas, construídas maioritariamente no século XV para proteger o monte e a abadia dos ingleses durante a Guerra dos Cem Anos, proporcionando excelentes vistas panorâmicas sobre a baía e a ilha Tombelaine.

Por fim, reparámos num mapa onde estavam assinalados vários pontos com uma vista privilegiada para o Monte Saint-Michel. De carro, rapidamente chegámos a um deles — o miradouro Pointe de la Roche Torin —, sem sabermos ainda que seria dali que traríamos as melhores memórias do Monte Saint-Michel. A pé, percorremos, primeiro, uma zona de campos verdes com vários avisos para os cães serem levados pela trela para não correrem atrás das ovelhas. Do nosso lado direito, estendia-se uma enorme baía vazia (praticamente só areia) até que, continuando a andar, lá estava ele: o Monte Saint-Michel, envolto numa leve neblina, como uma visão. Tivemo-lo só para nós durante todo o tempo em que aí andámos no meio de ovelhas de cabeça preta.

Dei então comigo a pensar que São Miguel conduz, de facto, os homens ao paraíso, ainda em vida. Porém, mal passamos as suas portas, é do inferno que nos lembramos. É logo na Grande Rua que entramos: comprida mas estreita para tantas pessoas e cheia (apenas) de lojas com recordações que se repetem; cafés e restaurantes com preços para turista; museus de terror de aspecto duvidoso e, por fim, lá em cima, uma enorme fila para entrar na abadia. Demos meia volta, passamos pelas muralhas e regressamos à base do monte por ruas secundárias. Conclusão: não ficámos muito tempo na ilha e o que mais me surpreendeu ainda foi ver uma senhora francesa, numa igreja, com um cão ao colo como se fosse a coisa mais natural do mundo.

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