Fugas - dicas dos leitores

Luís Robalo

Merendinha do Arco: o valor da marca

Por Luis Robalo

Higiene - Honestidade - Rapidez. Dito assim, tudo se aceita. Pode não ser a melhor comida do mundo — mas é muito boa.

O atendimento oferece os dias melhores e menos bons da natureza humana; a intimidade é nenhuma porque os clientes se sentam em mesas corridas partilhadas com quem está; mas com este anúncio-enunciado exposto numa moldura em lugar de destaque no estabelecimento, não há desculpas nem argumentos: só pode ser gente séria a dizer uma coisa destas. Não tem discussão.

É uma publicidade com princípios. Nem sequer é uma publicidade, é o que os ingleses chamam uma mission statement, e nós em bom português local devemos dizer: declaração de princípios.

Há empresas de grande gabarito que se esfarrapam para conseguir “missões” com esta qualidade. Gastam fortunas com criativos de luxo para imaginarem tiradas com esta força, que credibilizem e garantam o respeito das suas marcas.

Na Merendinha não precisam de criativos publicitários, só se forem almoçar.

Longe de comparações, hoje não se promovem os negócios desta maneira, com apreciações assim. Parece bacoco, velho, embaraçoso, do antigamente, ultrapassado. Optou-se pelo vistoso das imagens. Uma bela palavra, um slogan oportuno, desvalorizaram, não pagam dividendos.

No entanto, a imagem leva frequentemente ao engano do conteúdo que anuncia, mas é mais difícil chamá-la à responsabilidade e as agências agarram-se a essa muleta para disfarçarem a sua falta de qualidade.

Quem põe na marca do seu estabelecimento que é higiénico, honesto e rápido, pode correr o risco de estar a mentir?

Pode, mas não o faz se quer continuar de portas abertas como este restaurante, situado logo a seguir ao arco e de frente para uma casa que vende prazeres do sexo.

A Merendinha do Arco, apesar de se situar no epicentro do histerismo turístico que acometeu Lisboa, outrora bela, tem sobrevivido com os seus pratos tradicionais, os seus petiscos, o copo de vinho servido directamente da pipa de madeira, acompanhado de um pires de torresmos para acamar o álcool.

As moelas, as iscas, os carapaus com molho à espanhola, o cozido à portuguesa, continuam no cardápio. Como não estão traduzidos, os novos clientes — estranhos estrangeiros — não sabem o que são, não os pedem, e perdem uma experiência gustativa inenarrável. Se o fizessem — espécie de ritual iniciático para ser português — entrava-lhes o mal da saudade e nunca mais se poderiam libertar desta geografia, do convívio com a gente meio-triste, meio-alegre, meio assim-assim, que somos nós.

No entanto, e para que conste, já foram vistos eslavos a comerem bacalhau cozido com todos, saxões a digerirem polvo à lagareiro, asiáticos a provarem pataniscas. Todos com gosto.

Está para um dia destes que os donos do estabelecimento vão ter que encomendar uma tradução decente para as tripas e os pipis.

Uma tradução débil pode levar a mal-entendidos civilizacionais, pelo que se aconselha prudência na escolha dos termos certos, não vá a mão de vaca, causar danos relacionais entre os honestos restauradores e um cliente exótico mais sensível às diatribes das línguas.

 

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