Fugas - dicas dos leitores

Marco Ramos

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Trinidad, o luto nacional e o fim do bloqueio

A principal amargura é o não se dever pensar pela própria cabeça, o não se poder falar com os outros sobre o que livremente se pensa, sob pena de se ser denunciado como contra-revolucionário. É uma opressão violenta, uma das muitas contrariedades com que lidam os cubanos, estoicamente, por vezes sem stress, quase sempre com doçura. Não é só a cana-de-açúcar, o clima benfazejo, a beleza natural e cultural, a simpatia das pessoas: até na linguagem os cubanos são doces. Ouvimos inúmeras vezes tratarem-se, mesmo sem se conhecer, por hermano, primo, amigo, mi corazón, mi amor, mi belleza...

Respeito, afecto, elogio constantes. Parece um éden social. Sê-lo-ia também politicamente, se não fosse o bloqueio norte-americano? Grande parte das dificuldades do país resultam da impossibilidade de adquirir matérias-primas e produtos no vizinho mais próximo, a apenas 170km. E do facto de este vizinho não deixar que outros países façam compras em Cuba (por exemplo, carros com níquel cubano — um dos melhores do mundo — não se podem vender nos EUA). Pensei na possibilidade utópica de um paradigma novo nascido na América Latina de que vem falando Boaventura Sousa Santos e outros articulistas do Rebélion. Pensei em como isso ameaçaria o paradigma dominante (totalitário?) do vizinho de cima… Que eficaz, este bloqueio!

E os cubanos estão conscientes de que os novos ventos políticos não lhes serão de feição. O novo presidente norte-americano não é um estadista. Será incapaz de ser ele o feitor da promessa velada de Obama, desse acto grandioso de justiça civilizacional que seria acabar com o bloqueio. Mas os cubanos continuarão a ser doces, a sua terra continuará a ser doce. Sin apuro. E com muito aprumo.

 

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