Fugas - dicas dos leitores

Montalegre na sexta-feira 13

Por Axel Ferreira e Marina Santos

Num país que tanto peca é sempre de bem ter um sítio onde expulsar os males. Que melhor sítio para fazer isso que no meio de bruxas e demos (não digam demónios, que naquelas bandas isso não existe). A vila de Montalegre transforma a sua alma para aquilo que de mais genuíno pode haver: a festa popular que celebra o pecado tentando expiá-lo.

A gente destas bandas tem tradição genuína, que não é certamente esta festa, mas que a celebra desta maneira. Não se pode deixar morrer a identidade de toda uma população, o padre Fontes saberá isso melhor que ninguém. Poucos ou nenhuns farão tanto pela sua cultura e origem.

A festa abre às 13h13. A vila transforma-se, enche-se de vida e gente. Os gateiros fluem na rua, as bandas animam os palcos e toda a vila se veste a preceito. Quando a noite cai, os demos e as bruxas iluminam-se de todas as cores, as bebidas começam a fumegar e as gentes inebriadas no som da noite abraçam o momento onde a diferença e a bizarria se transformam na regra.

Os restaurantes imbuem-se do espírito e apresentam na escuridão a essência da boa comida desta região, com música a acompanhar. Às 23h há um espectáculo onde os tambores ressoam pela noite e o esconjuro dos males sai em uníssono das gargantas dos presentes.

O resto da noite é aquecido pela queimada e pelas bandas de música que a animam. Se ainda não acreditam no poder desta festa vinda do outro mundo, vão e como eu vejam pessoas idosas a dançar ao som de heavy metal português.

A festa realiza-se em Montalegre todas as sexta-feiras 13 do ano, por tradição mais ou menos recente. Dizem que no início eram pequenas festas que aconteciam em Vilar de Perdizes. As origens dela estarão entre a vontade do padre Fontes e algumas tradições galegas antigas. Para isso vos deixo o mote que se repete nas t-shirts de alguns dos presentes na festa: “Eu não acredito em bruxas, mas que as há há!”

Em jeito de despedida aqui vos deixo o esconjuro feito pelo padre Fontes nesta noite:

“Sapos e bruxas, mouchos e crujas, demonhos, trasgos e dianhos, espíritos das eneboadas beigas, corvos, pegas e meigas, feitiços das mezinheiras, lume andante dos podres canhotos furados, luzinha dos bichos andantes, luz de mortos penantes,
mau olhado, negra inveija, ar de mortos, trevões e raios, uivar de cão, piar de moucho,
pecadora língua de má mulher casada cum home belho. Vade retro, Satanás, Prás pedras cagadeiras! Lume de cadávres ardentes mutilados corpos dos indecentes peidos de infernais cus. Barriga inútil de mulher solteira, miar de gatos que andam à janeira, guedelha porca de cabra mal parida! Com esta culher levantarei labaredas deste lume, que se parece co do Inferno. Fugirão daqui as bruxas, por riba de silbaredos e por baixo de carbalhedos, a cabalo na sua bassoira de gesta, para se juntarem nos castelos de Montalegre. Oubide! Oubide os rugidos das que estão a arder nesta caldeira de lume. E cando esta mistela baixe polas nossas gorjas, ficaremos librés de todo o embruxamento e de todos os males que nos atormentam e deste frio que nos arrefece. Forças do ar, terra, mar e lume, do Larouco e do Gerês, a vós requero esta chamada: Se é verdade que tendes mais poder que as humanas gentes, fazei que os espíritos ausentes dos amigos que andam fora participem connosco desta queimada!”

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