Fugas - dicas dos leitores

Nunca fui a Brasília

Por Pedro Cotrim

Li em miúdo que era uma “metrópole planeada na savana”, uma espécie de delírio grandioso: que povo no seu juízo desdenharia o Rio como capital?

Cresci e 30 anos passaram sobre as minhas leituras acerca da “capital sem semáforos”, com “superquadras”, “eixos monumentais” e outros termos que nos idos de 1980 nos soavam a apocalipse distópico.

Nunca mais tornei à cidade e agora pego num livro do Niemeyer mal arrumado lá por casa. Descubro um arquitecto sem traço de desatino que me fez regressar à única (creio) das suas obras que cheguei a visitar: o museu de Niterói, que nos lança do chão e apanha no mar. A quem for ao Rio basta atravessar a ponte.

Da história que fez se fez história da história:

“As obras prosseguiam, a poeira avermelhada marcava as ruas em construção e os canteiros de serviço quebravam o antigo silêncio daquela área que começava a se povoar. Determinado, Juscelino Kubitcheck nos dava o seu exemplo, indiferente às críticas com que a reacção procurava torpedear o empreendimento, rindo dos que diziam que não haveria vegetação nem jardins, que a água do lago projectado iria desaparecer na terra porosa da nova capital.”

A capital lá está, assente na ciência e na arte. Nada seríamos sem este par.

E arquitectura é uma palavra difícil para uma bela arte difícil. Desenhar uma ponte esbelta é mais difícil que desenhar um belo rosto. Sei que agora arquitecto uma viagem a Brasília, o que nunca me passara pela cabeça. Preciso de estrutura e de alguma esquadria em alguns dias da minha cronologia.

Niemeyer conta-nos como foi e como fez para o que foi ter acontecido. Tudo fez para que os que ficassem após o seu salto para o grande vazio não sentissem o grande vazio da sua ida. Um homem centenário que viu a filha morrer com 82 anos de idade, seis meses antes de ele próprio desaparecer.

O seu existencialismo absoluto não o deixava em paz. Os seus olhares sobre o Atlântico sempre tiveram a sombra da finitude e algumas das suas considerações pesam mais que os seus alicerces.

Ainda assim, ri-se connosco do passado:

“Tinha 17 anos, e daí até aos 21, quando casei, minha vida seguiu tranquila, como se o tempo tivesse parado para me deixar brincar um pouco.”

Quando observamos o que nos lega, percebemos que o tempo lhe parou durante 104 anos.

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