Os povos berberes que os construíram souberam dar-lhes a elegância perfeita para uma terra árida em que a única cor discordante é o verde do oásis. Entretanto tínhamos ouvido falar de uma biblioteca mesmo às portas do deserto. Movida pela curiosidade profissional e de viajante, e com o consenso dos meus companheiros de viagem, rumámos até Tamegroute.
Esta aldeia, outrora de grande importância no mapa marroquino, fica bem nos confins de Marrocos, pois a estrada terminará dali a umas dezenas de quilómetros, quase na fronteira com a Argélia com a qual nem estabelece ligação. Um pouco para trás fica o fértil Vale do Drâa. Para trás fica, também, o seu esplendor de vila com destaque na antiga rota do Tombuctu como grande centro religioso de Marrocos.
À nossa chegada ao complexo religioso, a Zauia Naciria, onde fica a biblioteca, salta-nos ao caminho um guia espontâneo, daqueles que há por todos os cantos do país que, depois dos serviços prestados, tentam regatear como melhor sabem o que à partida era gratuito. H Kim, o nosso guia, vai-nos conduzindo pelo complexo religioso, um pouco degradado, em cujos claustros interiores se arrastam pelo chão dia e noite, fazendo do sítio a sua casa, doentes incuráveis à espera de um milagre. H Kim fala-nos do fundador da Zauia Naciria, um teólogo sufista e médico que se interessou pelas doenças mentais. Agora percebemos a esperança no milagre.
A mesquita e o túmulo do fundador estão vedados aos turistas que por ali vão pingando. Apenas pequenos grupos, ou então turistas solitários, todos para se dirigirem às dunas de Tinfou. Finalmente, H Kim abre a porta da biblioteca. Deparamo-nos com um ancião de túnica imaculadamente branca, bastante decrépito, sentado numa cadeira de rodas. É o bibliotecário que desde sempre ali trabalhou. Podemos admirar, dentro das enormes vitrines, embora a sala seja pequena para a noção que temos de uma biblioteca, maravilhosos manuscritos iluminados, do século XVII, em perfeito estado de conservação. Espanta-nos a falta de protecção e de condições ambientais. É o vento seco do deserto que os conserva, explica-nos H Kim. Com muita pena minha não podemos tirar fotos, é compreensível.
Actualmente só os alunos da pequena madraça, ali mesmo ao lado, frequentam a biblioteca. Nos tempos áureos da Zauia Naciria, até do Mali e do Níger vinham alunos para aprender os ensinamentos do Corão. De facto, entre a população desta aldeia é visível a presença de bastantes habitantes negros, ao contrário de outras zonas de Marrocos. A visita à biblioteca terminou, seguimos com o nosso guia para uma outra ao centro de olaria, mas a biblioteca com tantos tesouros, num lugar tão improvável, tão árido, sem ruas pavimentadas, onde o pó tudo invade, não me saiu da memória.
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