Fugas - dicas dos leitores

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Coreia do Norte, as outras faces do desconhecido

Por António Barroso Cruz

Era um sonho há muito sonhado, conhecer a Coreia do Norte. E finalmente a oportunidade de por lá ir tornou-se palpável e consistente.

Contra tudo e quase todos, fazendo, como é meu hábito, ouvidos de mercador à quase permanente desinformação que passa na comunicação social.

Ir ao encontro deste país de desconhecimentos, ir à procura de perceber os seus mistérios, ir à procura de conclusões, ainda que as mesmas pudessem sempre pecar por incompletas porque acerca da Coreia do Norte estaremos sempre longe de conhecer a verdade. Porque a realidade, essa, é constatável por todos os lugares do país por onde fui passando.

Pyongyang é a sua capital. Uma cidade de contrastes que balança entre uma espécie de abandono e ausências, entre vazios e opulências, entre incertezas e deslumbramentos que se erguem em forma de edifícios ou monumentos em homenagem à revolução que os seus líderes insistem, muitas vezes da pior forma, em levar adiante. Criada que foi a ideologia Juche, é na capital que a mesma é mais notória através dos lugares que a invocam e honram. O culto dos líderes chega a ser opressivo. Estamos sempre a dar de caras com eles, seja em mosaicos gigantescos, estátuas desmesuradas ou fotografias que são omnipresentes. As avenidas largas e compridas vazias de carros, os policias sinaleiros de movimentos petrificados, os prédios ora toscos e maçados pelo tempo, ora novos e moderníssimos em jeito de postal ilustrado para turista ver. E se iludir com as riquezas que o país não tem. Porque não existem simplesmente. De qualquer forma, uma cidade enternecedora, de gente que caminha, que pedala, que vai de metropolitano (e que belas são as suas estações!). Uma cidade de impossibilidades em que os nossos sentidos são chamados a cumprir o seu papel em todos os...sentidos. Uma história maravilhosa que agora guardo em mim e que não me cansarei de atirar aos ventos para que longe chegue.

Existe uma outra face da Coreia do Norte que foge à opulência e “descaramento” arquitectónico da sua capital Pyongyang. Existe um tempo que ficou equivocado, um género de falha espácio-temporal em que nos sentimos actores. Lugares vazios de tiques civilizacionais. Olhares vazios de gentes quase mecanizadas e que fazem do trabalho no campo o seu modo de sobrevivência. A agricultura é de subsistência. Os carros particulares não existem (a propriedade privada simplesmente não existe). Pelos campos afora, o que constatei foi uma multidão de gente que se desloca a pé. Outros, quiçá mais privilegiados, de bicicleta. E alguns em motorizadas. As aldeias assemelham-se a um amontoado de esquecimentos. Os trabalhadores, quase todos organizados em cooperativas, entregam-se à terra com a alma e o corpo que nem sei se lhes pertence. Algumas das imagens capto-as à revelia das permissões superiores.

Estamos em Junho e a azáfama nos arrozais é enorme, pois é a época da sua transplantação. A terra tem cor de terra. As montanhas cheiram a montanhas. A pobreza é pobre. Tudo é demasiado básico e rudimentar, os tractores, as carroças puxadas pelos bois, as estradas maltratadas. É a Coreia do Norte despida de jóias e paramentos para turista ver. É a sua verdadeira essência. E um inesquecimento no meu universo de memórias viajadas.

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