Se Palmaz fosse um deserto, o Hotel Rural Vale do Rio seria um oásis. E quer esta seja a mais apropriada das comparações ou nem por isso, o facto é que o primeiro hotel rural de grande dimensão a funcionar integralmente à base de energias renováveis consegue, logo à primeira vista, surtir o efeito de surpresa e conforto que a imagem de um refúgio no Sara representaria para caminhantes sedentos.
A sensação começa a preparar-se na viagem. Tanto a partir do Porto como de Aveiro, o trajecto é fácil, mas, a certa altura, ter-se-á que circular obrigatoriamente pela EN1/IC2 e a paisagem é, no mínimo, desengraçada. Quando se corta no Pinheiro da Bemposta para os últimos quilómetros do percurso, o horizonte não melhora: a rua é de curvinhas apertadas, com má visibilidade, e o caminho não augura nada de interessante, tão descaracterizado que é o povoado, sem nada que lembre o encanto pitoresco das aldeias de xisto que estão mais no fim do mundo, mas sempre proporcionam postais bonitos.
É quando começam a aparecer as primeiras placas a indicar "hotel" que se percebe que, afinal, alguma coisa está para mudar. A pouco e pouco, a paisagem passa a ser apenas de verde intenso, a folhagem das árvores cobre o pedaço de céu sobre o asfalto e o ar nota-se mais frio, mais aberto. Se se chega de noite, consegue-se descortinar, numa cota inferior, os jardins do hotel cravejados de candeeiros que fazem lembrar as festas de praia nocturnas iluminadas por fogueiras. Se se chega de dia, o hotel revela-se de repente numa clareira em que, logo à entrada dos portões, se nota que, afinal, ser ecológico não obriga a que se prescinda da sofisticação.
E é então que o viajante pode repousar - entre o verde, entre o chilreio dos pássaros, entre o barulho das águas, não se sabe bem onde, mas por ali perto. No jardim bem tratado há sombras de árvores centenárias e recantos almofadados para incentivo à leitura ou à indolência, e quando se vai em busca do rio descobre-se que ele se desenha lá em baixo, junto ao Restaurante HC, cujo nome é emprestado da Hídrica do Caima - ela continua lá no edifício, a funcionar permanentemente para abastecer o hotel de electricidade.
Na esplanada em tons de madeira, a fotografia volta a surpreender: o mérito de Palmaz é mesmo esse verde de ramagens preenchidas, e, se é um facto que a extensa e surpreendente ementa do restaurante do hotel intensifica a estadia junto ao rio, também é verdade que, a partir do quarto, esse envolvimento visual ganha uma nova dimensão.
A directora do Hotel Rural Vale do Rio, Rita Alves, começa por explicar: "Dividimos os 30 quartos por conceitos de decoração diferente, cada um adequado a um dos quatro elementos presentes na natureza. É uma filosofia que se enquadra na política ecológica do hotel e, ao mesmo tempo, permite o uso de uma paleta de tons adequada à tranquilidade e ao sossego."
A oferta da unidade inclui uma suite, quatro quartos comunicantes, um outro que está adaptado a hóspedes com mobilidade reduzida e, depois, vários quartos individuais, todos eles espaçosos e todos eles com uma varanda larga e cheia de potencial - para o pequeno-almoço, para banhos de sol, para namorar com uma privacidade que só não será absoluta aos olhos de quem tiver subido ao alto dos pinheiros. A parede de fundo do quarto (do 205, pelo menos) é, afinal, uma enorme janela da qual nos apercebemos verdadeiramente do contexto em que estamos: tudo o que se vê a partir da cama é árvores e céu, sem um único indício da presença humana. Não há casas à vista, não há carros, não há postes de electricidade com fios a perturbarem o azul; há apenas as cores do arvoredo, as vozes de pássaros, o correr das águas e, na madrugada ainda escura, a experiência quase mística das badaladas do sino da capela, a acordarem ouvidos sensíveis para uma oração a Maria que se repercute, estranha, nos primeiros ares da manhã.
Para quem se quiser ficar pelo oásis, a oferta inclui a biblioteca Pausa das Letras, que reúne cerca de 200 títulos, sobretudo literatura que pertenceu a Maria José Duarte Nunes e foi doada ao hotel pelo gerente do espaço. "É uma forma de eu homenagear a minha mãe, que já faleceu", explica André Alegria, "e de também proporcionar aos nossos hóspedes um tipo de ocupação que se conjuga bem com o jardim e com as esplanadas".
Depois - e aqui admito um toque do que lá descreveram como "preconceito sexista e provocatório" - os senhores ficam a saborear uma bebida nas mesas disponíveis para jogos de tabuleiro e as senhoras encaminham-se para a piscina, para o banho turco ou para os gabinetes do Spa Four Elements, onde estão disponíveis desde tratamentos de cromoterapia a envolvimentos corporais, passando por rituais mais mundanos como depilação e manicure. Quem preferir a diversificada gama de massagens do spa, poderá ter a sorte de ficar entregue às mãos de José França, que, com particular assertividade, sabe aplicar a corpos mais delicados o mesmo vigor que lhe exigem enquanto técnico de equipamentos e massagista da robusta selecção nacional de basquetebol. "A cada corpo, aquilo de que ele precisa", defende o sábio.
Fora do hotel, há que não ter ilusões. Palmaz não tem museus, não tem património relevante e nem a principal capela da terra tem uma arquitectura memorável, embora o largo em frente ao templo pudesse ser um miradouro agradável para gelados ou cerveja com tremoços, caso a zona estivesse tratada e houvesse quem servisse essas iguarias. O que em Palmaz sabe bem é caminhar - seguir o curso do rio a partir do hotel, visitar as ruínas da fábrica de papel do Caima e o antigo parque de merendas, atravessar a Ponte do Padre, apreciar as águas do açude, colher cidreira em bruto para ferver as folhas em chá e, com perícia ou sorte, pescar barbos, trutas e bogas. "Mas só onde a água estiver limpa", avisam os pescadores da zona. "De vez em quando há para aí umas descargas que estragam tudo, mas, enquanto eles não arranjam isso, onde a água está limpinha ainda se arranjam uns peixinhos jeitosos."
Ok, ok! Falta falar da mini-hídrica, da caldeira de biomassa, dos painéis solares e fotovoltaicos. Isso é tudo muito bonito, mas melhor ainda é o facto de nada disso saltar à vista para se discutir se realmente é bonito ou feio. Está lá tudo, isso é certo! André Alegria até se disponibiliza, de brilho nos olhos, para uma visita guiada ao equipamento de topo com que garante o estatuto 100 por cento ecológico deste quatro estrelas, que "é capaz de assegurar não só a sua auto-suficiência, mas também de produzir electricidade extra para vender a terceiros". Mas, na prática, mesmo ao hóspede mais consciente e empenhado bastará saber - sem precisar de o confirmar com a retina - que toda a energia eléctrica gasta no hotel está a ser produzida na hídrica pelo caudal do rio, que todo o aquecimento das águas é assegurado pelos pellets e pela estilha que alimentam a central de biomassa, e que todo o calor dos quartos, no Inverno, se deve apenas ao aproveitamento da energia solar.
Isso é tudo muito bonito, sim. Mas melhor ainda é o facto de que tudo isso tem um enquadramento tão discreto nas estruturas físicas do hotel que não perturba o Caima, nem os seus pinheiros, os seus plátanos, os seus carvalhos e acácias.
Como ir
A partir de qualquer cidade do país, o ideal é conduzir pela A1 até Oliveira de Azeméis e depois sair para a EN1/IC2 em direcção a Pinheiro da Bemposta. Nessa via, corta-se para Palmaz nos semáforos mais concorridos do Pinheiro e depois seguem-se uns seis quilómetros de estradas secundárias, onde todos os entroncamentos que possam suscitar dúvidas têm placas a indicar o caminho para Palmaz e, quando lá, para o hotel.
O que fazer
O melhor mesmo é usufruir da natureza local, mas o concelho de Oliveira de Azeméis também é conhecido pelo seu roteiro de moinhos e pelo parque La Salette. Por perto há ainda o Museu da Chapelaria, em São João da Madeira; o castelo, o Visionarium e o Museu do Papel, em Santa Maria da Feira; e muitas praias entre Ovar e Espinho.
Onde comer
HC
O restaurante HC, no próprio hotel, é a escolha obrigatória e, tanto pelo serviço simpático e profissional como pela sua confecção cuidada, só pode mesmo revelar-se uma óptima experiência. A ementa concebida pelo chef Ivan Leal é vasta, minuciosa, inclui até uma selecção vegetariana e, numa fusão do tradicional com arrojos mais inesperados, agrada tanto aos olhos como ao paladar. Nas carnes, há peitinhos de faisão grelhado sobre uma cama de legumes e puré de maçã; nos peixes, há risoto de camarão com filete de robalo cozido ao vapor e corado no forno, ou bacalhau fresco gratinado à maionese de alho sobre rolinhos de duas massas e juliana de legumes. As sobremesas são uma perdição disposta em pratos que não apetece descompor e, com jeito, pede-se primeiro uma mousse de café sobre creme inglês e, depois, sem remorsos, um demi-cuit de chocolate escuro com brownie de chocolate branco e gelado de limão regado a molho de Bailey"s. Pratos entre os 9,50€ e os 22,50€.
Girattorio
O restaurante Girattorio está instalado no último piso do Hotel Dighton, no centro da cidade de Oliveira de Azeméis, e, tal como o nome indica, tem a área de refeições instalada sobre uma plataforma em movimento. Em cerca de uma hora, a sala desenha uma volta de 360º, metade dos quais com vista para a paisagem do Entre Douro e Vouga.
Tel.: 256682191
www.girattorio.com
GPS: N 40º 50" 18,88" W 8º 28" 41,79"
Refúgio D"El Rey
O restaurante Refúgio D"El Rey, por sua vez, tem uma ementa mais tradicional, à base da gastronomia típica local, e situa-se na freguesia de Ul, onde ocupa uma antiga estação de caminhos-de-ferro da Linha do Vale do Vouga.
Tel.: 256696134 ou 917591050
www.refugiodelrey.pt
GPS: N 40º 49" 23" W 8º 29" 29"
A Fugas esteve alojada a convite do Hotel Rural Vale do Rio