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O despertar da Primavera é o despertar das vinhas

Por Andreia Marques Pereira

Ainda vai tímida, esta Primavera, mas nas vinhas de todo o país é o suficiente para uma promessa de vida. Depois do longo sono de Inverno, as videiras despertam e pintam as paisagens de verdes tenros, salpicados de flores e ervas bravias que se intrometem nas entrelinhas. É tempo de excentricidades da natureza.

Já há vida nas vinhas. Depois da hibernação, as folhas, de um verde inicial, ainda a desenharem-se e a ganhar corpo, começam o seu crescimento nas videiras. No solo, abundam ervas (vemos trevos, muitos), flores bravias avulsas, que preenchem os espaços em branco entre as linhas de videiras, os mesmos que durante as vindimas serão pisoteados em cadências regulares.

Se o final do Verão e o início do Outono são o culminar do ciclo vinhateiro, a Primavera é o seu despertar e, importante, é o período em que se define a colheita por vir. Estamos em pleno abrolhamento, que vai de Abril a Junho (e nada disto é estanque, tudo depende do clima), e as videiras são crianças, vulneráveis. Há fungos e insectos a rondar e o viticultor é o vigilante atento. Em breve, as videiras vão florir — sim, haverá flores nas vinhas e cada casta tem a sua. Sendo a Primavera o renascimento da natureza, as vinhas não lhe escapam — o “pintor” dos bagos só chegará no Verão, mas o “pintor” das videiras já chegou.

Se o Inverno é altura de uma beleza serena, quase nostálgica nas vinhas, que perderam as folhas e estão no chamado “repouso vegetativo”, a Primavera é tempo de explosão: as videiras reclamam a vida com as folhas a rebentarem nos cortes da poda. É altura da nova poda, “em verde”, que retira os rebentos indesejados, e da limpeza dos troncos de ramos inconvenientes. Abre-se assim a porta à floração, que normalmente acontece na segunda metade da Primavera, quando os bagos começam a surgir, primeiro como ervilhas, verdes opacas, que vão ganhando dimensão e a cor. E já estaremos no Verão, na maturação, prestes a chegar à vindima e ao final do ciclo da vinha.

Contudo, por enquanto é a Primavera que se anuncia — bem tímida, na verdade. O suficiente, contudo, para ser promessa (visível) de vida nas vinhas de todo o país.

Quinta da Aveleda, Vinhos Verdes

Há várias rotas que se cruzam no Vale do Sousa — a do Românico, por exemplo, que oferece uma panorâmica sobre as raízes da nacionalidade; e a dos Vinhos Verdes, que percorre a região demarcada dos Vinhos Verdes, a maior do país, que vai do Minho ao Douro, do Atlântico ao Marão. Estamos, então, no coração de Entre-Douro-e-Minho e na sub-região demarcada do Sousa, onde a Quinta da Aveleda (Penafiel) se mantém uma referência na produção de vinhos brancos e se aventura nos tintos, que cultiva em 184 hectares de vinhas dispostas em torno da casa-mãe da família que há décadas se dedica a fazer vinhos. É nas traseiras da casa que se começa a ver o mar de vinhedos que forram suaves vales, interrompidos aqui e ali por arboretos, o rio Sousa ou até uma linha férrea.

E se falamos na casa não é à toa — edifício seiscentista coberto de hera, é o ponto fulcral em redor do qual se desenvolvem o parque e jardins da quinta, que são quase tão famosos quanto as suas vinhas. Em 2011, a Quinta da Aveleda recebeu o prémio Best of Wine Tourism na categoria de Arquitectura, Parques e Jardins e é fácil perceber que aqui a geométrica paisagem vinícola anda de mão dada com o romantismo dos parques, que incluem latadas, ainda que aí já estejamos com vista para as vinhas. E as visitas incluem precisamente passagem por estes espaços de lazer, interrompidas por edifícios de granito (entre eles a adega velha),onde espécies botânicas raras convivem com lagos, fontes e inusitadas obras decorativas, as chamadas follies, sem qualquer funcionalidade que não sejam o próprio simbolismo e desfrute estético tão próprias dos jardins românticos. Fazem parte do património da casa, e entre elas está, por exemplo, uma janela manuelina, do século XVI debaixo da qual, reza a lenda, foi aclamado rei D. João IV — está como uma ruína de algo que nunca existiu, entre o verde impenitente que a rodeia (por isso, não é impossível imaginar duendes a viver na antiga casa do guarda que parece saída de um livro de contos de fadas).

Onde comer

Cozinha da Terra, Largo da Herdade, 8. 4580-582 Louredo. Tel.: 255 780 900.  www.cozinhadaterra.com

Casa Valxisto, Rua Padres da Agostinha, 233. 4560-195 – Lagares, Penafiel. Tel.: 255 752 251/ 936 473 986. www.valxisto.pt

Vale do Inferno, Douro

Se o Douro é território de “nove meses de Inverno e três de inferno”, há um cantinho onde o inferno dura o ano todo. E que “inferno” este, onde em 1999 se produziram uvas que deram origem a um single vintage e que dá o nome a um vinho excepcional — de tal forma que só é produzido em anos verdadeiramente excepcionais. Estamos ao lado do Pinhão com o Douro aos pés, na Quinta de La Rosa. Aqui há 11 vinhas, mas a Vale do Inferno, a oeste, é verdadeiramente especial: para quem a vê do rio, numa curva, para quem a pisa. Chamam-lhe vale, mas é mais uma garganta profunda (como se se tivesse retirado uma fatia da encosta), com uma inclinação quase impossível, que é cortada por socalcos de construção centenária.

Numa paisagem conhecida pelo dramatismo majestoso conseguido à custa do trabalho do homem, esculpindo socalcos que abraçam montes, o Vale do Inferno é o paradigma perfeito. Foi pouco antes da I Guerra Mundial que o bisavô dos actuais proprietários decidiu mandar plantar aquela que é a vinha mais antiga da quinta. Para tal, trabalhadores galegos foram convocados para construírem os muros mais altos do Douro: alguns atingem os cinco metros de altura, em xisto, a suportar os degraus onde as videiras crescem. Este era o processo de construção na mais antiga região vinícola demarcada do mundo, que nos anos 1980 começou a ser substituído pelos patamares cortados na encosta por terraplanagem, pelos seus custos mais baixos, e, mais recentemente, pelo plantio vertical, onde as vinhas deixam de contornar a paisagem.

Neste Vale do Inferno, ao contrário dessas vinhas antigas, construíram-se também rampas, ao invés de escadas, ligando os diferentes socalcos para que os animais conseguissem lavrar toda a vinha. As ironias do progresso fazem com que actualmente todos os trabalhos na vinha tenham de ser feitos à mão, uma vez que os tractores não entram.

Numa paisagem consagrada como Património da Humanidade, de onde sai o nosso vinho mais famoso e alguns dos nossos vinhos de mesa mais desafiantes, este Vale do Inferno recorda, à beira-rio, como tudo começou e de certa forma homenageia gerações que moldaram a região.

Onde comer

Restaurante DOP. Estrada N.º 222. Folgosa do Douro. Tel.: 254858123.www.ruipaula.com


Onde dormir

Pousada Barão de Forrester, Rua Comendador José Rufino. Alijó. Tel.: 259 959304
www.pousadas.pt

São Lourenço do Bairro, Bairrada

Nos últimos anos dois ovnis pousaram na paisagem levemente ondulada entre Mogofores e Vilarinho do Bairro (Anadia), onde os vinhedos preenchem a paisagem, aqui e ali pontuados por pequenos bosques. A estrada que serpenteia até entrarmos em São Lourenço do Bairro está marginada de vinhas que se perdem de vista para lá de colinas suaves, interrompida apenas por um lugar de meia dúzias de casas, algumas em ruínas. Durante décadas foi assim, intocado, este troço, até que há poucos anos o cultivo das vinhas deu frutos excêntricos — duas adegas que surgiram como testemunho da qualidade dos vinhos que aqui se produzem e da chegada do enoturismo numa região onde a vinha sempre foi um modo de vida. Se calhar, agora é menos modo de vida, mas o que se perdeu em pequenos agricultores que abandonaram as vinhas, ganhou-se em dedicação para extrair o melhor néctar possível dos solos que oscilam entre o arenoso e o argiloso — barrento, e daqui houve nome Bairrada.

Quando a EN1 era a via principal em Portugal, a região da Bairrada era uma das paragens obrigatórias para refeições — leitão, de preferência com o seu acompanhamento “natural”, o espumante da região. Agora que o trânsito se faz maioritariamente pela A1 há quem faça questão de sair nesta zona que se estende de Coimbra até Águeda para repetir o ritual, embora a azáfama de algumas décadas atrás se tenha perdido. Até nas vinhas, onde a mão-de-obra se tornou escassa, sem que isso impedisse, porém, o reforço da qualidade dos vinhos de uma região que tem tradição de produção desde o século X e que viu no século XIX a sua persistência recompensada com a fama a chegar. Na verdade, os últimos anos têm sido de recuperação do selo de qualidade dos vinhos desta região demarcada onde a casta Baga é rainha, mas recentemente divide protagonismo com outras castas nacionais e até internacionais. Com vinhas de pequena e média dimensão, a Bairrada vinhateira pode descobrir-se pelas suas estradas a atravessar os vinhedos que preenchem os espaços em branco entre as povoações. E onde alguns projectos abrem a porta a visitantes. Na Curia, a antiga estação ferroviária é a sede da Rota da Bairrada e, então, a poucos quilómetros daí, São Lourenço do Bairro tem duas novíssimas adegas, a Quinta do Encontro e a Campolargo.

Onde comer

Quinta do Encontro, 3780-907 São Lourenço do Bairro, Aveiro. Tel.: 231 527 155
www.quintadoencontro.pt

Onde dormir

Casa de Mogofores, Rua Nossa Senhora Auxiliadora, 18. 3780-453 Mogofores. Tel.: 231 512 448. www.casademogofores.com

Silgueiros, Dão

Diz-se que as caravelas que partiram à conquista de Ceuta, dando início aos Descobrimentos portugueses, levavam no seu porão vinho do Dão. E vinho do Dão é o vinho que nasce das vinhas plantadas num círculo limitado por serras, a Nave, a norte, Buçaco, a sul, Estrela a este e Caramulo a oeste. Partindo de Viseu, o epicentro desta região, a caminho da serra da Estrela é fácil ter uma imagem destas paisagens acidentadas onde os vinhedos raramente são a perder de vista, antes se aninham em vales amenos, deixam-se rodear de pinhais e assombrar por laivos rochosos. É assim a Região do Dão, feita de minifúndios e em luta com a natureza de tal forma que ela quase eclipsa os vinhedos — aliás, basta ver os números para perceber esta luta desigual em terrenos agrestes: são 376 mil hectares para a região demarcada, com apenas 20 mil destes ocupados por vinhas.

Silgueiros é uma paragem emblemática desta região que foi demarcada em 1908 e foi o berço da celebrada Touriga Nacional. Na verdade, Silgueiros é uma sub-região e encontra-se na órbita de influência do rio Dão, que, juntamente com o Mondego, rompe o granito, por vezes xisto, que são o substrato, duro, destas paragens. Curiosamente, entre várias vinhas “características”, ou seja, curtas de dimensão, muitas vezes de agricultores que produzem para adegas cooperativas, outras vezes inseridas em quintas com marca própria, em Silgueiros encontram-se também algumas das excepções que fazem a regra, com vinhedos mais extensos. No conjunto fazem uma manta de retalhos, onde o clima se confunde — o Verão pode aparecer no Inverno e o Inverno perturbar o Verão — mas não ilude a vocação vinícola do Dão.

Onde comer

Mesa de Lemos, Quinta de Lemos, Passos de Silgueiros. 3500-541 Silgueiros. Tel.: 961158503. www.quintadelemos.com

Onde dormir

Póvoa do Dão, 3500 546 Silgueiros. Tel.: 232 958 557. www.povoadao.com

O Vinhos de Portugal regressa ao Rio de Janeiro, de 22 a 24 de Maio, no Jockey Club.

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