Em Giglio, a imagem já é banal: turistas a apanhar sol na praia ou a nadar nas afamadas águas azul-turquesa, com o Costa Concordia tombado, no horizonte, quase já a parecer parte natural da paisagem toscana. E, em redor do navio, mais turistas a navegar, na tentativa de verem o destroço o mais de perto possível, de tirarem a derradeira fotografia. "Turismo macabro", chama-lhe a imprensa italiana.
Para uns, de facto, a ideia estará próxima do horror. Para outros, é a oportunidade para saciar uma curiosidade extrema. Já para alguns outros, o naufrágio tornou-se mesmo um lucrativo negócio. Mas o certo é que andam todos de olhos postos neste postal ilustrado de tons lúgubres. Quase oito meses após a catástrofe, em que perderam a vida 32 pessoas, o naufragado gigante tornou-se mesmo uma atracção turística que, adianta o presidente da câmara local, Sergio Ortelli, ao jornal La Repubblica, provocou este Verão um específico "boom" turístico em Giglio.
"Há um aumento do turismo de passagem, o turismo dos curiosos que, de manhã à noite, chegam para tirar uma foto e admirar este paquiderme a ‘repousar' sobre o rochedo", diz Ortellli. Mas, sublinha, não é este o turismo que Giglio quer: "O turismo que nós preferimos é baseado no mar limpo e na ecologia", comenta, acrescentando que esse "foi o que mais sofreu", com as reservas de hotéis e de férias a serem seriamente afectadas.
Por isso também, a ilha criou uma espécie de taxa de desembarque: desde Julho, conta o El Mundo, os visitantes que chegam em embarcações turísticas e ficam apenas algumas horas têm que pagar um euro. Só no primeiro mês, contabiliza o jornal, terão desembarcado na ilha cerca de 8 mil pessoas.
Na verdade, este "turismo macabro" começou logo após o naufrágio, a 13 de Janeiro. O Verão só veio ampliar o fenómeno. Há até filas para apanhar o ferry, em Santo Stefano (a 16km de Giglio), que, tal como outros barcos, é visto como a forma ideal de fotografar o navio de perto, já que passa a poucos metros do mesmo. Um bilhete custa 10€ e "garante" imagens de proximidade... Outros podem também optar por programas de navegação em redor dos destroços: há passeios pela ilhas, que incluem aproximações ao Concordia, entre 12€ e 25€.
"É muito perturbante ver este gigante ‘deitado' ali, naquele estado", disse uma turista e passageira do ferry, Lucia, à AFP. "Mas a vida da ilha tem de continuar e foi também por isso que escolhemos passar as nossas férias aqui", concluiu.
Outra passageira, Daniela, uma estudante de 23 anos que aguardava pelo barco para ver o Concordia,dava voz ao sentimento mudo de muitos: "A ilha está condenada a atrair ainda mais gente porque, infelizmente, as tragédias são mais tentadoras que meros locais bonitos", afirmou.
Já para o vereador local com a pasta do Ambiente, Alessandro Centurioni, a história é outra. "O Concordia passou a ser parte da nossa paisagem mas também a arruinou", diz. "Cada vez que vejo o barco volto a sentir a dor e a tristeza".
O Concordia naufragou a 13 de Janeiro deste ano, depois de se ter desviado da sua rota pré-estabelecida e de se ter aproximado demasiado da costa. Ao embater em rocha, o navio tombou, naufragando. A bordo, seguiam 3200 passageiros e mais 1000 tripulantes. Além de outros membros da tripulação e da empresa proprietária, a Costa - o maior operador de cruzeiros europeu, o comandante da embarcação, Francesco Schettino, enfrenta um processo de homicídio por negligência. Recentemente, Schettino, em entrevista ao Canale 5 italiano pediu "desculpa" por "estar distraído".
Entretanto, a remoção do navio de mais de 114 toneladas, planeada para terminar até Janeiro e adjudicada a um consórcio italo-americano, foi novamente adiada por alguns meses. A união entre a Titan Salvage (EUA) e a Micoperi (Itália) anunciou que foi obrigada a estender o prazo, devido à "enormidade da tarefa", dita já a maior operação da história para desencalhar e reflutuar um navio. Para elevar o Concordia, conta o USA Today, serão instaladas plataformas subaquáticas, sob a parte submersa do navio, e utilizadas megagruas para o endireitar. Um complexo sistema de caixas-de-ar entrará então em acção para manter o equilíbrio da embarcação, que será puxada e posteriormente desmantelada.
A cumprirem-se os planos de remoção, Giglio poderá assim contar, pelo menos até à Primavera, com a mais trágica das suas atracções turísticas.