Diz o povo que, "quando não se pode, arreia-se". Pode ter sido esta máxima a ditar a surpreendente decisão da Sogrape de vender a Quinta da Boavista (situada na margem direita do rio, a poucos quilómetros do Pinhão) à dupla Marcelo Lima e Tony Smith, actuais proprietários da Quinta da Covela, em Baião. Mas também pode ser apenas um caso de dar um passo atrás para de seguida dar dois em frente. Seja qual for a motivação, é mais relevante que a Sogrape (o maior grupo vinícola português) tenha vendido uma propriedade histórica de 39 hectares, fornecedora de uvas para a sua marca de vinho do Porto Offley, do que os donos da Covela tenham concretizado o sonho de entrar no Douro, desembolsando provavelmente mais do que os três milhões que tinham pago pela quinta minhota.
Normalmente, os grandes grupos compram, não vendem. É o que têm feito a Symington (dona de 26 quintas no Douro) e a Fladgate Partnership (Taylor's, Fonseca e Croft), que recentemente comprou à família Falcão Carneiro a Wiese & Krohn, longeva casa de vinho do Porto especializada na produção de Tawny Colheita (vinho de uma vindima só envelhecido em madeira). A Fladgate já era líder nos Tawny com indicação de idade. Com a Wiese & Krohn, firma que ainda conserva colheitas do século XIX, o grupo inglês amplia ainda mais a sua liderança num dos segmentos de vinho do Porto que mais tem crescido.
Este negócio mostra que, apesar de estar a sofrer um importante ajustamento, o sector do vinho do Porto continua a ser apetecível. A última declaração de vintage, da colheita de 2011, voltou a atrair a atenção da crítica mundial e permitiu um importante encaixe financeiro às maiores empresas (o Porto Vintage é o vinho que mais lucro dá). O sector está a fervilhar e nos próximos tempos são esperadas mais novidades, envolvendo provavelmente a Sogevinus, o quinto maior grupo, que está em posição de venda. A grande dimensão da empresa, detentora de marcas como a Cálem, Kopke, Barros e Burmester, e a vontade do seu principal accionista - o banco Novagalicia - de vender toda a operação e não marca a marca tem motivado o desinteresse por parte de outros grupos já instalados. Mas há indicações de que um grupo russo pode estar interessado no negócio.
Os movimentos recentes no Douro mostram um posicionamento diferente dos principais players: enquanto a Symington e a Fladgate têm orientado os investimentos no reforço do negócio do vinho do Porto, a Sogrape aposta cada vez mais na produção de vinhos tranquilos e na globalização da empresa (possui 1500 hectares de vinhas em vários países). Além de Portugal, onde está presente nas principais regiões do país, a Sogrape tem vinhas e adegas na Argentina, Chile, Nova Zelândia e Espanha. A aquisição, no ano passado, das Bodegas Lan, na Rioja, a par da recompra (por cerca de 70 milhões de euros, diz-se) da participação que Joe Berardo tinha na Sogrape, foram os dois investimentos que obrigaram a empresa a racionalizar activos e a vender a Quinta da Boavista e também a adega de Perdiel, em Mendoza, na Argentina. Este centro de vinificação tinha capacidade para produzir alguns milhões de litros de vinho, mas era pouco relevante no conjunto da operação argentina, que passou a estar concentrada nas Finca Flichman, em Barrancas, e Don Fernando, em Tupungato. Do mesmo modo, a Quinta da Boavista também já não tinha no seio da empresa a importância da vizinha Quinta do Porto ou da Quinta do Seixo, as duas principais propriedades da Sogrape no troço mais turístico da região. Apesar da sua localização privilegiada, dos seus monumentais socalcos e mortórios e da ligação da propriedade ao barão de Forrester (era na Boavista que o grande cartógrafo do Douro ficava), esta quinta foi-se tornando numa espécie de mal-amada no universo da A. A.Ferreira (a empresa de vinho do Porto fundada por Antónia Adelaide Ferreira, a famosa "Ferreirinha", e adquirida em 1987 pela Sogrape). Mas, como propriedade vitícola, era uma das mais extraordinárias.