→ Siga a viagem de Hugo Branco no blogue de viajantes convidados da Fugas, Correr Mundo
“Abri a porta de casa, ouvi em volta e respirei fundo. — Estás no México! — gritaram-me os pássaros, as palmeiras, a estrada de terra batida e as cores berrantes das casas.”
A frase é da primeira verdadeira crónica em viagem do projecto Sound Escapes, que Hugo Branco acaba de lançar oficialmente, sete meses depois de ter chegado a Tulum, no mar das Caraíbas, onde começou (e se perdeu) num périplo pelo México.
“Tinha aquele plano de percorrer a América Latina e depois durante o período que lá estive não consegui sair do México”, ri-se. “Aquilo é tão grande e tão bonito, com tanta coisa para ver”, conta-nos já numa segunda entrevista e de regresso ao Porto, num intervalo da viagem para se dedicar ao projecto anterior, a Viral Agenda. “Recebemos um grande apoio da União Europeia num programa de aceleração tecnológica e temos seis meses para pôr isto super a 'bombar'.”
Este intervalo, maior do que o que tinha inicialmente previsto, “cortou a viagem a meio” mas trouxe-lhe uma certeza: “Os planos mudam, sobretudo em viagem” e isso, defende, “é a própria essência da viagem”.
Uma paisagem sonora de cada paragem
O texto inicial do projecto, qual preâmbulo ensaístico, fala do Porto, cidade onde nasceu, em 1977. No segundo, é Tulum que toca pela linhas do post, publicado em português no blogue de viajantes convidados da Fugas, Correr Mundo, e em inglês no site do projecto. Os próximos relatos sonoros virão de Bacalar e San Cristobal de Las Casas, também no México. De texto em texto, há uma pintura sonora que se vai compondo.
Na Invicta de Hugo, contava-nos na primeira entrevista, a Baixa soa “a imensas línguas diferentes, aos bares, ao trânsito, sempre, ao sino da Torre dos Clérigos, àquele bulício de um centro histórico que se recuperou”; enquanto na Foz “o som do mar está sempre por detrás, às vezes confundindo-se com o dos carros a passar no paralelo”; eterno e sempre presente, o “sotaque do Norte”.
No outro lado do Atlântico, a quase 8000km de distância, Tulum é “vento a correr entre as folhas das palmeiras”, é “ondas do Caribe” e o “silêncio da lagoa em Bacalar”, mas também o “som dos geradores de energia que alimentam todos estes eco-resorts”, as diferentes buzinas-código dos vendedores ambulantes na vila, as bicicletas e os turistas nas ruínas maias.
“Vivemos num mundo progressivamente mais visual e penso que a escrita e a cultura das viagens também estão bastante ligadas ao lado visual. O que eu pretendo fazer é escrever sobre os sítios, mas de um ponto de vista mais sonoro”, explicava-nos Hugo na primeira entrevista por Skype, um mês depois de iniciar o périplo. O objectivo, descrevia então, passa por mostrar “os sons característicos de cada cidade, aqueles que nos surpreendem, os que nos deixam saudades”.
O resultado é um relato escrito sobre a alma sinfónica de cada destino, acompanhado por fotografias (algumas feitas por artistas com quem vai colaborando por onde passa) e respectivo arquivo sonoro. “Vou caçando sons em cada sítio, por assim dizer, e além de fazer esta espécie de arquivo estou a criar uma performance sonora”, contava.
A esta componente mais artística chama-lhe Sound Escapism, “uma continuidade em acção deste projecto”, numa actuação que mistura os registos sonoros que vai captando com vídeos e imagens gravados por artistas locais e outros viajantes com quem colabora. A ideia é fazer uma apresentação ao vivo desta peça sonora em cada destino (a primeira decorreu em Tulum, no início de Junho), criando uma composição artística da viagem e, por isso, em constante mutação. “Parte de um registo minimal e vazio, porque agora tenho poucos sons, mas à medida que vou andando e juntando mais registos vai-se transformando em algo progressivamente mais complexo e denso”, descrevia.
Unir três paixões pelo mundo, sem itinerário fixo
Na cronologia da vida, vieram primeiro as viagens e a escrita, depois o som. Esta foi a forma que encontrou de juntar as três. “Nunca consegui pensar na minha vida sem ser a viajar e sempre tentei caminhar numa direcção a nível pessoal e profissional que me permitisse fazê-lo.” Nos últimos dez anos viveu em sete lugares diferentes da Península Ibérica, de Barcelona a Granada, de Lisboa a Usseira (no concelho de Óbidos). Foi no Sul de Espanha que começou a experimentar a vida de DJ - “uma das coisas que me atraiu em pôr música foi a possibilidade de viajar através disto” -; em 2013 lançou o primeiro EP a solo, “uma espécie de tributo a Jack Kerouac”, famoso escritor de viagens. “É o meu autor preferido e há muita coisa com a qual me identifico”, conta. Uma união simbólica de três paixões, que se materializa agora no terreno.
“Desde miúdo que sempre quis escrever sobre viagens e entretanto cheguei a um casamento perfeito: estar em viagem e falar sobre o som, que é efectivamente uma coisa que me fascina muito”, conta. “A forma como o ambiente sonoro muda de sítio para sítio, às vezes sem ser preciso andar muito, a maneira como cada silêncio é diferente: do deserto, de uma floresta, de uma grande cidade ou em alto mar, nunca é igual”, deambula.
Em cada partitura viajante haverá, por isso, silêncios, mas também sons urbanos, naturais, verbais e musicais. Quais é que está mais difícil de escolher, o itinerário perdido no som da viagem. Há “uma ruína maia que li que tinha uma reverberação brutal, depois a língua nativa interessa-me muito, as próprias canções e cerimónias, a música, que tem uma tradição fortíssima na maioria da América Latina”. Os países e cidades que gostava de conhecer são um rol infinito, tão grande que mal chegou a sair do ponto de partida. “Acabei por passar estes meses todos no México e ainda penso voltar a viajar uns tantos mais por lá antes de começar efectivamente a descer”, confessa.
“Aprendi a fazer menos planos e a confiar mais na vida, já que todos os dias surgem novas oportunidades interessantes”, conta. Durante a viagem fez trabalhos como DJ, voluntariado, intercâmbios e o planeamento de comunicação para uma agência de ecoturismo em Tulum, onde trabalhou durante dois meses. “Apercebi-me de que este projecto se irá estender mais do que imaginava e de que não irei seguir um percurso pré-concebido e linear, já que a vida na estrada não o é de modo algum.”
A esta viagem pela América Latina chama-lhe season one. No início de Julho regressou à Europa, passou por Barcelona, Madrid, Bruxelas e Grécia, voltou a Portugal. Em Icária – “muito interessante e pouco convencional” – fez “uma recolha exaustiva de sons para continuar o projecto” e um post sonoro sobre a ilha grega estará para breve.
Quanto ao regresso às Américas, “vai ter de esperar”, confessa, apontando para meados de 2016, embora a vontade de voltar rapidamente seja muita. “Estar lá abriu-me as portas para um continente novo e basicamente ainda fiquei com mais vontade de continuar do que antes de começar a viagem”, conta.
Depois, é partir novamente, partir sempre. “O objectivo desta viagem é um bocado dar início ao que eu quero de certa maneira que seja um projecto de vida”, antevia na primeira entrevista. Talvez “Austrália, Nova Zelândia, Indonésia e essa zona” primeiro, mais tarde a Europa, no fim a Ásia, quem sabe depois o resto do globo. É até onde o som o levar.
Sound Escapes
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