Fugas - notícias

  • Bruno Simões Castanheira
  • A Casa do Pedro foi a primeira a obter a certificação Ceres
    A Casa do Pedro foi a primeira a obter a certificação Ceres DR

A Casa do Pedro é a primeira em Portugal com o selo Ceres Ecotur

Por Andreia Marques Pereira

Certificação para operadores turísticos em meio rural e natural que promovem actividades que respeitam o meio onde se inserem chega a Portugal promovido pela Quercus.

“Ai meu Deus, hoje não faço mais nada que falar com jornalistas.” O desabafo foi ouvido involuntariamente (e, na verdade, ele já tinha andado a servir às mesas), mas demonstra bem o rodopio de Pedro Medeiros, da Casa do Pedro, no dia em que serviu um almoço especial para celebrar a assinatura do protocolo que torna o restaurante o primeiro operador turístico em Portugal com o selo de qualidade Ceres Ecotur/Eceat.

Foi servido cozido à portuguesa, o ex-líbris da casa – “pelo menos entre Novembro e Março, altura em que matamos os porcos". "Sem matarmos os porcos não sabemos fazer cozido." Por aqui, já não se faz “a” matança como há alguns anos, agora as matanças são regulares, “dois, três, quatro” animais, à medida das necessidades, para ter a carne fresca sempre que um grupo liga a marcar uma refeição. E aqui só se cozinha por marcação com a devida antecedência: há que assegurar que há todos os ingredientes e todos os ingredientes vêm do “quintal”, só se compra arroz. “Diga-me todas as coisas que conhece da lavoura, nós temos tudo. Animais? Olhe, temos 17 cabeças de gado, cinco cavalos, algumas dezenas de porcos e galinhas nem lhe digo porque não sei.”

Foi por este negócio auto-sustentável que “toda a gente”, ou seja, “amigos, entidades”, em conversas informais, diziam que a Casa do Pedro se devia candidatar à certificação que prova que operadores turísticos em meio rural e natural promovem actividades respeitando o meio onde se inserem.

A apresentação do programa foi hoje, dia 30, em Boticas – apropriadamente, já que a Casa do Pedro é em Vilarinho Velho. Esta certificação é da rede espanhola Ceres Ecotur (iniciativa da Fundación Ecoagroturismo, entidade que representa Espanha no European Center for Ecologicaland Agricultural Tourism, ECEAT) que tem na associação ambientalista Quercus o parceiro português. “Mais tarde haverá corte de cordão umbilical e ganharemos independência”, explica o presidente da Quercus, João Branco.

Por enquanto, porém, “é tempo de ganhar know-how e experiência”. E depois de um ano e meio a trabalhar neste processo, com várias visitas a Espanha para conhecer as pessoas envolvidas, ver as explorações já certificadas (cerca de 100) e verificação de que o sistema estava de acordo com os valores e princípios da Quercus, é com muito orgulho que João Branco chega a este dia: “Foi um longo caminho, mas o primeiro selo está atribuído, está aqui à minha frente”, diz-nos ao telefone da Casa do Pedro. Será o primeiro de muitos, espera – pelo menos já há 20 outras empresas interessadas em certificar as suas empresas, principalmente nos concelhos-piloto onde esta ecolabel ensaia os primeiros passos em Portugal, Boticas, Arcos de Valdevez e Idanha-a-Nova. “Estas foram as autarquias que acolheram a nossa proposta e ficámos contentes. Representam três territórios distintos, o Alto Minho, Trás-os-Montes e Beira Interior.”

Como todo o processo de certificação, o Ceres Ecotur tem uma série de requisitos a cumprir. Logo à cabeça, “a ligação a um tipo de agricultura sustentável”, o que se traduz pela preferência por produtos de agricultura biológica (e um dos parceiros da iniciativa é a Associação Portuguesa de Agricultura Biológica, a Agrobio), garantindo a ausência de pesticidas e adubos químicos de síntese, e tradicional. Este é “um pilar fundamental”. “Por exemplo, eu estou a ver vacas barrosãs a pastar nos lameiros, sei que é genuíno e que come aqui”, diz João Branco. Ambas as práticas, explicam, asseguram a manutenção dos ecossistemas e a conservação da biodiversidade. “O ecossistema rural tradicional está a perder-se na Europa para a agricultura intensiva com consequências nas paisagens e na extinção de variedades regionais, seja de maçãs, de alfaces, de couves”, sublinha.

Como a cultura agrícola não é indissociável da cultura humana, outro dos requisitos é “o respeito pelas pessoas que vivem nos territórios e os seus modos de vida”. Não podem haver práticas intrusivas, antes uma integração nas comunidades e nas tradições, desde a matança do porco às práticas agrícolas.

O respeito pelos recursos naturais é mais um dos vectores que esta espécie de “manual de boas práticas” determina. “Tem a ver com a eficiência energética dos edifícios, a gestão e a redução ao máximo da produção de resíduos, com práticas sustentáveis, como não comprar sacos plásticos, por exemplo.” Para terminar, os produtos devem ser de proximidade. “Neste caso [Casa do Pedro] são eles que produzem os próprios alimentos, da carne aos vegetais; no caso em que tal não suceda, os produtos devem ter proveniência próxima, da mesma aldeia ou município”, diz João Branco. Isto porque “diminui a pegada ecológica e traz logo valor acrescentado na origem”. Se num supermercado encontramos maçãs da África do Sul ou laranjas dos EUA, podemos imaginar a pegada ecológica que os milhares de quilómetros feitos para chegarem cá deixam, e, simultaneamente, sabemos que não é uma mais-valia para a economia local. E, “se não há rendimento, as pessoas terão de abandonar as zonas rurais, não só se perdendo biodiversidade mas despovoando o território que assim se torna mais vulnerável a incêndios, por exemplo”.

O que a Quercus quer, defende João Branco, “é que o turismo não seja feito à custa do território e dos recursos naturais de forma predadora”. “As próprias Nações Unidas declararam 2017 como o Ano Internacional do Turismo Sustentável, o que demonstra que há problema de sustentabilidade no turismo”, nota. Uma das grandes vantagens em Portugal, considera, é que há uma série de operadores turísticos que partilham e praticam uma forma de turismo amigo da natureza – grande número de empresas que na prática só precisa da certificação, portanto, para poder entrar numa rede que é europeia, com todas as vantagens que isso traz na atracção de visitantes estrangeiros.

Neste momento, o selo de qualidade Ceres Ecotur é dado a quatro tipo de operadores, que no fundo são três se considerarmos uma possível subdivisão, explica João Branco: da restauração, do alojamento, de actividades turísticas – e aqui temos os “dois segmentos, as que oferecem passeios a pé ou de bicicleta, birdwatching, caiaque... e as explorações agrícolas que, mesmo sem alojamento, recebem visitantes que vão vivenciar a agricultura”. Explorações agrícolas é a única categoria (ou subcategoria) de operadores que ainda não surgiram entre os candidatos a certificação.

Pela parte da lavoura, se calhar a Casa do Pedro também conseguia certificação na categoria de explorações agrícolas. Mas Pedro Medeiros, que nunca havia pensado em deixar a lavoura para se mudar para o ramo da restauração até o realizador José Fonseca e Costa lhe ter pedido para cozinhar para a equipa que filmava na terra Cinco Dias, Cinco Noites – “não me lembro qual foi a primeira refeição que lhes servi, sei que foi na serra ao pé da Senhora do Monte como cá lhe chamamos. Estavam a chegar de Guimarães –, já tem muito trabalho (entre lavoura e restaurante) e já está feliz com esta certificação. “Quem não estaria? E fomos os primeiros.”

Hoje é o primeiro dia do resto da vida da Casa do Pedro e ele não sabe o que o futuro lhe trará, “talvez mais gente”, diz – mas, acrescenta, “já tinha gente suficiente, boa clientela” – e benefícios para os colegas e vizinhos. Quanto ao serviço, se não piorar continua igualmente contente.

No almoço desta quarta-feira nem queria que os convivas tirassem fotografias das travessas para colocar no Facebook, conta: não quer correr o risco de ter muito mais gente (o máximo agora é cem pessoas – e para abrir as portas os grupos não podem ter menos de 15; se for um grupo mais pequeno, mas o restaurante estiver aberto para outro maior, talvez possa conseguir refeição) e perder a qualidade. “Isso ia estragar tudo.”

Tudo que se foi construindo pelo boca-a-boca desde que a Casa do Pedro abriu, então, na ressaca das filmagens de Fonseca e Costa. Pedro Medeiros já não sabe há quantos anos, 25?, interroga-se. Serão antes cerca de 20: que começaram pouco a pouco até que um dia o dono do lisboeta Tavares Rico ali foi tendo sido reconhecido por uma equipa de jornalistas da RTP. Perante a perplexidade por o encontrarem ali, receberam a resposta que Pedro Medeiros nunca mais esqueceu: “Na minha casa, a diária custa 100 euros, na do Pedro o melhor cozido de Portugal custa 20 euros.” E esse tal cozido, feito pela mulher, Ana – “é ela que faz tudo, desde o fumeiro” -, leva diferentes carnes do porco, salpicão, chouriço de carne, chouriço de sangue, salpicão de cabaça, frango (ou vitela), couve troncha e cenoura por cima...

--%>