Vindimar as uvas na maturação certa é o grande desafio que se coloca todos os anos aos enólogos.
Colher as uvas uns dias antes ou uns dias depois pode fazer toda a diferença. O que se pretende para um bom vinho é obter uvas com uma boa relação entre os açúcares, os compostos fenólicos (cor e taninos), os sais minerais e a acidez. O problema é que a partir de determinada altura do ciclo da vinha estes componentes essenciais seguem caminhos divergentes. Por exemplo, à medida que os açúcares vão aumentando, os ácidos vão diminuindo, e, em muitos casos, maturação certa significa uma graduação provável de 15 ou 16 graus e uma acidez natural baixa.
O que fazer então perante este dilema? Se a resposta fosse fácil e óbvia, havia todos os anos grandes vinhos. A questão é complexa e é nessa complexidade que reside uma boa parte do fascínio do vinho, embora predomine hoje uma certa ditadura da maturação ideal. A solução passa, na maioria dos casos, por decisões prévias, nomeadamente sobre o perfil do vinho que se pretende fazer, pela escolha do terreno e das castas certas e pelo modo de granjeio.
Mas o clima do lugar continua a ser determinante. Uvas com o mesmo ponto de maturação no Douro, nos Vinhos Verdes, no Dão ou na Bairrada vão certamente originar vinhos com diferentes graduações e acidezes.
Esta certeza pode ajudar a explicar por que razão um vinho como este Falcoaria Tinto Reserva 2007, proveniente de vinhas velhas do Ribatejo, consegue ter uma graduação de 14% e conservar uma enorme acidez. Claro que a acidez pode ser induzida, através da adição de ácido tartárico. Mas as condições atmosféricas assumem um papel crucial. Para os vinhos, o ano de 2007 foi dos mais frescos da década e o clima ribatejano, embora seja considerado mediterrânico moderado, sofre alguma influência atlântica.
Seja pelo que for, o que se destaca neste vinho é a sua imensa frescura. Na prova olfactiva, essa fresquidão advém, sobretudo, das notas vegetais que associamos ao Cabernet Sauvignon. Mas também sobressai algum balsâmico, que, em conjunto com os frutos vermelhos e silvestres, especiarias, chocolate e alguma tosta da madeira, forma um bouquet intenso, complexo e muito agradável. Na boca, a frescura é ainda mais evidente, embora o ataque inicial seja dominado pela madeira. Depois deste confronto tânico inicial, um frémito de acidez alivia-nos do choque e, com a ajuda da fruta, reconcilianos com o vinho, que termina de forma fresca e exaltante.
Nas suas diatribes, este é o tipo de vinho impositivo e nervoso que dá muito gosto a beber e se mostra mais à mesa do que em prova.
Um belo exemplo das virtudes do lote (na sua composição, entram seis castas). Bebê-lo deixa-nos uma lembrança feliz e ajuda-nos a ter consciência que o mapa do bom vinho em Portugal é muito mais vasto do que pensamos. E que o Ribatejo não é só melões e touradas.