Mário Sérgio Nuno, 45 anos, é o rosto e a alma da Quinta das Bágeiras, mas há outras pessoas por trás dos grandes vinhos que esta casa familiar da Bairrada produz desde 1989: o pai, que trata das vinhas, a mãe, que equilibra a família e ajuda na adega e na loja de vendas, e o enólogo, Rui Moura Alves, que comunga com Mário Sérgio uma concepção quase artesanal de fazer vinho.
Depois de se conhecer este ambiente de família e as vinhas percebem-se melhor os vinhos das Bágeiras, a sua distinção e originalidade, e também a razão de suscitarem tanta admiração dentro e fora de portas. É tudo muito simples: nas Bágeiras, não há uma quinta formal, nem nenhum palácio. A adega é despojada, com tecnologia mínima, lagares tradicionais, cascaria usada; as vinhas (cerca de 28 hectares no total) estão dispersas por várias parcelas, algumas com menos de um hectare. Uma boa parte é quase centenária.
Nas Bágeiras segue-se a velha máxima de que o vinho se faz na vinha e o que prevalece é a cultura do terroir. Cada parcela vale por si. Vinhas separadas apenas por uma estrada podem dar origem a vinhos totalmente diferentes.
Uma parcela de apenas cinco mil metros, povoada de videiras retorcidas e fendilhadas, pode equivaler ao paraíso. Nas Bágeiras existem algumas assim. É de lá que vêm as uvas para os Garrafeira, o crème de la crème da quinta. Às videiras muito velhas, Mário Sérgio junta ainda solos argilo-calcários, os melhores para castas como a Baga, por exemplo, e boas exposições. A localização das vinhas, em Ancas (Anadia), mais a norte da Bairrada, também é favorável, possibilitando a obtenção de vinhos mais frescos.
Mas o segredo das Bágeiras não está só nas vinhas. Há muitos outros produtores com condições vitícolas idênticas ou até melhores. O que faz a diferença é a ideia de vinho de Mário Sérgio, muito ligada ao lugar e à tradição e pouco preocupada com a moda. Os seus vinhos estarão até fora de moda, mas é também por isso que são tão apreciados. Quem procura a diferença, encontra um bom porto de abrigo nos vinhos das Bágeiras, tanto nos espumantes como nos brancos e nos tintos, sobretudo em colheitas mais antigas, que revelam com um tempo uma singularidade e uma qualidade admiráveis.
Alguns dos melhores vinhos de Mário Sérgio precisam do cinzel do tempo para mostrarem todo o seu potencial. O Garrafeira Tinto 2004 (Baga), por exemplo, está hoje na sua plenitude, com taninos poderosos mas já mais macios, aromas bastante químicos e frescos e uma densidade e sapidez notáveis.
Nos brancos, há vinhos com vários anos que parecem caminhar ainda para a glória. Outros, mais novos, são já estupendos. É o caso do Garrafeira Branco 2009, uma produção quase de garagem. Foram cheias apenas 3276 garrafas e não chegam para as encomendas que vão surgindo de cada vez mais mercados.
Lote de Maria Gomes e Bical, proveniente de vinhas velhas, é um vinho na linha dos anteriores: fermentou em tonel de madeira avinhada e não foi colado nem filtrado. Quem olhar primeiro o rótulo, pode ficar um pouco assustado com a graduação: 14,5%. Para um vinho branco, é um volume alcoólico exagerado e um pouco fora de moda. Mas prova-se e constata-se que os receios não fazem sentido.
O vinho é bastante maduro, só que possui uma acidez fantástica que lhe dá nervo, intensidade e comprimento. A madeira acrescentou-lhe complexidade e estrutura, mas revela-se de forma discreta, deixando sobressair a faceta mineral e química do vinho. No seu peculiar jogo de contra-pesos, este Garrafeira 2009 é o exemplo perfeito do equilíbrio num vinho. Equilíbrio, não perfeição. Haverá, por exemplo, quem não aprecie os aromas ligeiramente evoluídos que caracterizam este vinho. Mas aí já estamos a entrar no campo da subjectividade. Esse é o estilo Bágeiras e, embora não seja consensual, tem cada vez mais apreciadores. Com este branco, Mário Sérgio volta a fazer a diferença e a um preço imbatível.
Pedro Garcias