Um vinho pouco alcoólico e, ao mesmo tempo, envolvente, delicado, complexo e longo é o sonho de qualquer enófilo, sobretudo quando esse vinho tem já uns anos de vida. O problema é que começa a ser cada vez mais difícil encontrar vinhos com esse perfil.
As alterações climáticas e a "ditadura" da maturação perfeita tem feito subir o teor alcoólico dos vinhos e a necessidade de fazer dinheiro obriga os produtores a lançá-los cedo de mais. Quando chega ao mercado um vinho tinto da colheita de 2005, por exemplo, já soa a raridade. Nos dias de hoje, só produtores grandes ou produtores filósofo-românticos se podem dar ao luxo de guardar os vinhos em cave durante alguns anos.
O projecto alentejano Altas Quintas não é bem uma coisa nem outra. Mas, nos seus tintos de referência, tem feito um esforço para os lançar já com alguns anos de cave. O seu extraordinário Obsessão 2004, um dos melhores vinhos do Alentejo e do país, apenas saiu para o mercado em 2009; e o Reserva-do 2005 apenas foi lançado este ano.
É este novo vinho que colocámos em destaque esta semana. Não é pouco alcoólico, no entanto, bebendo-se, ninguém diria que tem 14,5%. É um daqueles tintos que nos obrigam a relativizar a questão do excesso de álcool. Há vinhos com 12% de álcool que são mais pesados do que outros com 14 ou 15%. O essencial é haver um equilíbrio entre os diversos componentes. Podendo haver esse equilíbrio com graduações baixas, tanto melhor.
Ora, este Reservado-do 2005 é um tinto que não cansa porque possui uma acidez belíssima, que atenua o álcool, a fruta madura e o estágio de 24 meses em barricas novas de carvalho francês. Foi feito para ser o Obsessão de 2005, mas as exigências colocadas sobre este vinho levaram o produtor a engarrafá-lo com outra marca. Salvaguardando as diferenças, foi como se estivesse para ser Barca Velha e acabasse por sair como Ferreirinha Reserva Especial.
Na Sogrape enganaram-se algumas vezes. Resta saber se os produtores do Reserva-do e o seu enólogo, Paulo Laureano, não se arrependerão também no futuro da decisão tomada. Já com seis anos, é um tinto magnífico, muito fresco e delicado, apesar das notas quentes de chocolate preto e tabaco, das especiarias e da fruta preta que se desprendem do aroma.
O efeito do longo estágio em madeira foi atenuado pelos quase três anos que o vinho leva de garrafa. Os aromas e sabores impetuosos da juventude foram-se refinando e ganhando novos matizes que a acidez do vinho ajuda a acentuar e a equilibrar. Ainda tem vários anos pela frente, porque, sendo elegante e delicado, possui excelentes taninos e acidez. Mas o nível de complexidade que já atingiu, aliado à sua enorme frescura de boca, faz deste tinto das alturas da serra de São Mamede uma proposta irresistível desde já.
Pedro Garcias