Pode ter sido do momento, da companhia ou da comida, mas aconteceu, e isso é o melhor que se pode dizer de um vinho.
Pode ter sido do momento, da companhia ou da comida, mas aconteceu, e isso é o melhor que se pode dizer de um vinho. Tínhamos bebido o Vale da Mata colheita do mesmo ano (8,5€) e a impressão havia sido diferente. Não é um vinho desagradável, longe disso, mas, sendo bastante fresco, mostrou-se vegetal e ríspido de mais para deixar boa memória.
O reserva é outra coisa, há ali um cuidado com a escolha das uvas e o uso das barricas que só se tem com os vinhos especiais ou, pelo menos, com aqueles a que estamos ligados emocionalmente. E isso fica claro quando se vai ler o contra-rótulo: há uma história de amor, de evocação telúrica, por trás. "Vale da Mata", lê-se, "era o nome de uma pequena vinha do avô paterno de Catarina Vieira, situada na encosta da serra de Aire, nas Cortes. Foi ele que escolheu o nome para designar este vinho, que assinala o regresso dos premiados vinhos desta terra peculiar, agora concebidos pela mão dedicada, generosa e já sabedora da neta, sob o olhar afectuoso, ainda que mais distante e vago, do avô Manuel. Este projecto é uma bênção. Quase um sonho." Catarina Vieira é o rosto e a responsável máxima pelos vinhos da alentejana Herdade do Rocim. Nesta incursão à região de Leiria, às antigas vinhas do avô, Catarina Vieira vai em busca de memórias e da frescura que lhe falta no Alentejo. As vinhas, cinco hectares, já foram reestruturadas e o lote é composto de Syrah, Touriga Nacional e Aragonês.
O vinho estagiou um ano em barricas novas de carvalho americano, o que não deixa de ser uma surpresa. Há um estigma em relação às barricas de carvalho americano, porque marcam demasiado os vinhos, acrescentando-lhes muitas notas de baunilha e coco. Durante muito tempo, estiveram na moda. Foi, em parte, graças ao carvalho americano que os vinhos de Ribera del Duero, por exemplo, começaram por ter grande aceitação internacional.
Eram vinhos volumosos, aromáticos e gulosos.
Mas o mercado (ou os críticos) foi-se cansando destes vinhos mais fáceis e imediatos e o carvalho francês voltou a estar na moda (na verdade, nunca deixou de estar). O carvalho americano foi perdendo terreno. Porém, nos últimos anos, a situação tem vindo a inverter-se.
A madeira americana tem vindo a ser mais bem trabalhada e, mais importante do que tudo, continua a ser mais barata do que a francesa.
Por outro lado, os vinhos saem cada vez mais cedo da adega e, para vinhos novos, o carvalho americano pode fazer milagres.
Não é bem o caso deste Vale da Mata. A madeira está bem presente, mas não mascara o vinho, nem há notas de baunilha e de coco a "chatear". O que impressiona é a delicadeza da fruta, as sugestões apimentadas, a frescura, o equilíbrio. Não tem hiatos, nem surpresas, encanta do início ao fim.
Um belo vinho. O avô de Catarina pode estar orgulhoso.
(Pedro Garcias)