Desde que, em 2004, um grupo de investidores francês comprou e renovou a belíssima Quinta da Romaneira, as atenções sobre a sua evolução centraram-se mais na originalidade, extravagância e preço da sua parte hoteleira do que nos seus vinhos.
Foi um erro, embora compreensível — um quarto a mil euros por dia pode ser mais notícia do que um vintage de classe ou um tinto de eleição.
E foi um erro porque era fácil antecipar que aqueles magníficos 85 hectares de vinhedos na margem direita do Douro só poderiam ser considerados como um património excepcional, até para os padrões da região; e foi um erro também porque à frente do projecto estão dois homens que sabem o que fazem: o britânico Christian Seely, administrador da Axa Millésimes, com interesses em Bordéus, no Douro e em Tokay, e o enólogo António Agrellos, com créditos firmados nos tintos e nos vintage da Quinta do Noval.
Nos dois ou três últimos anos, os vinhos da Romaneira começaram a ser falados, é certo, mas quase sempre como um complemento dos Noval. Com a edição dos tintos de 2008, principalmente com o tinto reserva, chegou a hora de colocar os Romaneira no lugar que merecem.
Porque em causa está um tinto de classe, um daqueles vinhos onde as condições naturais dos vinhedos se conjugam com a arte da viticultura e da enologia, onde a procura de um certo sentido de modernidade se radica na preservação da identidade mais funda dos grandes vinhos do vale.
Produzido a partir de um lote de 50% de Touriga Nacional, 40% de Touriga Franca e 10% de Tinto Cão colhido em vinhas com uma idade média de 25 anos, o Romaneira Reserva de 2008 impressiona pela sua profundidade e abrangência aromática. Sob o pano de fundo da madeira pressentem-se notas da touriga (esteva, violeta...) combinadas com sugestões de cedro e de fruta vermelha madura.
Na boca, é um daqueles vinhos que se desdobra em vagas de sabor. Sedoso e longo, enche a boca com a sua estrutura de taninos densos mas polidos e acaba com a marca de fruta doce e deliciosa.
Produto de um bom ano no Douro, este Romaneira acaba por satisfazer os que gostam de vinhos exuberantes e frutados sem desiludir, pelo contrário, os que apreciam tintos com a marca da harmonia, da complexidade e da elegância. Um grande vinho (94 pontos na Wine Spectator), cujo senão é o seu preço, inalcançável para grande parte dos consumidores. Ganhará com dois ou três anos de garrafa.(Manuel Carvalho)