Terá sido esse, na nossa opinião, o erro de Mark Squires, o provador de Robert Parker para a Portugal e que, no seu último relatório sobre vinhos portugueses, atribuiu apenas 87 pontos ao Charme 2009, preterindo-o em favor de cerca de duas centenas de vinhos, muitos dos quais segundas e terceiras marcas dos respectivos produtores. Os gostos não se discutem, obviamente, mas, em relação ao Charme, há um estigma que acompanha o vinho, relacionado com a sua cor aberta e aparente delgadeza.
Vale a pena recordar o que já se escreveu aqui sobre o Charme, a propósito da colheita de 2008: “As uvas são provenientes de vinhas velhas situadas na zona de Vale Mendiz, no vale do rio Pinhão, e são pisadas por desengaçar em lagar tradicional. A pisa, a pé, dura mais ou menos dois dias. Antes de a fermentação começar, o vinho é transferido para barricas (na sua maioria usadas).
É este o segredo da sua cor desmaiada. A extracção de cor nos vinhos dá-se sobretudo durante a fermentação, com o rebaixar sucessivo da manta (massa de películas e engaço em suspensão) e a remontagem (rega da manta com o vinho que está por baixo). No caso do Charme, o vinho é apenas trabalhado em frio, fazendo depois a fermentação em barrica. Com este processo de vinificação, Dirk Niepoort procura associar elegância à complexidade e riqueza próprias das vinhas velhas. Troca as vantagens das macerações prolongadas pelas virtudes naturais da vinha e da enologia minimal. O resultado é um vinho diferente, provocador, que desafia as ideias feitas sobre os vinhos actuais do Douro.”
Ou seja, quem aborda o Charme com a expectativa de encontrar um vinho retinto, concentrado, denso e carnudo fica desiludido. Da mesma maneira que quem está habituado a beber, e aprecia, vinhos alcoólicos, super-extraídos e com muita presença da madeira é capaz de reagir mal a um grande vinho de Pinot Noir da Borgonha ou de Syrah de Côtes du Rhône.
O Charme pode não possuir o tal factor “wow”, aquilo a que Mark Squires chama um primeiro grande impacto. Mas é um vinho do Douro até ao osso, do Douro de antigamente, o que, de certa forma, o torna moderno. Isso não chega para o recomendar, como é óbvio.
O que na verdade o recomenda é a sua matriz telúrica, a sua elegância e equilíbrio, a delicadeza de aromas e sabores, a proporção certa da madeira, a complexidade e depuração. Porém, quem pôde desfrutar do magnífico Charme 2008 é provável que sinta algum desconforto com a colheita de 2009 ou até mesmo algum desapontamento. Claro que, se não existisse o 2008, estaríamos certamente a falar de forma diferente. Ou seja, não é o 2009 que é mau, o 2008 é que é muito bom.
O Charme 2009 mantém o lado terroso que o caracteriza (trufas, cogumelos, vegetal seco), a fruta viva e atempada (vermelha e preta), o frescor balsâmico e mineral, a elegância e complexidade. Está, em contrapartida, um pouco mais alcoólico do que o anterior e o ataque de boca também é mais doce. Um pequeno desvio ditado pelo facto de o ano de 2009 ter sido mais quente do que 2008, sobretudo no final do ciclo da vinha. Sendo mais maduro, ficou mais próximo da matriz típica dos vinhos do Douro e mais longe do estilo inicial do Charme. Mas, mesmo assim, continua a ser um belíssimo tinto.
(Pedro Garcias)