A entrada do Esporão no Douro, face ao colapso da maioria das cooperativas, foi uma das melhores notícias que aconteceram à região nos últimos anos. Porque, mesmo estando obrigado a praticar uma viticultura de montanha, com custos de produção muito elevados, o Douro não pode viver apenas de mercados de nicho.
A concorrência internacional é cada vez maior e, para agravar, a região continua a produzir muito acima da procura existente. A reconversão de vinhas velhas e a plantação de vinhas novas, associadas à diminuição das vendas de vinho do Porto, têm vindo a gerar enormes excedentes de vinho de mesa (mais de 70 mil pipas ao ano). E quando a procura é inferior à oferta já se sabe o que acontece: baixam os preços e, por arrasto, a qualidade- e acabam por perder todos. Face a este cenário, o que o Douro precisa é de mais investimentos como o do Esporão, uma empresa que vende grandes quantidades de vinho mas que se preocupa com a qualidade e pratica uma política justa de preços.
À semelhança do que a empresa-mãe faz no Alentejo, a Quinta dos Murças tem vindo a remunerar as uvas dos produtores a um preço muito superior ao que é praticado pela generalidade das firmas instaladas na região, exigindo em troca apenas qualidade. É um novo paradigma que, se for seguido por outras empresas e se for acompanhado de um ajuste conjuntural nos níveis de produção autorizados, reduzindo a oferta, poderá abrir novos horizontes aos depauperados viticultores durienses.
No Douro, o tinto Assobio é dirigido a um segmento um pouco acima do Esteva, da Sogrape, um caso sério de fiabilidade e com um volume de vendas da ordem do milhão e meio de garrafas. O Esteva custa 3,99 euros e o Assobio está no mercado ao dobro do preço.
Mas a ideia da empresa é ir aumentando a produção e reduzindo o preço, de modo a colocar o Assobio a competir directamente com o Esteva dentro de cinco anos. Nesta altura, o Assobio ainda não é bem um vinho de grande volume, pelo que não se justifica compará-lo com o vinho da Sogrape. O que esta primeira colheita denota, tratando-se de um ano que originou vinhos muito concentrados e até um pouco alcoólicos, é uma aposta na elegância, equilíbrio e frescura. Há também uma clara ligação do vinho ao seu “terroir”, a margem direita do Douro, mais fresca, embora este tinto deva ter uvas de outras propriedades.
É um estilo de vinho despojado, de pouca influência da madeira e muito ancorado na pureza e vivacidade da fruta (vermelha, sobretudo), em alguma especiaria e numa estrutura de taninos macia. Sem ser muito exuberante, possui jovialidade aromática e delicadeza gustativa, mostrando uma vocação gastronómica muito ampla. É vinho para se ir bebendo e bebericando, sem cansar. Uma boa estreia.
(Pedro Garcias)