Apesar de só nos tempos mais recentes as vidas de Jorge Tenreiro e Cláudia Cudell se terem cruzado com a produção de vinho, este é um universo que não lhes era alheio. A família de Jorge sempre esteve ligada ao Douro e à vinha, embora profissionalmente tenha seguido os passos do pai, dedicando-se à medicina e, em concreto, à cirurgia vascular.
As memórias de infância, o apelo da terra e as constantes viagens ao Douro só podiam acabar num projecto que nasceu já há mais de uma década e tem o cume como objectivo. Não será essa a origem do nome da quinta, mas antes o facto de se situar na parte mais alta da histórica aldeia de Provezende, na margem direita e no coração do Douro Vinhateiro.
Pelas características das vinhas, também a propriedade acaba por se revestir dessa vertente de união entre passado e presente, a tradição e a modernidade, que fazem parte do código genético dos grandes vinhos do Douro.
No cume está a adega, pequena bem apetrechada, a casa, de traça marcadamente contemporânea, e a vinha nova, plantada no início da década passada e que está na base do vinho branco, de estilo peculiar. Nas zonas mais baixas de Provezende, estão as vinhas velhas e o peso da tradição, que dão origem aos tintos de topo e igualmente com uma forte marca distintiva.
É, pois, com base nas características das suas vinhas, mas também na ciência de médico e no rigor e precisão de cirurgião, que Jorge Tenreiro concebeu o projecto e assume a sua faceta de viticultor, que complementa com o apoio de Jean-Huges Gros, enólogo francês formado na Borgonha e que também se apaixonou pelo Douro. "Eu sou o ideólogo, ele é o enólogo", sintetiza Jorge Tenreiro. Mas quem mais dá a cara pelos vinhos é Claúdia, que abraçou a tempo inteiro a vertente comercial e promocional, em detrimento da pintura. É, aliás, de um dos seus quadros que saíram os rótulos dos vinhos da quinta.
E se há casos em que os vinhos expressam de forma evidente o terrunho - ou terroir, como é de moda dizer-se - que lhes está na origem, isso é particularmente evidente na Quinta do Cume. Desde logo pelos aromas de vegetal seco que todos expressam, mas também por uma cativante frescura, a que não é alheia a altitude das vinhas.
Isso é notório no branco reserva, feito quase exclusivamente a partir da casta Malvasia Fina. Apenas uma pequena parte (de 20%) estagiou em madeira e o que impera são as notas de frutos brancos e a frescura de boca. Um branco com uma personalidade muito própria.
Também interessante é o tinto Quinta do Cume Selection 2010, que tem por base as variedades Tinta Barroca e Touriga Franca. Exala aromas de fruta madura, alguma especiaria e ligeira tosta de madeira. Na boca, mostra-se macio, fresco e suculento. Bom para a mesa e para beber socialmente.
Mas melhor ainda é o tinto Quinta do Cume Reserva 2009. Lote de vinhas de diferentes altitudes, alguma delas já velhas, onde predominam as castas Touriga Nacional e Touriga Franca, é o grande vinho de Jorge e Cláudia. De cor densa, revela aroma intenso de frutos pretos e de vegetal seco e notas de violetas. Na boca, é manifestamente guloso, com boa concentração, taninos maduros e redondos e excelente frescura, o que lhe confere uma grande vocação gastronómica. O final é longo e persistente, como é, afinal, típico das paixões consolidadas.
(José Augusto Moreira)