O último vinho de José Ribeiro Vieira
Nunca falei com José Ribeiro Vieira, nem com a filha, Catarina Vieira. Na verdade, não conheço ninguém da Herdade do Rocim.Mas há algo neste projecto, e nos seus vinhos, que causa empatia e até admiração. Não é tanto a amplitude do sonho e do investimento, nem sequer o arrojo arquitectónico da adega. É mais o lado emocional e romântico com que os proprietários encaram a terra e os vinhos.
A minha primeira boa impressão aconteceu com a prova do Vale da Mata Reserva Tinto 2008, um vinho com uma história de amor por trás, conforme desvendava o contra-rótulo. "Vale da Mata era o nome de uma pequena vinha do avô paterno de Catarina Vieira, situada na encosta da serra de Aire, nas Cortes [zona de Leiria].
Foi ele que escolheu o nome para designar este vinho, que assinala o regresso dos premiados vinhos desta terra peculiar, agora concebidos pela mão dedicada, generosa e já sabedora da neta, sob o olhar afectuoso, ainda que mais distante e vago, do avô Manuel. Este projecto é uma bênção. Quase um sonho".
O vinho era magnífico e a narrativa da sua criação reforçou ainda mais o encanto da descoberta.
Mais recentemente, chegou-me às mãos um dos belos "flyers" que a Herdade do Rocim produz para ajudar à promoção dos seus vinhos. Neste caso, acompanhava o novo Herdade do Rocim Tinto 2009 e incluía um texto de José Ribeiro Vieira. Vale a pena reproduzir a parte inicial.
"Quando em 2000 pisei pela primeira vez as terras da Herdade do Rocim, encontrei um grupo de trabalhadores rurais à porta da pequena e antiga adega que existia, e ainda existe, no ´monte` onde, nessa altura como hoje, se faz ´vinho da talha`. Um deles, talvez o mais desinibido, dirigiu-se a mim, perguntando-me se eu era o novo ´patrão` da herdade.
Depois de alguma hesitação, por nunca ter sido tratado assim até essa altura, e para simplificar o diálogo, acabei por dizer que sim, retorquindo de imediato o meu interlocutor que eu não sabia o que ´tinha ali`.
Aquela terra era ´uma herdade especial, não se comparando com nada do que havia na zona`, acrescentou o senhor Inocêncio, que ali trabalhava há muitos anos. Porque estava num vale (a herdade era, aliás, conhecida por Valle do Rocim) e tinha um clima e um solo que faziam do conjunto alguma coisa de muito especial. Nunca mais esqueci este encontro, de que tenho dado conta a amigos e a visitantes, quando me perguntam como fomos ali parar".
Alguns dias depois de ter lido isto, chegou a notícia da morte de José Ribeiro Vieira. O líder do grupo Movicortes (que integra, entre outras empresas, aquela herdade alentejana, situada entre a Vidigueira e Cuba) faleceu no passado dia 20 de Janeiro, vítima de doença prolongada. O seu sonho vitícola será agora continuado pela filha Catarina Vieira, engenheira agrónoma e que já era a cara do projecto alentejano.
José Ribeiro Vieira despediu-se com o novo tinto Herdade do Rocim 2009, um upgrade do vinho "Rocim". Mudou o nome, a garrafa e o rótulo e também a qualidade do vinho (para melhor, claro). "O nosso esforço e dedicação são também uma homenagem a todos os ´Inocêncios` que ao longo de anos ali têm trabalhado, envolvidos numa forte relação telúrica, a que não é alheia a Ulmária, rainha dos prados, que decora o próprio rótulo", escreveu José Ribeiro Vieira. Lote de Alicante Bouschet, Aragonês, Syrah, Touriga Nacional e Trincadeira, o vinho cruza "o saber e a paixão de gerações que tiveram pela terra o maior respeito e ternura" e é, na sua jovialidade e elegância, um hino à vida. (Pedro Garcias)