Tem, desde logo, um melhor comportamento agronómico. Dá menos trabalho na vinha, é mais resistente às doenças e produz muito mais. E possui também um grande valor enológico, sobretudo nas regiões de clima mais árido.
Uma parte das regiões vitícolas nacionais já tem características similares a um deserto, com chuvas escassas e temperaturas diurnas elevadas. E, com o aumento das temperaturas terrestres, a viticultura portuguesa tende a ser, toda a ela, de geografia árida. O recurso à rega deixará de ser uma excepção para se tornar numa necessidade. Mas a água não resolve problemas como a insolação excessiva, por exemplo, para além de que também será um bem escasso e caro.
Mais cedo do que se pensa, os viticultores nacionais terão que voltar a "ouvir" a natureza e a praticar uma viticultura sustentável e adaptada às condições climáticas, apostando nas castas mais resistentes e, de preferência, com ligação histórica ao lugar. Ora, se há casta com capacidade para responder às exigências dessa nova ordem climática, essa é a Touriga Franca. Porque responde bem a duas necessidades básicas: produção e qualidade.
Esta certeza ainda é do domínio teórico, porque a sua comprovação prática tem um âmbito geográfico muito reduzido. Circunscreve-se, grosso modo, ao Douro e, em particular, às sub-regiões do Cima Corgo e Douro Superior, por sinal das mais quentes do país.
Por agora, a Touriga Franca vai brilhando como actriz secundária, na qualidade de casta de lote ou parceira da Touriga Nacional, mais impressiva sensorialmente. Mas vão-se somando os casos de grandes vinhos que já dão a primazia no lote à Touriga Franca, ou a usam já em exclusivo, pela grande estrutura e equilíbrio que aporta. Em zonas mais quentes ganha asas, originando vinhos potentes, complexos, altivos e com grande capacidade de envelhecimento.
É precisamente o caso deste Scala Coelli 2009, da Adega da Cartuxa e feito de Touriga Franca, variedade "estranha" ao Alentejo. Apesar dos 15% de volume alcoólico, mostra um notável equilíbrio, com grande estrutura e concentração, taninos muito bem trabalhados e boa frescura. Tem fruta madura, vegetal seco e excelente tosta, num registo aromático não muito exuberante mas bastante sedutor.
Cresce na boca, revelando altivez e amplitude e enchendo o palato de sensações boas e gostosas. É um vinho poderoso, sem ser bruto, e muito gastronómico. Com mais um ou dois anos de cave, ganhará outro refinamento, mas já é um grande vinho. Depois de o bebermos, apetece perguntar por que razão no Alentejo se insiste em plantar Syrah, Cabernet Sauvignon e Petit Verdot quando existe em Portugal uma casta tão boa e que encaixa tão bem no clima daquela região como a Touriga Franca. Só pode ser por distracção.
(Pedro Garcias)