A Quinta do Vesúvio, uma das mais belas e históricas quintas do vinho do Porto, estreou-se nos tintos de mesa a partir da vindima de 2007. A terceira colheita, de 2009, foi apresentada recentemente e confirma as boas impressões iniciais: há mais um grande vinho no Douro. Pedro Garcias Foi um regresso aos antigos domínios de Dona Antónia Adelaide Ferreira, ao Vesúvio, ao lugar primordial do seu império agrário e da sua geografia sentimental, à quinta cuja história, nos seus elementos épicos e dramáticos, faz parte da identidade e dos mitos essenciais do Douro.
Por mais vezes que lá voltemos, é impossível fugir à admiração e ao assombro próprios das grandes revelações. Há algo de cinematográfico naquele cenário, dominado pela grande casa em “U” mesmo pousada sobre o rio, com a aristocrática palmeira do meio do pátio, e pela formidável capela que uma varanda recuada liga ao edifício principal.
Pode haver lugares mais panorâmicos e arrebatadores na região, quintas mais modernas e luxuosas, mas nada se assemelha ao Vesúvio. A riqueza e imponência das suas construções, a proximidade e a serenidade do rio, a beleza das vinhas que se erguem num lado e do outro do vale, o comboio que passa e pára na quinta e a sua espessura histórica e lendária dão ao Vesúvio uma aura especial.
Os seus vinhos generosos são também lendários. Em 1876, após ter visitado a quinta e contado entre os seus limites “sete montes e trinta vales”, o Visconde de Villa Maior, uma das mais extraordinárias personalidades da história do Douro, escreveu que todo o vinho do Vesúvio “é fabricado escrupulosamente e com perfeição”.
A propriedade manteve-se na posse da família Ferreira desde 1823 a 1989, ano em que foi comprada pela família Symington. Durante quase duas décadas, os novos proprietários respeitaram a tradição de produzir apenas vinho do Porto no Vesúvio, engarrafando os melhores vinhos com o nome da quinta ou, em anos de Porto Vintage clássico (vintages engarrafados com a marca principal da empresa), usando-os no enriquecimento do lote final da marca principal do grupo, a Graham’s.
Mas, em 2007, seguindo o mesmo percurso de outras casas históricas, os Symington lançaram os primeiros vinhos DOC Douro daquela propriedade: os tintos Quinta do Vesúvio, o topo de gama, e o Pombal do Vesúvio, a segunda marca. A quinta não perdeu a vocação de sempre, mas a plantação de novas vinhas, em lugares mais altos e mais frescos, permitiu diversificar o destino das uvas sem colocar em causa a qualidade do vinho do Porto.
Os primeiros vinhos de mesa, impressionantes na sua ligação telúrica e sensorial ao lugar, àquele lugar tão especial do Douro Superior, deixaram água na boca. A sua aceitação foi tão boa que esgotaram depressa.
E o mesmo aconteceu com a colheita de 2008. Recentemente, elementos da família Symington abriram as portas (e os aposentos) da quinta para, num ambiente intimista, dar a conhecer o novo Quinta do Vesúvio 2009 a um grupo de jornalistas. Provou-se o vinho em confronto com o 2007 e, nesta fase, o segundo não impressiona tanto, embora tenha um esqueleto tânico e uma frescura que, na nossa opinião, o tornarão mais longevo.
O 2009, do qual só foram cheias 23.664 garrafas, é um vinho de grande impacto sensorial, dominado pelo perfume e a fruta da Touriga Nacional e pela solidez e a contenção da Touriga Franca. O seu teor alcoólico, muito civilizado (13,5%), podia ter deixado os taninos vivos de mais. Mas não é o caso. A longa maceração pós-fermentativa a que foi sujeito — contacto do mosto com os sólidos — ajudou a polir os taninos e deixou o vinho muito elegante e delicado na boca, onde revela grande complexidade e frescura. É um vinho magnífico, que vai na linha dos Douro modernos, intensos e estruturados mas cheios de finesse, em contraponto com os Douro retintos, muito extraídos, potentes e um pouco agrestes em novos que eram a imagem de marca da região. Não é um Barca Velha, mas é um tinto que merece o nome que leva — e isso já não é pouco.