A realidade é iniludível: se olharmos para o que existe no mercado e para a história recente deste vinho fortificado, somos obrigados a concordar com a supremacia de Setúbal. Mas quem já provou Moscatel produzido nos vinhedos de Favaios e guardado durante décadas em velhos tonéis como um qualquer vinho do Porto tem dificuldade em entender o crescente “apagamento” qualitativo do Moscatel do Douro, convertido hoje numa espécie de avatar do Martini. Depois de se beber um Moscatel desses, que nos deixa literalmente nas nuvens com a sua riqueza e complexidade, fica-se com a certeza de que o Douro, em especial o concelho de Alijó, está a desperdiçar um tesouro.
Uma das explicações para o atavismo do Moscatel do Douro pode residir no facto de o negócio ter sido durante muito tempo quase um exclusivo das adegas cooperativas — e o cooperativismo duriense, salvo raras excepções, é uma triste história, como se sabe. Outra causa terá a ver com o “monopólio” do vinho do Porto, que, durante muito tempo, não deixou espaço ao aparecimento de outros vinhos.
Porém, o extraordinário boom dos vinhos tranquilos do Douro mostra-nos que a região está a mudar; e, mais cedo ou mais tarde, essa mudança também poderá chegar ao Moscatel, até porque há cada vez mais produtores a interessarem-se pela casta usada no seu fabrico, o Moscatel Galego (em Setúbal predomina o Moscatel Graúdo, ou Moscatel da Alexandria; a outra variedade famosa de Setúbal, o Moscatel Roxo, é uma mutação genética do Moscatel Galego).
Por agora, os melhores exemplos continuam a sair da Adega Cooperativa de Favaios, onde é produzido este magnífico Moscatel de 1980. Com o mesmo preço (26 euros), atrevemo-nos a dizer que não há nada melhor em Setúbal. É um vinho com um bouquet muito expressivo (frutos secos, toffy, mel) e bastante untuoso e rico na boca. Não possui a acidez de um Madeira, por exemplo, mas tem frescura quanto baste.