Permitam-me escrever na primeira pessoa a pretexto deste Blandy’s Malmsey 1988. O assunto justifica-o. Sou natural do Douro (Alijó), fiz vindimas em que o patrão dava como almoço meia sardinha assada, entrei em muitas lagaradas e ajudei a vinificar milhares de litros de Moscatel e Vinho do Porto. Pude provar vinhos “finos” do Douro mais velhos do que os donos e tive a felicidade de beber raridades que custam milhares de euros. Emociono-me com a história e a paisagem construída do Douro, sem equivalente no mundo, e exulto com os fantásticos vinhos que saem das suas encostas escarpadas. Um Porto Vintage no auge é pura emoção engarrafada e um Tawny velho é a volúpia em forma de vinho.
Que vinho levaria eu para uma ilha deserta? Um Porto, responderá o leitor. Sim, de preferência um Tawny velho já com aquele vinagrinho que lhe dá uma vivacidade picante. Mas levava também um Madeira antigo. Por vezes, perante um grande Madeira, a ressumar a notas salgadas, frutos secos e cristalizados, iodo, madeiras exóticas, mel, e com aquela acidez pungente saída da terra vulcânica, julgo não haver nada melhor no mundo. E talvez não haja. Um vinho que, ao contrário do Porto, começa por envelhecer nos lugares mais quentes dos armazéns e se vai “estragando” (oxidando) para poder ir melhorando com o tempo, ao ponto de se tornar quase eterno, é mais do que um vinho, é quase um milagre da natureza.
Por isso, eu, duriense dos sete costados, me confesso: gosto muito de vinho do Porto, mas sou louco por vinho Madeira. Não resisto à sua soberba acidez, bem exemplificada neste Malmsey de 1988 (termo inglês para Malvasia). Não me lembro, de resto, de ter bebido muitos Malvasia com a acidez deste. Depois de um primeiro embate doce, o vinho vai ficando enxuto até explodir de frescura ácida, deixando o palato a gorgulhar de alegria. Extraordinário. Fazer melhor não é fácil.