Os cânones dizem que sim. Alguns críticos garantem que chegam a provar mais de uma centena de vinhos por dia (não há palato que aguente tanto vinho em tão pouco tempo, mas enfim), pelo que até por isso não teriam outra opção.
É verdade que não há outra forma de chegar mais facilmente ao âmago de um vinho. Não havendo nada pelo meio, a avaliação sensorial tem outra pureza. O problema é que os vinhos existem, sobretudo, para acompanhar comida; e, em contacto com os alimentos, a percepção sensorial de um vinho pode mudar completamente. Por exemplo, um tinto que em prova técnica deixou algumas dúvidas pode tornar-se agradabilíssimo à mesa. E o contrário também acontece. Então que tipo de avaliação deve prevalecer? Na nossa opinião, sempre que possível, aquela que resulte da prova do vinho sem comida e com comida.
A importância desta prova dupla ficou bem patente na avaliação deste Infinitum Grande Reserva 2012, uma nova referência da alentejana Fundação Abreu Callado que junta Alicante Bouschet com Touriga Nacional. A solo, o vinho mostrou uma enorme exuberância aromática, ressoando a frutos maduros do bosque, violeta, alguma tinta-da-China, especiaria, tosta. Na boca revelou potência, comprimento, sabor pronunciado e apimentado e também madeira a mais. Se ficássemos por aqui, teríamos que lamentar esse pecado e penalizar o vinho, porque uma sensação de tanino seco de barrica no final de boca, aliada a alguma doçura do álcool e da fruta (o vinho tem 14,5%), não é agradável e prejudica todo o conjunto. Mas provado com um estufado simples de frango já não provocou a mesma sensação. E até o seu toque mais doce se diluiu, envolvendo-se bem com o molho da carne.
A mesa salvou o vinho? Não, o que fez foi realçar apenas o seu lado bom. Quando um vinho é mesmo mau, não há comida que o salve.