Há vinhas na ilha do Pico que parecem nascer da pedra. Não têm um pedaço de terra em volta e o mero facto de vingarem e darem uvas confere-lhes uma dimensão quase sobrenatural, um mistério de vida no meio dos vários “mistérios” de lava que povoam a ilha atlântica.
Os homens e mulheres que fazem verdejar a pedra junto à fúria do mar são eles próprios um mistério de abnegação, e o vinho que produzem, mesmo que fosse muito mau, seria sempre uma bênção. Mas os brancos chegam a ser formidáveis, sobretudo os que são feitos de Arinto dos Açores, Terrantez e Verdelho, as melhores castas locais.
Apesar de terem sido os licorosos de Verdelho que fizeram a fama da ilha, são os brancos secos que estão a trazer o Pico de novo para a ribalta. Em busca de novidades, alguns enólogos continentais descobriram na improvável vitivinicultura picarota um idílio por explorar, e alguns produtores locais, estimulados pelos apoios à reconversão e plantação de vinha, começaram a acreditar que é possível voltar a ganhar dinheiro com o vinho arrancado à lava, agora numa versão menos alcoólica.
A Adega A Buraca, situada no concelho de São Roque mas com vinhas na área classificada como Património Mundial, é um dos novos protagonistas. Os proprietários só faziam licorosos e aguardentes, mas em 2013 lançaram o seu primeiro branco seco, de nome Curraleta. O vinho saiu bem e, em 2014, estreitaram mais a selecção das uvas e criaram um branco ainda melhor, o Cacarita (nome de família). Cerca de duas mil garrafas apenas.
Num lote em que predomina a casta Verdelho, a mais aromática, o primeiro Cacarita é um achado. A fruta madura (de polpa branca, sobretudo) pode induzir no primeiro ataque de boca uma ligeira sensação de doçura, mas, mal o nosso cérebro sintetiza toda a informação, o que prevalece é a secura da pedra e o frescor e a salinidade do mar. Um branco magnífico e distinto.