Nos tempos em que a sobrematuração, o excesso de extracção e a ditadura das madeiras ditaram as regras em Portugal, os monovarietais feitos com a grande casta do país geraram legítimas dúvidas. Estaríamos a reduzir uma grande casta ao seu potencial aromático, à sua doçura ou ao seu poder de encaixe de doses industriais de barrica? Em muitos casos estávamos. É por isso que as mais recentes gerações dos Touriga Nacional merecem especial atenção: eles mostram a sua extraordinária aptidão para gerar vinhos mais secos, mais frescos, com menos álcool, com maior aptidão gastronómica e, arriscamos dizê-lo, com mais potencial de guarda.
É o caso deste Romaneira, uma marca que a cada ano se torna um referencial para os tintos durienses de classe superior. A começar, note-se o seu aroma de enorme finesse e poder. Notas balsâmicas da madeira, fruta preta, forte predominância de notas florais características da casta, num conjunto de notória elegância e sedução. Na boca, a primeira sensação é de sedosidade, imposta por uma estrutura de tanino que é ao mesmo tempo imponente e polida, deixando a fruta marcar a sua presença. Mas é o final que mais surpreende. A doçura natural deste vinho é muito baixa, deixando sobressair uma acidez seca e tensa, quase mineral, que marca o palato por muito tempo. Se é guloso no ataque, este é um daqueles tintos que não cansam pela frescura que deixa como rasto.
Esta interpretação da Touriga Nacional feita pelo enólogo António Agrellos consegue conservar a essência da casta, muito perceptível na sua expressão floral, na sua estrutura poderosa ou na boa complexidade que revela. Por outro lado, o volume de boca deste vinho e a sua intensidade são a prova da sua origem privilegiada — o indiscutível terroir da Romaneira. Mas há aqui uma textura, uma tensão e uma secura que obedecem à razão da criação humana. Temos, pois, um magnífico vinho que harmoniza a natureza com a intervenção do enólogo. Um vinho autêntico, sem artifícios para lá das notas da barrica (e ainda assim algo discretas), que já se bebe muito bem mas que seguramente se tornará ainda mais atraente depois de passar uma mão cheia de anos na garrafeira.