Fugas - Viagens

Paris, outro modo de usar

Por Luis Maio

O que têm em comum um palacete, uma chalupa, um salão de baile e uma casa de arquitecto? Nada, excepto serem espaços fantásticos no miolo de Paris, que passaram a estar disponíveis para aluguer através da Internet. Luís Maio nunca gostou tanto de dormir na capital francesa

Vai-se a Paris pelos monumentos, pela animação, pela cultura. Acontece, porém, a todos os visitantes, ou quase, deterem-se algures a meio do programa, fascinados pela fotogenia de uma vivenda, de um prédio de habitação, ou de qualquer outro tipo de habitação privada. Quem são os felizardos que habitam naquela casa maravilhosa? Se é assim por fora, será ainda mais deslumbrante por dentro? Como seria ter um sítio assim só para nós, nem que fosse só por uns dias? E será que não há outras habitações, ainda mais espectaculares, que simplesmente não se vislumbram da rua? 

É o tipo de devaneio comum a quem está de passagem por qualquer cidade, mas em nenhum sítio essa fantasia de dormir em casa alheia será tão frequente e intensa como na Cidade das Luzes. Claro que depois se volta para o hotel ou para a pensão com um sorriso resignado nos lábios, típico de quem nunca provará esse género de delícias. Ou pelo menos costumava ser assim, porque hoje há um número crescente de moradas sensacionais, que passaram a estar disponíveis para aluguer através da Internet. 

Um dos portais que se especializou no aluguer de alojamentos de férias em linha é a Homelidays (www.homelidays.com), que é líder no mercado europeu do sector e tem já uma presença estabelecida em território nacional. A empresa está, no entanto, sediada em Paris e a oferta de alojamentos que disponibiliza nesta cidade é deveras excepcional. As condições que oferece aos hóspedes potenciais, em todos os territórios em que opera, não poderiam ser mais aliciantes: não há comissões nem intermediários, os inquilinos entendem-se directamente com os proprietários, cabendo aos segundos pagar pelos anúncios dos seus espaços naquele portal.

Uma das vantagens de ficar em casa dos outros são os preços, em geral mais baixos que os praticados em hotéis e demais gama de alojamentos convencionais - e vale a pena lembrar que Paris é uma das cidade onde dormir sai mais caro. Na circunstância, porém, não fomos por aí, preferindo visitar espaços para arrendar que primam pela diferença e pela exclusividade. Ou seja, são alojamentos que se recomendam pela experiência única que oferecem de dormir em Paris. Haverá sítios bem mais económicos no catálogo de ofertas Homelidays, mas os que se seguem estão seguramente entre os mais originais da capital francesa.

Nos lençóis do Sena

E se da próxima vez (melhor ainda, da primeira vez) que for a Paris ficar a dormir num barco atracado no Sena? Não um barco-hotel formatado, mas uma barcaça à moda antiga, no estilo daquela que foi imortalizada por Jean Vigo no filme L"Atalante. E, já agora, que não seja uma embarcação atracada no cu de Judas, mas com vista para uma mão-cheia desses monumentos que fazem a celebridade da Cidade das Luzes. Soa como uma fantasia para gente endinheirada, ou apenas acessível a quem tem os contactos certos. Hoje, no entanto, basta estar em linha para descobrir que há toda uma gama de alojamentos sobre as águas do Sena, bem localizados, acolhedores e por vezes até mais económicos do que os hotéis na terra firme de Paris. 

Nenuphar é um bom exemplo. A situação é, para começar, privilegiada, uma vez que está atracado na frente da Rive Gauche, nas costas da Gare de Austerlitz, alinhado e a escassa centena de metros da piscina Joséphine Baker e do novo bairro chique da Biblioteca de Paris. A própria embarcação é digna de se ver: uma chalupa de 40 metros de comprimento por cinco de largura, modelo clássico dos anos 20 do século passado, toda restaurada e coberta de tantos vasos de flores que, vista da margem, mais parece um jardim flutuante. Vêem-se os barcos a passar sob a belíssima ponte de arcos metálicos do metro, mais a Gare de Lyon e o Pavilhão de Bercy a espreitarem na outra margem. É uma vista preciosa, mas não há bela sem senão, na circunstância a chiadeira produzida pelas composições do metro que constantemente atravessam a ponte. 

No interior encontra-se tudo o que é preciso para uma noite e, na verdade, para ficar em Paris durante uma temporada (o precário também prevê estadias alargadas). Isto inclui uma cozinha toda equipada, uma televisão com 200 canais, móveis repletos de CD e bandas-desenhadas. Não é, porém, nenhum luxo, como faz questão de frisar a proprietária, Anne Marie. Ela, que é editora de música, e o ex-companheiro, que é arquitecto paisagista, começaram com o Justine em 1973. Queriam viver à larga e por pouco dinheiro, no centro de Paris, foram dos primeiros a ter a ideia de chamar casa ao Sena. Compraram a embarcação por tuta e meia, na Bélgica, e atracaram onde lhes apeteceu em Paris. Primeiro junto da Notre Dâme, mas os sinos a toda a hora tornaram-se um castigo. Depois no Pont-Neuf, mas entretanto os bateau-mouchepassaram a ser mais largos e mal conseguiam passar.

Acabaram por se fixar no Cais de Austerlitz e por uma boa razão: é o último lugar que as águas submergem, quando há cheias no Sena. Entretanto, voltaram à Bélgica para comprar o Nenuphar com o propósito de ganhar uns trocos transportando passageiros no Sena. Acabaram por se separar, ela por ficar com este segundo barco e o ex-companheiro com o Justine, amarrado mesmo à frente. Quando as filhas cresceram e abandonaram os quartos na frente e na retaguarda do paralelepípedo flutuante, Anne Marie passou a dedicar-se ao aluguer. Na proa fica a suite, 55 m2 com duas divisões, um quarto com cama para dois e uma sala ampla onde podem dormir mais quatro. Mais romântico é certamente ficar no duplex, a antiga cabine de 28 m2, onde vivia o marinheiro. 

Nenuphar
Quai d"Austerlitz
Tel.: +33 613423684
www.labelleaffaire.eu
Preços (euros): De 300 o fim-de-semana a 3000 ao mês.

Exclusividade e mundanismo

O número 6 da avenida Mandel é o estilo de morada que dá manchete em revistas de luxo. O edifício neo-gótico, tipo palacete urbano, data de 1886 e fica no coração do16ème arrondissement, a dois passos da praça do Trocadéro. Conheceu uma série de inquilinos de alguma celebridade, incluindo Pearl White, actriz norte-americana de filmes mudos, e Jacques Homberg, patrono e amante de Christian Dior, que também chegou a viver aqui. Depois da morte de Homberg, em 2000, o prédio foi passando de mãos, até ser adquirido em 2006 pelo arquitecto paisagista Jean-Christophe Stöerkel.

Por essa altura, no entanto, os elementos Art Nouveau e Art Deco introduzidos por White tinham-se evaporado, como aliás a maior parte do recheio. O próprio edifício já pedia reforma. Stöerkel desencantou mesmo assim uma porta neo-gótica de raiz, mandou fazer outras iguais, recuperou o que pôde e reinventou o resto à medida do seu gosto, decididamente sofisticado. O piso térreo deu lugar a dois espaços desnivelados, um destinado a galeria de arte, o outro a servir de cozinha e atelier para workshops. A cozinha passou a abrir sobre um jardim que antes não existia, desenhado pelo novo proprietário, que decidiu fazer dos dois andares superiores o seu lar parisiense. Deixou vago, no entanto, o quarto no primeiro andar, que veio a decorar com tecidos e peças de mobiliário, associados a marcas e criadores de prestígio. A ideia, ainda em fase de consolidação, é fazer da moradia uma homenagem a Christian Dior. 

Ocupar o único quarto disponível neste antigo hotel particular é, portanto, ficar mais do que bem instalado. É comprar todo um programa feérico de estadia em Paris. A exclusividade vai de par com a depuração - o quarto não tem telefone, nem televisão - e conta com essa extraordinária mais-valia que é ir à janela e descobrir a Torre Eiffel ali mesmo em frente. O género de alojamento, em suma, que se recomenda para as mais variadas luas-de-mel. 

Privacidade não significa, porém, isolamento e se Stöerkel remodelou o palacete foi também para o converter num lugar de eventos. O salão envidraçado no piso térreo funciona como galeria para uma média de cinco exposições de arte contemporânea ao ano (excelente mostra de novos artistas aborígenes australianos, quando lá estivemos), arte essa que depois se dissemina por outros espaços do palacete, incluindo a própriachambre d"hôte. A cozinha, que também pode funcionar como anexo da galeria, acolheworkshops de arranjos florais e de mesa, bem como aulas de gastronomia e jantares privados de especialidades francesas e japonesas. 

6 Mandel
6, Avenue Georges Mandel
Tel.: +33 1 42272793
www.6mandel.com
Preços (euros): Pacotes de fim-de-semana a 410 (duas noites): pequeno-almoço a 20 por pessoa. 1750 é o preço médio semanal. 

Estilo "má vida"

O tempo de libertinagem e dos cabarets boémios há muito que passou à história, mesmo o sexo em versão industrial já viu melhores dias em Pigalle. O mito da "má vida" continua, porém, a verter magotes de forasteiros no distrito de Montmartre, agora transformado em babilónia turística, onde nada ou quase de genuíno persiste. Quase, porque há sempre sítios que fecham as portas durante décadas, ou mudam de ramo e, quando se vai a limpar as teias de aranha, acontece descobrirem-se testemunhos do passado milagrosamente intactos. 

É o caso justamente de um antigo baile musette, actualmente convertido em loft, num beco sem saída, a dois passos do Moulin Rogue. O proprietário é um jornalista que prefere manter um perfil discreto a respeito desta sua segunda fonte de rendimento. Mesmo assim vai dizendo que começou por comprar o espaço ao lado do dancing, que era um armazém de tapetes, onde primeiro (1875) funcionou um refeitório do pessoal camarário de Montmartre. Foi para lá viver, faz agora dez anos, até que descobriu escritos na morada ao lado. 

Acabou por comprar o que até à data era um depósito de mercadorias, mas que uma vez desocupado revelou a sua prévia e bem mais estimulante ocupação de boîte de nuit. Dessa época conservam-se as colunas de vidros espelhados que delimitavam a pista de dança e um surpreendente fresco que ocupa uma parede inteira, combinando deuses gregos com uma bailarina de french can-can, tudo bastante despido e em poses muito sugestivas. Animado por estas descobertas, o jornalista resolveu lançar-se no aluguer, conservando os elementos originais e juntando-lhes mobiliário de segunda mão. 

O refeitório convertido em duplex foi equipado com um fundo de bar da Place des Vogues, quando o sítio foi comprado por uma companhia de seguros. O dancing-loftexibe agora um elegante balcão de bar dos anos 50 e uma caixa de elevador em madeira, procedente de uma garagem vizinha. Memórias originais e transplantadas de outros lados conjugam-se assim para invocar os anos de ouro de Montmartre, mas sem nenhum do frenesim que os celebrizaram. É mais uma surpresa agradável a atmosfera de província que se respira nesta viela, florida e silenciosa, a milhas e no entanto a meia dúzia de metros apenas da agitação da Place Blanche e do Boulevard de Clichy.

Véron & Cie 7, cite Véron
Tel.: +33 614484748
ww.loft-paris.fr
Preços (euros): O aluguer do loft e do duplex fica em 220 por dia, para quatro pessoas, para uma estadia mínima de três dias. Podem, no entanto, lá ficar até oito pessoas, por apenas mais 20 a cabeça. O estúdio fica em 90? para dois, a suite em 110 para o mesmo número, também para uma estadia mínima de três noites e mais 20 por hóspede adicional. 

Design nas férias grandes

Uma vivenda de dois pisos em madeira, desenhada por um arquitecto e praticamente a estrear, não é vulgar em Paris. Muito menos no 15ème, mesmo ao lado da Torre Eiffel e dos Inválidos, num quarteirão onde os prédios se pautam pelo guião de majestade pomposa que lhes imprimiu o Barão Haussmann, na segunda metade do século XIX. Se, apesar de todo o conservadorismo, esta maison d"architecte pôde ser construída é com certeza porque é "invisível". Ou melhor, porque se trata de uma casa dentro de outra casa, uma vivenda escondida no pátio interior de um desses típicos prédios "haussmannianos" de sete pisos.

A propriedade é de um casal, que começou por comprar uma parcela do pátio, onde já existia um atelier. Entretanto a família foi crescendo, tanto que já vão em três filhos. Contrataram um arquitecto, sujeitaram o projecto de ampliação ao condomínio e à câmara, andaram para cá e para lá, até que acabaram por conseguir as autorizações. Deixaram apenas as paredes do atelier, construíram à volta e por cima um segundo piso, criando todo um jogo de volumes geométricos, cortinas de vidro e pele de madeira. Levaram três anos com as obras, mas no Verão passado já receberam os primeiros hóspedes.

O princípio é daqueles que todas as famílias com queda para o negócio e casas com algum cachet deveriam aplicar. As férias grandes nas escolas de França decorrem nos meses Julho e Agosto. Os pais e, portanto, a família inteira descola de Paris durante quatro a cinco semanas, deixando a vivenda livre para efeitos de aluguer. Quando regressam, os miúdos vão passar o resto dos dias de férias a casa dos avós e os pais seguem para os respectivos empregos. Se, neste último período, a residência unifamiliar estiver ocupada, então o casal fica alojado em apartamentos de amigos ou da família. 

Trata-se, portanto, de ficar não apenas numa casa original, mas numa que é realmente habitada por uma família parisiense. Todos os anos, no início do Verão, arrumam os seus objectos pessoais em caixotes e aproveitam para deitar fora a tralha inútil, como se estivessem para mudar de morada. Fica, no entanto, tudo o que é preciso para os eventuais inquilinos poderem viver como se estivessem em casa própria, incluindo uma cozinha que parece saída de uma montra de exposição. É o tipo de estadia que resulta numa experiência única - género que não é tipicamente parisiense mas só se pode ter em Paris.

#Tel.: + 33 (0) 145311527 ou +33 (0) 699799081 (neste caso não há site do proprietário e a única coisa que é revelada sobre a morada em antecipação é o distrito, que é o 15º) 
Preços (euros): 900 por semana com quatro quartos para entre cinco e sete pessoas (uma cama de casal e três de solteiro) 

A Fugas viajou a convite da Homelidays

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