O terramoto do Haiti foi o impulso. Da teoria à prática, com recurso à Internet. Isabel Oliveira queria ajudar, fazer algo mais, mas sabia que nas missões humanitárias a prioridade é para pessoal da área da saúde e logística. Isabel é economista. No site da AMI encontrou o que queria. A Missão Aventura Solidária. Meses depois, estava no Senegal, Kaba Ndour. Não tem praias, hotéis nem sequer alcatrão. Mas tinha um Centro de Costura para ser construído.
Em Junho, a IX Missão Aventura Solidária terminou o Centro de Costura - uma conclusão quase simbólica: os voluntários pintam e equipam o centro. "Esse é o "trabalho"", explica Isabel Cruz Oliveira, "o resto do tempo interagimos com a população". Foram oito dias em Kaba Ndour, um dia em Dacar e na ilha de Gorée - estes de "turismo", ou lazer. Porque a aventura solidária da AMI enquadra-se no chamado "volunturismo", um neologismo que junta voluntariado a turismo, para proporcionar uma experiência mais próxima da comunidade e uma forma de turismo dito responsável e sustentável.
Isabel Oliveira, 49 anos, é uma "volunturista", embora nunca tenha pensado na questão nestes termos. "De há uns tempos para cá tinha vontade de participar e mudar um pouco o estado das coisas. Esta é uma forma de fazer férias diferentes". Sempre quis ir a África e "fazer a diferença". "Sinto que o fizemos". Naquele cantinho a 130 quilómetros de Dacar, Isabel e mais 15 companheiros, incluindo o marido Manuel Ferreira, 53 anos, contribuíram para que a população tivesse meios de aprendizagem de costura, logo "mais oportunidades". Além de que, sublinha, "a construção do centro, a confecção das refeições e a manutenção do acampamento contribuem para dar trabalho à população local".
"O dia-a-dia em Kaba Ndour começava bem cedinho", lembra. "Às 7h00 um pequeno grupo ia do acampamento à aldeia comprar o pão e tomávamos o pequeno-almoço todos juntos. Depois íamos trabalhar até cerca do meio-dia, quando voltávamos ao acampamento para almoçar". O dia de trabalho terminava aqui. Depois do descanso, o grupo saía para visitar os equipamentos que outras missões construíram. "Era o melhor da viagem", avalia. A alegria e o carinho das recepções nas aldeias. "Havia sempre danças acompanhadas por batucadas ou torneios de "lamb", uma espécie de luta livre". E havia um "orgulho indisfarçável quando mostravam como estão a usar bem os equipamentos".
Isabel Oliveira sabe que sem esta aventura solidária "nunca teria oportunidade de visitar o interior do Senegal". Nunca teria sentido o toque nas mãos das crianças em sinal de amizade; nunca teria experimentado o peixe da senhora Dior, acompanhado pelo "fabuloso" molho de cebola; nunca teria comido as mangas "fantásticas". Por isso, não valoriza quando amigos dizem que são uns heróis, por irem trabalhar em condições difíceis e dispondo do tempo de férias e dinheiro. "Não que tenhamos muito dinheiro, mas são opções. Afinal, se fosse para um resort nas Caraíbas penso que não despenderia quantia muito diferente". Foram 1100 euros por pessoa, incluindo 500 de donativo. "Não gastámos mais dinheiro". E voltaram de lá "mais ricos, com mais amigos e com mais conhecimento para ajudar a relativizar o dia-a-dia".
O entusiasmo é tal - "não nos cansamos de falar desta experiência" - que Isabel Oliveira já pensa na próxima Missão Aventura Solidária, à Guiné. "E agora também estou mais atenta a outras possibilidades de fazer voluntariado através de organizações que permitam um contacto próximo com a realidade dos países", confessa.
O volunturismo ainda é visto como um nicho de mercado (em Portugal bastante negligenciado), mas a sua procura tem vindo a crescer. Sobretudo em países anglo-saxónicos (em Inglaterra está muito associado ao gap-year, o ano em que os estudantes interrompem o percurso académico para conhecer o mundo e que já é uma pequena indústria por si só), onde a tradição de voluntariado está muito enraizada, são inúmeras as organizações e agências viagens dedicadas a este tipo de turismo-voluntariado - e não é à toa que a Lonely PLanet editou um guia sobre volunturismo. Os destinos mais recorrentes são a América Latina, África e Ásia, mas os outros países não ficam de fora, até porque o volunturismo tem várias áreas de acção e várias modalidades. E enquanto se discutem os seus méritos (ou ausência deles) para as comunidades, andam pelo globo viajantes que acreditam que podem mudar o mundo em tempo de férias. Deixamos algumas sugestões.
Cuidar de órfãos no Nepal
Fica no topo do mundo o orfanato Naxal, no Nepal - a um quilómetro de Katmandu - e é o mundo inteiro para as 50 crianças que ali encontram abrigo. Têm entre poucos meses e 16 anos, a prioridade é arranjar-lhes famílias. Enquanto isso não acontece, aos voluntários é pedido que ajudem na escola e no berçário, no aconselhamento infantil e na administração, na gestão e na nutrição. Isto é oficialmente - no fundo, o que se pede é que sejam um pouco "pais" para as crianças, ajudando a enfermeira-governanta-mãe residente, brincando, orientando, acarinhando. Os voluntários ficam alojados em casas particulares, em quartos privativos e no preço está incluído uma visita-guiada à capital e um fim-de-semana de hiking.
Preço: €1230 (quatro semanas)
www.travel-peopleandplaces.co.uk
Tratar da saúde às Honduras
Entre praias paradisíacas, florestas tropicais, ruínas maias e um dos piores serviços públicos de saúde da América Latina, estão as Honduras. Que se vê a braços também com um rápido aumento de casos de infecção pelo vírus HIV. O programa de voluntariado da Bridge Volunteers é dedicado à saúde, mas não é necessário treino médico. Na vila de La Ceila, os voluntários trabalham em clínicas locais com profissionais ou directamente na comunidade em acções de educação e esclarecimento sobre saúde e prevenção do vírus HIV. O alojamento é em casa de famílias e são propostas várias excursões para o tempo livre, não incluídas no preço.
Preço: desde €1000 (duas semanas)
www.bridgevolunteers.org
Quem ajuda o paraíso tropical?
Há cangurus e há coalas, mas o que leva os voluntários à ilha australiana Brampton é a Grande Barreira de Coral. Farão parte de um projecto de conservação marinha, no Parque Nacional da Ilha de Brampton. Que é como quem diz, ajudarão a remover a vegetação invasiva, a limpar as praias de destroços, a verificar a "saúde" dos corais. Isto enquanto acampam numa praia tropical e, nos tempos mortos, mergulham na grande barreira, ao encontro de corais grandiosos e fauna condizente (tubarões, tartarugas), ou exploram o interior da ilha.
Preço: €1580 (duas semanas)
www.gviusa.com
Trabalhar a história na Albânia
Se gosta de história, arquitectura, arte, Girokastra pode ser o lugar certo. Na cidade albanesa, construída em torno de uma cidadela do século XIII, os otomanos permaneceram 500 anos e agora a sua herança está a ruir. São icónicas casas-torre de pedra, construídas em socalcos sobre o rio Drinos, em processo acentuado de degradação, que a Cultural Heritage Without Borders, uma organização sueca, trabalha para salvar. A proposta é uma espécie de workshop: todos os dias, trabalho de conservação - ou a manhã em aulas de desenho e a tarde no restauro. Várias visitas estão incluídas neste pacote, incluindo ao Parque Nacional Butrint, que alberga algumas das ruínas clássicas mais impressionantes da bacia mediterrânica. A estadia é num B&B bem no centro do antigo bazar da cidade.
Preço: €1700 (uma semana)
www.adventuresinpreservation.org
Vida comunitária na Índia
A base é Tamil Nadu, a "terra dos tâmiles", um dos 28 estados da Índia. No sudeste indiano, este é um dos mais desenvolvidos do país, mas o trabalho é em zonas rurais desfavorecidas. Mais do que participar, cada voluntário envolve-se na vida quotidiana das comunidades. Na construção de infra-estruturas, no ensino, na montagem de negócios, no convívio diário, a ideia é tornar-se um mais no esforço de desenvolvimento local. A estadia é com famílias locais e há tempo para descobrir as redondezas: montanhas e praias, grandes templos hindus e Património da Humanidade, como o Conjunto Monumental de Mahabalipuram.
Preço: Desde €715 (duas semanas, sem transportes)
responsibletourism.co.uk
Ondas pelo desenvolvimento
Os surfistas gostam de várias coisas, mas uma mais do que tudo: boas ondas. Viajam ao fim do mundo e no Peru as surf trips podem ser também uma maneira de ajudar as comunidades que os acolhem. O programa educacional da Waves for Development pede que surfem, ensinem a surfar e um pouco de inglês e artes, educação ambiental, natação. Além disso, a cada voluntário é ainda pedido que desenvolva um programa individual para a comunidade - Lobitos. A estadia é com família local e esperem-se visitas guiadas a cada duas semanas, (quase sempre) em direcção ao oceano.
Preço: €320 (contribuição para o projecto); ?200 (por semana - mínimo, duas semanas)
www.wavesfordevelopment.org
Na aldeia moçambicana
Rumo à comunidade do Chimundo, na cidade do Chibuto, na província de Gaza - Moçambique, portanto - parte a primeira edição do TU-Voluntário, projecto de volunturismo promovido pela AIDGlobal - Acção e Integração para o Desenvolvimento Global. Esta ONG sediada em Loures dirige os seus esforços para Portugal e Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e em Moçambique vai dedicar o seu tempo a actividades de educação de infância, de formação (informática, costura e gestão, entre outros), de melhoramento de infra-estruturas do centro comunitário. Os voluntários aprenderão a cozinhar pratos tradicionais, irão à praia, visitarão aldeias e a capital, Maputo.
Preço: €2500 (duas semanas)
www.aidglobal.org
Missões aventureiras em África
Desde 2007, no Senegal, desde 2009 na Guiné Bissau e Brasil. A Missão Aventura Solidária da AMI (Assistência Médica Internacional) já fez 13 "comissões" e contou com 117 participantes. Este ano, ainda há três missões aos destinos "habituais" - Senegal (Réfane) em Outubro, Guiné-Bissau (Bolama, onde vão construir uma escola em S. João) em Novembro e Brasil (Vila dos Milagres) em Dezembro (datas sujeitas a confirmação). Cada programa prevê o envolvimento com a cultura local e a visita a locais emblemáticos. A organização avisa: o alojamento é "rudimentar, semelhante à das missões médicas humanitárias da AMI: acampamento, tendas ou camaratas.
Preços: Senegal €1890 (donativo €510); Guiné-Bissau €2100 (donativo €500); Brasil €2200 (€500)
www.ami.org.pt