A cidade colonial de Santo Domingo, de traça espanhola, murada e sobranceira ao rio, lembra Cartagena das Índias. A cultura mestiça e festiva, que se testemunha nas suas ruas, faz, por sua vez, pensar em Havana. Já a vibração chique-tropical dos bairros modernos estará mais próxima da porto-riquenha San Juan. Santo Domingo tem um pouco dessas e doutras cidades das Caraíbas, mas não maior afinidade com uma delas em particular. Sem traços predominantes ou mais vincados, a capital dominicana oferece-se como uma síntese ligeira de toda a região das Caraíbas.
É o tipo de cidade com que é fácil simpatizar. Mas, pela mesma ordem de razões, é daquelas que não provoca paixões, pelo menos num primeiro contacto. As excursões de meio-dia - modalidade de visita mais comum para turistas em férias de praia na República Dominicana -, dão o lamiré, mas são manifestamente insuficientes para lhe fazer justiça. Em toda a sua cordialidade e moderação, Santo Domingo exige disponibilidade - porventura mais do que é usual nas Caraíbas - a quem quiser descobrir os seus verdadeiros encantos.
Despertar ao anoitecer
Não se vê vivalma nas ruas, durante a maior parte do dia. Até que o sol se põe e uma leve brisa se insinua, contrariando o pesado bafo tropical. É a altura do dia em que a vida renasce, no centro histórico de Santo Domingo. Como no Sul de Espanha e, na verdade, como nas Caraíbas. Os habitantes do velho casario colonial sacam de pequenos bancos em madeira e vêm sentar-se à porta, a tagarelar e a ver passar os outros. À esquina, ou ali mesmo na porta ao lado, há certamente um colmado, o estilo de botequim que é meio mercearia, meio bar. A clientela vai lá dentro abastecer-se para depois se instalar cá fora a consumir, socializar e eventualmente dançar.
Mas os sítios mais populares ao fim do dia são mesmo as praças, que modulam a grelha rectilínea de 16 quarteirões da Cidade Colonial. O crepúsculo é hora de ponta na Praça de Cólon, a da Catedral e também dessa paradoxal escultura que faz contracenar Colombo com as suas melhores vestes de colonizador e uma seminua Anacaona, heroína dos índios Taíno, exterminados à chegada dos espanhóis. Ao seu redor há rapazes que ensaiam acrobacias hip hop, raparigas de uniforme escolar, provavelmente a comer gelados, ases do dominó que se enfrentam nos bancos de jardim com uma multidão de mirones em redor, pais a correr atrás da descendência, que se entretém a perseguir os pombos, gente mais aperaltada que abanca a tomar o aperitivo nas esplanadas, enquanto contempla os últimos raios solares pintando de dourado as paredes calcárias da catedral.
A Praça de Colón rivaliza em animação com o Parque Independência, centrado no mausoléu onde repousam os heróis da independência, na ponta oriental da cidade antiga. O caminho entre as duas praças faz-se pela El Conde, única rua pedonal do perímetro colonial, passerelle onde Santo Domingo inteira gosta de desfilar e ir às compras. Até aos anos 80 e ao aparecimento dos malls (centros comerciais) da cidade nova, El Conde era a principal artéria comercial da cidade, uma espécie de Gran Via dominicana - parentesco, de resto, acentuado pelo perfil dos edifícios de três-quatro andares, entre a Arte Nova e um certo Classicismo franquista. Hoje os grandes armazéns estão devolutos ou repletos de artigos fora de prazo, mas essa decadência dá-se bem com as latitudes tropicais e sobretudo com a socialização espontânea que os dominicanos gostam de celebrar na via pública.
Quando a noite se instala, a vida transita para outros palcos urbanos, nomeadamente para a Praça de Espanha, a do Alcazar e do Arsenal. O casario pintado de cores festivas frente ao palácio alberga uma série de restaurantes com esplanada (Ângelo, Rita"s Café, Pat"e Palo), algures entre o chique e kitsch "Miami style". São muito frequentados por casais instantâneos, formados por forasteiros, quase todos pálidos, barrigudos e cinquentões, e por beldades locais, quase todas negras, jovens e esculturais. Aos fins-de-semana deixam de dar nas vistas, mesclando-se com as legiões de dominicanos que desembarcam na praça, atraídos pela promessa de baile e música ao vivo, no palco montado ao lado do palácio.
A Cidade Antiga é ainda uma aérea residencial, mas algumas das melhores moradias têm sido convertidas em restaurantes, bares e afins. Uma morada que vale a pena reter é a da Casa de Teatro (Arzobispo Meriño 110), restaurante e centro cultural, onde todas as noites há alguma coisa a acontecer, desde concertos de jazz latino a ciclos de cinema e exposições de artesanato de autor. Não é, porém, na zona histórica que a noite de Santo Domingo é mais movimentada e depois da meia-noite todas as atenções se voltam para Aquel Lado, assim chamado porque se situa na outra margem (oriental) do rio Ozama. Aqui, em especial nas avenidas Venezuela e São Vincente de Paul, encontra-se todo um sortido de locais de animação nocturna (Cool Bar, Eclipse e House Drink são dos mais badalados), onde melhor se dança merengue e bachata, os ritmos característicos da República Dominicana.
Para acabar a noite há sempre os colmadones, colmados em versão XL, que não têm mercearia, mas onde não falta o álcool e a música (Puerto de la Misericórdia é o líder deste campeonato). Há mesmo um Car Wash (na esquina da Maximo Gomez com a 27 de Fevereiro) que à noite se converte num vibrante salão de festas. Aqui dança-se num enorme espaço coberto, mas sem paredes, até quando o resto de Santo Domingo já vai no segundo sono.
Casinos e museus
O dancing-car wash destoa um pouco em Gazcue, bairro moderno e chique, a oeste do centro histórico. É outro mundo, ou pelo menos outra cidade. O Malecón, a marginal que primeiro se chama Presidente Billini, depois Avenida da Independência e finalmente Av. George Washington, é bordejado por hotéis quase todos em torres monolíticas, quase todos com casinos, alternando com restaurantes e discotecas. Pelo meio fica o Adrian Tropical, restaurante de cadeia que não impressiona pela cozinha mas tem a grande vantagem de ser o único que fica mesmo em cima do mar, atraindo uma clientela jovem e sofisticada, algo de semelhante ao jet set dominicano.
Mais para o interior, Gazcue é uma combinação de edifícios públicos, villas privadas e condomínios fechados. Nota-se pelas elegantes vivendas Belle Époque que foi para aqui que as classes altas se transferiram quando a cidade transbordou das muralhas, em finais do século XIX, enquanto a traça modernista dos ministérios revela a chegada posterior das infra-estruturas governamentais. Também se percebe que as torres de habitação são um fenómeno mais recente, ou que Santo Domingo só começou a crescer em altura à entrada do novo milénio.
A Praça da Cultura, que remata Gazcue a noroeste, é o coração monumental da cidade moderna (que depois se estende para oeste, no bairro chique residencial de Piantini). Aí se encontram sediados três dos principais museus da cidade, que valem tanto pela sua arquitectura brutalista como pelo respectivo recheio. É um excelente lugar para começar ou acabar qualquer visita a Santo Domingo, quando estes museus contam cada um à sua maneira a história da cidade e nessa medida iluminam a sua actualidade. O Museu do Homem Dominicano reconstitui os hábitos e costumes dos índios Taínos, incluindo a causa do seu rápido extermínio, justificado pela sua crença genuína numa outra vida melhor. A chegada dos colonizadores espanhóis, dos escravos africanos e a cultura mista resultante são depois ilustradas, destacando-se a prodigiosa colecção de máscaras de Carnaval de toda a ilha.
O Museu Nacional de História e Geografia, apesar da designação, reúne memorabilia associada ao ditador Trujillo (1891-1961), incluindo o carro em que foi assassinado. Trujillo, descobre-se no vizinho Museu de Arte Moderno, foi o principal impulsionador da arte dominicana do século XX, ao acolher os refugiados da Guerra da Espanha, na altura com a intenção de "branquear" a população da ilha. Desse contingente de expatriados saíram os fundadores da Escola de Belas Artes e um punhado de artistas que, naturalmente, criaram obras de forte contestação ao regime, inaugurando uma corrente de arte interventiva, ainda hoje dominante na República Dominicana.
Uma visão mais abrangente da arte dominicana requer uma visita ao Museu Bellapart, a maior colecção privada do país, que tem a particularidade de se encontrar no quarto piso da sede e salão de exposições da marca de automóveis Honda (www.museubellapart.com). O edifício é outra delícia para os amantes de arquitectura brutalista, que poderão aproveitar a proximidade para dar uma espreitadela à cúpula esférica do Palacio de los Deportes, pura colheita de 1974.
Como no Sul de Espanha
Primeira cidade do Novo Mundo - fundada por Bartolomeu, irmão de Colombo, em 1496 -, Santo Domingo foi o eixo da colonização durante um século, ou até ao momento em que os espanhóis passaram a explorar as riquezas continentais, preferindo escoar as mercadorias através de Cartagena e de Cuba.
Desde então, Santo Domingo foi invadida por várias potências, inclusive depois de ganhar a independência, em 1844, mas não voltou a conhecer o mesmo esplendor, passando a maior parte do século XX sob a opressiva ditadura de Trujillo. O reverso da medalha foi uma certa letargia que se enraizou na capital dominicana, permitindo a conservação de um bom número de edifícios datados dos inícios da colonização.
O Forte Ozama começou a ser construído em 1502 e tem por elemento mais proeminente uma Torre de Menagem de factura medieval, que oferece vistas a 360 graus sobre a cidade e a foz do rio que lhe dá nome. Duas centenas de metros para norte, na mesma margem ocidental do rio, encontra-se o Alcazar de Colón, elegante palácio a meio caminho entre o mudéjar e o veneziano, que serviu de residência a Diego, filho de Colombo e governador da colónia a partir de 1509.
Foi também Diego quem colocou a primeira pedra na Catedral Primada da América, construída em estilo gótico-renascentista e completada em 1540. A meio caminho, um pouco recuada em relação ao alinhamento do forte e do palácio, a catedral surge como terceiro vértice do triângulo do poder da época. São o forte mais antigo, o palácio mais antigo, a catedral mais antiga - em resumo, os primeiros baluartes da colonização espanhola das Américas.
Parte substancial da muralha original ainda se mantém de pé, delimitando a Cidade Colonial no seu perímetro cerca de trezentos edifícios estão classificados e inscritos no património da UNESCO. É um conjunto pitoresco, que comunga de uma certa poesia singela, mas mesmo os edifícios mais nobres estão longe de serem espectaculares. Não estão seguramente à altura das realizações monumentais que noutros lados assinalaram a expansão espanhola. Essa é a sua limitação, mas também a sua originalidade.
Em Santo Domingo não há jóias barrocas, nem o tipo de obras sincréticas que fizeram o esplendor da arquitectura do Novo Mundo. Tudo, dos palácios às igrejas, passando pelo casario popular, é igual ao de uma cidade de província do Sul de Espanha, parada algures num passado glorioso. E isto, nas Américas, não acontece em mais parte alguma. Claro que não é património histórico para encher a vista. Mas é mesmo assim impressionante visitar a primeira cidade espanhola do Novo Mundo como se pouco ou nada se tivesse passado na paisagem urbana desde essa altura.
Farol a Colón em destaque: Um mundo de coisas estranhas
A moderação será a faceta dominante, mas não é a única de Santo Domingo. Basta atravessar o rio Ozama e entrar no Parque Mirador Este - a grande mancha verde que domina a zona oriental do perímetro urbano -, para mergulhar num mundo de coisas estranhas. O destaque cabe naturalmente ao Farol a Colón, porventura o monumento mais insólito do outro lado do Atlântico, digno de qualquer top universal de arquitectura esquisita.
Tudo nele é invulgar, a começar pelos acidentes de percurso: idealizado em 1852, só começou a ser construído em 1986, mas segundo o projecto aprovado em 1929, da autoria do inglês JL Gleave. Acabou por ser inaugurado a 6 de Outubro de 1992, para celebrar o Quinto Centenário do Encontro de Duas Cultura, numa cerimónia que contou com a presença do Papa João Paulo II e culminou na trasladação para esta nova morada dos restos mortais de Cristóvão Colombo. Acontece que, em 2006, um grupo de cientistas provou que (pelo menos) parte substancial dos restos do navegador repousam na Catedral de Sevilha, ao que o director do Farol respondeu que era católico e que, portanto, se recusava a submeter os "seus" ossos a testes de ADN.
Se se provar que a última morada de Colombo é noutro lado, o memorial será uma formidável celebração da futilidade. Assim mesmo não deixa de ser impressionante: um colosso de betão cinzento em forma de cruz de 211 por 60 metros, que parece ter caído como uma bomba, arrasando tudo à sua volta num diâmetro de vários quilómetros. O símbolo da cruz também "decora" as paredes do mausoléu e, mais notável ainda, projecta-se no céu e é visível a 70 quilómetros, inclusive em Porto Rico.
O mais estranho nem sequer é isso, mas a circunstância de o edifício ter a forma bastante óbvia de um caixão. O que remete para todo o sangue e sofrimento que os conquistadores católicos disseminaram à sua passagem, quando o memorial deveria invocar o sentido evangélico da colonização. Uma ironia suplementar encontra-se no interior, sob a forma de toscos painéis, estilo escola secundária, alusivos aos Descobrimentos portugueses, certificando a participação nacional como uma das mais pobres no museu do mundo que preenche todo o piso térreo do Farol.
Também invulgar em cenário urbano, mas certamente mais consensual, é a enorme gruta que se encontra meia dúzia de quilómetros mais à frente, no mesmo Parque Mirador Este. A gruta em forma de arco foi produzida por uma derrocada há milhares de anos, deixando a céu aberto uma teia de grutas subterrâneas mais pequenas. Foram entretanto cobertas de água, sobretudo proveniente de cursos de água interiores, justificando a designação de Gruta dos Três Olhos.
A longa escadaria esculpida na parede da rocha desemboca na Lagoa do Enxofre, que exibe águas de um azul transparente. Do lago oposto fica a Lagoa das Senhoras, onde supostamente elas iam a banhos noutros tempos. Mas a maior atracção do conjunto é o Frigorífico, lagoa de águas frias que exibe um formidável conjunto de estalactites e estalagmites e tem uma espécie de anexo coberto de exuberantes mangais, a que só se acede de jangada de madeira.
Como ir
A Air Europa liga Lisboa e Santo Domingo a partir de 600€ (+200€ no meio do Verão).
Como circular
A melhor maneira para explorar a Cidade Colonial é a pé. A primeira de seis linhas de metro abriu em Janeiro de 2009 e sulca Santo Domingo na direcção norte-sul com 16 paragens. O táxi será a melhor opção para circular entre a cidade antiga e os bairros modernos de Gazcue e Piantini, mesmo contando que o trânsito é quase sempre infernal nesses percursos. Da rotunda da Praça Independência partem autocarros guaguas para os subúrbios e mais destinos na ilha.
Onde ficar
#Nicolas de Ovando
Santo Domingo, Calle Las Damas
Tel.: 809 6859955
www.accorhotels.com
Mansão aristocrática, erguida em 1502, na primeira rua calcetada das Américas. Convertida em hotel e ampliada com uma nova ala a imitar as antigas, em 2002, deve ser o que a hotelaria dominicana oferece de mais parecido com os paradores espanhóis. Duplos a partir de 100€.
#Nómadas
Calle Hostos/Calle Las Mercedes
Tel.: 809 6890057
Casa tradicional recuperada, numa das esquinas mais bonitas da Cidade Colonial. Ambiente familiar, preço de amigo. Duplos a 20€.
#Freeman
Calle Isabel La Católica, 155 Básico, limpo e económico, em pleno coração da Cidade Colonial. 16€ o duplo.
Onde comer
Fellini Av, Roberta Pastoriza, 504
Tel.: 809 5045530
Belíssima decoração, excelente comida (italiana), fantásticos cocktails. Um (o?) melhor lugar chique para jantar e beber um copo em Santo Domingo.
Meson De Bari
Calle Hostos, 302 Tel.: 809 6874091
O restaurante de referência no capítulo da cozinha crioula, situado numa antiga casa de família, no coração da Cidade Colonial. Funciona também como galeria de arte, exibindo artistas locais, dos mais folclóricos aos mais abstractos.
Barra Payan
30 de Marzo, 140
Tel.: 809 6896654
Lanchonete que serve sanduíches e refeições ligeiras 24 horas por dia. Animada e ruidosa, sobretudo à noite e aos fins-de-semana.
O que comprar
Bonecas sem rosto, conchas pintadas, telas e tecidos com cenas rurais enchem montras de lojas e bancas de rua, em todas as zonas turísticas. A maior parte deste artesanato é feio, barato e de fraca qualidade, produzido em série no Haiti. Uma selecção mais original e cuidada encontra-se na loja da norte-americana Bettye Marshall, na Isabel la Católica, 163 (tel.: 809 6887649).
Quase ao lado ficam a Escuela Nacional de Bellas Artes e o Colegio Dominicano de Artistas Plasticos, que expõem novos talentos.
Obras dos mais cotados artistas dominicanos e de outros países latino-americanos estão à venda na Nader (Calle Rafael Augusto Sanchez, 22, tel.: 809 5440878), a mais prestigiada galeria de arte da capital. Mais que artesanato, se calhar, o que vale a pena comprar em Santo Domingo é café, rum e charutos, que estão entre os melhores do mundo.
O que fazer
No caso pouco comum de o visitante escolher ficar em Santo Domingo (e não em estâncias balneares), pode mesmo assim fazer como todos os habitantes da cidade, que vão a banhos em Boca Chica, a Riviera local, que começa perto do aeroporto, ou seja, a cerca de 30 quilómetros do centro da cidade.
A Fugas viajou a convite do Turismo da República Dominicana