Fugas - Viagens

Paulo Ricca

Viana, como nunca a ouviu

Por Patrícia Carvalho

Patrícia Carvalho e Paulo Ricca experimentaram o percurso turístico de Viana do Castelo baseado na geo-referenciação e não se arrependeram.

Assim que o aparelho desperta, recebemos como banda sonora um vira minhoto. A música toca, perfeitamente audível, antes de uma voz masculina começar a visita guiada. É só uma voz que, neste caso, salta de um telemóvel para os nossos ouvidos, dando-nos as boas-vindas a Viana do Castelo. A cidade do Norte do país é a primeira a beneficiar de percursos turísticos áudio, assentes na georeferenciação e criados por uma empresa de Aveiro. Mas Viana não há-de ficar sozinha.

Pode escolher o seu próprio percurso ou seguir o trajecto que o mapa elaborado para o projecto Escutar Portugal - Pare, olhe e escute lhe faculta. Optamos pela segunda opção e encaminhamo-nos para o fundo da Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, junto ao rio Lima, onde recebemos o tal vira minhoto, a mensagem de boas-vindas e uma pequena introdução sobre a história do município, antes de arrancarem as descrições locais.

"No ponto em que se encontra iniciará a sua visita pela riqueza histórica desta cidade." A promessa é feita pelo guia sem corpo que, graças à tecnologia desenvolvida pela empresa RN2S, pode ser transportado para todo o lado. Mal chega a um dos locais identificados no trajecto turístico de Viana do Castelo, o equipamento reconhece o seu posicionamento e fornece algumas informações básicas. Fálo com o Gil Eannes, lembrando o percurso do navio transformado em hotel, que serviu como barco-hospital, correio, abastecedor, rebocador ou quebra-gelo durante as longas incursões de pesca portuguesa no Canadá, em busca do bacalhau. E, mais à frente, fá-lo também com o Forte e a Torre da Roqueta, meio escondidos, junto aos estaleiros navais da cidade.

O resto é consigo. Depois de ouvir a descrição áudio do espaço em que se encontra, pode passar adiante, ou parar, entrar e visitar os locais propostos. Uma das vantagens do áudio-guia é que não é obrigado a seguir ninguém ou a percorrer a cidade ao ritmo dos outros - como tantas vezes acontece quando se inscreve numa visita guiada. Também pode optar por não ver tudo no mesmo dia, guardando partes do trajecto para outra altura.

Há turistas a bordo do Gil Eannes, mas quase não se vê gente em torno da Igreja da Senhora D''Agonia, mais um dos marcos descritos pelo guia privado. A "festa mais famosa de Portugal comemora-se todos os anos desde 1772 no mês de Agosto", conforme explica a voz junto ao nosso ouvido, e nas ruas de Viana nota-se que a altura chegou. Quando lá estivemos, no início do mês, ainda havia pedaços dos arcos que iriam engalanar as ruas, espalhados pelo chão. Mas hoje, de certeza que já está tudo no sítio, até porque a romaria arrancou ontem e prolonga-se até amanhã.

À medida que o mapa digital do telemóvel (ou o mapa em papel escondido na caixa de madeira, fabricada pelos tanoeiros da Offley, em Arouca), nos vai levando para o centro da cidade, a vontade de parar cresce e há muito mais para espreitar. No Largo de São Domingos, o convento com o mesmo nome está a sofrer restauros no interior, mais do que necessários, dado que a igreja foi edificada "entre 1566 e 1576", conforme aprendemos com o áudio-guia. Se entrar, há-de encontrar visitantes e crentes espalhados pelos bancos de madeira, a rezar, a apreciar o templo ou a fugir do calor que faz lá fora. Seja como for, lá dentro, o mais aconselhável é não fazer muito barulho (sempre é uma igreja), por isso, vai querer ouvir no exterior todas as explicações, incluindo aquela que refere que "em tempos idos, nas duas torres do convento acendiam-se pavios para ajudar na orientação dos barcos na entrada da barra".

A partir daqui, está em pleno centro histórico de Viana do Castelo e o percurso sugerido pela voz que lhe ecoa na cabeça pode prolongar-se por algumas horas. Se optar por espreitar o Hospital Velho, no qual está hoje instalado o Posto de Turismo, e repousar um pouco na Praça da Erva, "antigo espaço de concentração das diligências e do ofício de ferradores onde se pode ver um fontanário dedicado a São João Baptista", vai desfrutar mais do que se se limitar a olhar as fachadas. Daqui são apenas alguns passos até ao largo da Igreja Matriz, e um curtíssimo passeio ao ponto central da cidade, a Praça da República, com o seu chafariz central, o edifício do Hospital da Santa Casa da Misericórdia, a Casa das Varandas, o antigo local dos Paços do Concelho e o Museu do Traje.

Mal deixe a praça não vai ter muito tempo para permanecer em silêncio, porque o equipamento electrónico vai identificar a presença da Câmara Municipal e começará a explicação sobre o edifício "de meados do século XVI" e dos monumentos adjacentes, "as casas das famílias fidalgas de Alpuim e Sá Souto Maior".

O percurso turístico de Viana termina, como não podia deixar de ser, no Monte de Santa Luzia, com descrições dedicadas ao templo e à citânia que está situada a curta distância, nas traseiras da igreja inspirada no Sacré Coeur de Montmartre, em Paris. O conselho é que utilize o funicular, ao qual deve aceder depois de espreitar a Estação dos Caminhos de Ferro, no topo da Avenida dos Combatentes da Grande Guerra (deu a volta completa, reparou?).

Se seguir todos os passos propostos pelo Pare, olhe e escute vai terminar a viagem no Monte de Santa Luzia, junto à Pousada de Portugal, construída no início do século XX. Viana do Castelo está vista. Mas o seu guia personalizado quer deixá-lo com vontade de regressar ao Minho, pelo que a mensagem que lhe deixa não é de "adeus", soando mais a um "até breve". Em português, espanhol ou inglês há-de ouvir o mesmo convite: "Este é o último ponto do percurso urbano da cidade de Viana do Castelo, onde poderá retemperar forças para seguir viagem e descobrir outros recantos, histórias, mitos e lendas que a região do Alto Minho tem para oferecer. Ponte de Lima, Caminha, Valença, Arcos de Valdevez, Monção, Vila Nova de Cerveira e muitos outros espaços escondidos esperam ser o próximo destino."

A Rota das Tascas

Filipe Silva, administrador do grupo Axis, está contente por ter sido possível incluir já, na primeira caixa do projecto Escutar Portugal, uma rota das tascas minhotas. "São locais que vale a pena conhecer e aos quais os turistas não vão, porque não vêm referenciados em lado nenhum", diz. Filipe diz ser cliente de muitas delas.

Se utilizar o GPS para chegar a qualquer uma das oito tascas referidas, não estranhe a voz com sotaque que lhe vai dizendo que vai "entrar na ronda" (entenda-se, rotunda) ou que faltam xis "quilométros" (quilómetros) para "entalão" (então) virar na terceira "sáida" (saída). Mesmo com tantos disparates em português, vai levá-lo ao sítio certo.

Paramos, ao acaso, no Café Beira-Rio, em Estorãos (Ponte de Lima), a 23 quilómetros de Viana do Castelo. É um café sem qualquer traço arquitectónico distintivo, mas com um alpendre sempre cheio de gente da região, junto a um campo de girassóis e a poucas dezenas de metros de uma ponte de pedra, sob a qual o rio com o mesmo nome da localidade corre límpido e recebe as braçadas animadas de alguns banhistas. À hora do almoço, o café pouco mais tem para oferecer do que bifanas, pregos, tostas mistas ou cachorros. Os "petiscos", explica Vítor, o dono, começam às 15h00 e prolongam-se até às 20h00, com destaque para os caracóis. Mas também há moelas, asinhas de frango ou pica-pau.

Ainda em Ponte de Lima, a Rota das Tascas pode levá-lo à Tasca do Gasparinho, ao Pica-pau, à Taberna da Vaca das Cordas ou à Tasca dos Telhadinhos. As restantes sugestões são nos Arcos de Valdevez - a Regional e a Tasca do Delfim -, e em Santa Marta de Portuzelo, já às portas de Viana, onde é possível petiscar na TascaNecas. Filipe e Raquel garantem que todas merecem uma visita.

Como funciona

O guia digital de Viana de Castelo resulta de uma parceria entre a empresa RN2S e o grupo Axis Hotéis & Golfe. Raquel Costa Madureira, sócia fundadora da RN2S, diz ter por objectivo "a massificação da tecnologia" e garante que a Rota de Viana do Castelo e a Rota das Tascas do Alto Minho são apenas as primeiras de um conjunto de guias áudio que pretendem desenvolver. A seguir, diz, há-de vir o Minho, Porto e Douro, Aveiro e Ílhavo. Depois, logo se vê.

As rotas de Viana e das tascas podem ser adquiridas por 49,90 euros, e não vêm sozinhas. Dentro de uma caixa de madeira, gravada com a frase "Produto de Portugal", está o software com as rotas, um mapa em papel, um pequeno livro com fotografias e a reprodução dos textos descritivos e dois vouchers - um, no valor exacto da compra da caixa, para ser descontado em duas noites de estadia no hotel Axis de Viana e outro que permite a utilização gratuita, durante uma hora, da bicicleta turística da cidade, a Bianinha. As caixas podem ser encontradas no Hotel Axis de Viana, no Welcome Centre da cidade ou no site http://www.escutar.eu/, onde também é possível adquirir apenas a rota urbana de Viana pelo preço de 24,90 euros.

A grande vantagem deste equipamento é que o software adquirido pode ser (re)utilizado em Smartphones, PDA, navegador GPS, e telemóveis com sistema GPS, MP3 ou MP4. O inconveniente (que também os há) é que se permanecer durante muito tempo dentro de uma das áreas identificadas no percurso, pode activar o sistema de voz repetidamente e arrisca-se a ouvir a descrição, uma e outra vez, do lugar em que se encontra. Nesses casos, o melhor é desligar. 

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