Fugas - Viagens

A imaginação num cruzeiro nunca navegou tão ao largo

Por Ana Rita Faria

Não é o maior cruzeiro do mundo, mas quase. E quer ser o mais divertido, livre e inovador. Ana Rita Faria embarcou a bordo do Norwegian Epic, o último gigante que se fez ao mar e que só vem para o Mediterrâneo no próximo ano, após uma paragem nos Açores

Quando vemos um gigante com 19 andares, 329 metros de comprimento e 153 mil toneladas à espera no porto, pensamos que nada mais será capaz de nos surpreender depois de embarcar. Ainda para mais quando a indústria dos paquetes turísticos já atingiu há muito a velocidade de cruzeiro. Hoje há navios para todas as idades, géneros, estados civis e preferências sexuais. Seria justo pensar que não há mais nada para inventar. Já existe até um Oasis of the Seas, o maior cruzeiro do mundo, que transporta seis mil passageiros. Quem ousaria ir mais além? Em tamanho, ninguém, pelo menos por enquanto. Mas no que toca a imaginação, os dados estão lançados.

Com capacidade para 4100 passageiros e 1700 tripulantes, o Norwegian Epic tornou-se o último dos gigantes a dar entrada nos mares. Tal como os outros mega-cruzeiros da Royal Caribbean ou da Carnival assombra pela imponência. Mas é na inovação que a nova estrela da companhia Norwegian Cruise Line (NCL) centrou as apostas para conquistar clientes. 

É o primeiro navio a oferecer quartos para passageiros solitários, lado a lado com o maior complexo exclusivo de villas e suites de luxo. Tem o maior spa a bordo de qualquer cruzeiro, os maiores escorregas num parque aquático, o único bar de gelo em alto mar. E todos os ingredientes para fazer com que cada noite a bordo seja diferente da anterior.

Os mais de 20 restaurantes e os 20 bares fazem do Norwegian Epic uma espécie de Las Vegas flutuante. Há um clube de jazz e blues, uma discoteca ao ar livre e espectáculos imperdíveis como os Blue Man Group e o Cirque Dreams & Dinner, um espectáculo circense à mesa do jantar. Tudo envolto numa filosofia de liberdade, em que as obrigações existem para ser deixadas em terra.

Não há limitações de horários para as refeições, muito menos exigência de fato e gravata ou de vestido de cetim para se sentar à mesa. Em vez dos típicos buffets gigantes ao almoço e jantar que são comuns em muitos cruzeiros, o Epic incluiu na tarifa as refeições em 11 dos 21 restaurantes a bordo. Italiano, japonês, rodízio brasileiro, chinês e francês são apenas algumas das ofertas à disposição.

Em termos de itinerários, mantém-se a aposta que é comum a outros gigantes dos mares: Caraíbas e Mediterrâneo. Até Abril de 2011, o Epic irá oferecer viagens de sete noites pelas Caraíbas Orientais, com paragens em Saint Martin, nas Ilhas Virgens norte-americanas e nas Bahamas. No circuito pelas Caraíbas Ocidentais, os pontos de paragem são a Riviera Maya e Cozumel (no México) e as Honduras. Os dois itinerários estão disponíveis a partir de 599 euros por pessoa, a que se tem de somar a viagem para Miami.

Só quando se aproximar o Verão do próximo ano é que a nova estrela da NCL virá para o Mediterrâneo, com uma série de 22 cruzeiros de sete noites com partida de Barcelona, desde 649 euros. As paragens incluem Livorno, Civitavecchia e Nápoles, em Itália, e a ilha espanhola de Maiorca. Mas o Norwegian Epic tem também Portugal na sua rota.

Em Maio e Outubro do próximo ano, ou seja, quando o Epic sair de Miami em direcção ao Mediterrâneo e depois quando regressar ao território norte-americano, os Açores vão receber a visita do cruzeiro. Ponta Delgada é mesmo a única escala do cruzeiro de 11 noites que sai de Miami a 7 de Maio e será também o primeiro ponto de paragem na viagem de 13 noites que parte de Barcelona a 23 de Outubro com destino aos EUA.

Levar o entretenimento ao limite

João Moniz, um madeirense de 22 anos, é o único português entre a tripulação do Epic e um dos responsáveis pela animação no deck da piscina. Além de estar de olho nas descidas nos três escorregas do aquaparque, um deles com 61 metros de altura, ajuda todos os que quiserem fazer escalada numa parede criada para o efeito, além de orientar outros desportos e actividades. 

O jovem madeirense estudou animação sócio-cultural no Funchal e, um dia, através de um amigo da família, viu o seu sonho de trabalhar num navio tornar-se realidade. Em criança, acumulou no currículo oito cruzeiros, todas com a família e sempre pelo Mediterrâneo. Agora, tem a possibilidade de estar nos bastidores de um dos maiores do mundo e ajudar a tornar real a promessa do Epic de levar o entretenimento a bordo a um novo nível.

Além dos Blue Man Group, grupo musical que vai ser o "cabeça de cartaz" do Epic durante os próximos tempos, o Cirque Dreams & Dinner é a coqueluche do navio. O espectáculo de malabarismo e música a acompanhar o jantar prolonga-se durante duas horas e decorre na Spiegel Tent, um espaço que recria uma tenda de circo ao estilo do Cirque du Soleil. Ao contrário dos Blue Man Group, este espectáculo-jantar tem de se pagar à parte (15 a 20 dólares, dependendo do lugar escolhido), mas vale bem o gasto extra, até porque, fora do navio, dificilmente um show do género ficaria por este valor.

Para quem gosta de música, há ainda o espectáculo do Legends in Concert, onde actuam duplos de artistas como Madonna, Elvis Presley e Tina Turner, e a discoteca Bliss Ultra Lounge, onde funcionam também três pistas de bowling. O Spice H2O, que durante o dia é uma espécie de solário voltado para um ecrã gigante, transforma-se à noite numa discoteca ao ar livre, ao estilo dos clubes de praia de Ibiza.

Um espaço imperdível para os amantes de jazz e blues é o Fat Cats Club onde, além de ouvir música, os passageiros têm a possibilidade de pedir emprestada uma guitarra, colunas de som e um amplificador com auscultadores para dar largas ao Miles Davis que há dentro de si. Além disso, há o casino com 1200 metros quadrados e 340 slot machines, que se autoproclama o maior a cruzar os mares. 

A fechar o entretimento a bordo, o Epic apresenta uma novidade: o primeiro bar de gelo em alto mar. No Ice Bar, os hóspedes apenas podem permanecer 15 minutos devido às baixas temperaturas. É necessário pagar uma taxa, que dá direito a um casaco com capuz e luvas e a dois cocktails para aquecer o corpo e a alma.

Das suites individuais ao condomínio fechado

Apesar da esmagadora oferta de bares, concertos e espectáculos a bordo, o Epic não é apenas uma Las Vegas para gente adulta. Como se fosse um resort gigante a deslizar pelas ondas, tenta preencher os requisitos dos mais variados tipos de público. Os que querem animação, de dia e noite. Os que querem descanso nas cadeiras à beira da piscina. Os que querem comer bem e praticar desportos. E os que querem usufruir daqueles mimos que um dia-a-dia esgotante não permite. Para estes últimos, o Epic reservou uma surpresa: o maior spa a bordo de um navio.

O Mandara Spa tem 24 salas de tratamento, uma sauna toda em vidro aberta sobre o mar, salão de beleza e ginásio. Entre terapias, massagens, acupunctura e tratamentos cosméticos pode fazer-se um pouco de tudo, mas por um preço extra. Há inclusive suites próprias para aqueles que querem ficar mais próximos do spa, do mesmo modo que há suites para as famílias, próximas das zonas de entretenimento destinadas às crianças.

Apesar de uma aposta forte nas ofertas de animação nocturna, o Epic não descurou as exigências dos mais pequenos e tem espaços próprios à sua disposição, com pistas de dança interactivas, um pequeno cinema e videojogos para várias idades. Além disso, associou-se à marca Nickelodeon, o canal de televisão para crianças, para realizar vários espectáculos, festas e até algumas viagens temáticas.

Mas a tentativa de inovação a bordo do Epic estende-se também a pormenores menos óbvios: o esqueleto e decoração dos quartos das cabines duplas normais. Decorados num estilo contemporâneo, as paredes dos quartos têm formas onduladas, o que, além de fugir ao habitual, permite à NCL estreitar o espaço de cada quarto e, mesmo assim, oferecer uma daquelas camas king size. Esta concepção de espaço permite ainda à companhia ter mais cabines em linha, todas com uma varanda exclusiva sobre o oceano.

Outra aposta da NCL é a oferta de cabines interiores para viajantes solitários, algo que, até aqui, não tinha expressão no mundo dos cruzeiros. Espalhados por dois decks (11 e 12), os 128 estúdios individuais abrem uma nova janela de oportunidades a quem quer fazer um cruzeiro sozinho. Até agora, os viajantes solitários teriam de pagar o mesmo que um casal paga por um quarto duplo. Estas suites individuais (que, na realidade, têm também capacidade para duas pessoas) têm um preço mais baixo do que os outros quartos.

Além disso, o Epic criou todo um conceito à volta destas cabines individuais, ao dar-lhes acesso privado ao Studio Lounge, um espaço social partilhado pelos hóspedes com bar, televisão e serviço de quartos.

A mesma óptica de exclusividade deu origem a um outro espaço no Epic - o maior condomínio de suites e villas a bordo de um navio da companhia. No total são cerca de 60 acomodações situadas na parte mais alta do navio, com possibilidade de usufruir de pequenos mimos exclusivos: uma piscina privada, sauna, solário, ginásio, dois restaurantes privados, bar e serviço de porteiro. Contudo, ter um recanto privado e, ao mesmo tempo, acesso à gigantesca oferta de um paquete que carrega mais de 4000 pessoas, não é para qualquer um. De acordo com o site da NCL, o preço da exclusividade pode chegar aos 5000 dólares (quase 4000 euros).

Levar fotos para casa sem ter de as tirar

Quer umas férias mesmo a sério, sem pensar em nada, o que incluiu não tirar fotografias? Mas, ao mesmo tempo, gostaria de ficar com recordações do navio e dos momentos que lá passou durante o cruzeiro? No Epic Norwegian, não precisa de trazer mais um peso na mala e, mesmo assim, pode voltar para casa com fotografias para mostrar aos amigos. Como? Através de um sistema de reconhecimento facial.

Antes de embarcar no cruzeiro, os passageiros podem pedir que lhes tirem uma fotografia que será introduzida num sistema de reconhecimento facial. Durante os sete dias e noites pelas Caraíbas ou pelo Mediterrâneo, vários fotógrafos de serviço vão andar a disparar flashes pelo navio e, no final, terá à disposição um DVD com todas as fotografias em que aparece. Por um preço extra, claro.

A aposta na tecnologia para facilitar a vida aos hóspedes estende-se também a outros aspectos. É o caso da televisão interactiva que existe em todas as cabines e permite alugar vídeos, jogar como se estivesse no casino e reservar jantares e espectáculos a bordo. Neste último ponto, a NCL disponibiliza também no seu site reservas prévias, dias antes de o navio zarpar do porto. O navio tem também sinal digital e ligação à Internet. 

Epic em números

#35000:
O Norwegian Epic é feito de 35 mil toneladas de aço, o equivalente a 28 mil carros de média dimensão

#160: Foram precisas cerca de 160 horas para fazer as pinturas coloridas no casco do navio, um trabalho de arte que foi concebido por funcionários da NCL

#20370: Por dia, os 21 restaurantes do Epic servem cerca de 20.370 refeições

#6000: O Ice Bar, o primeiro bar de gelo num navio, usa cerca de 6.000 litros de água para fazer o bar, as mesas, os bancos e as esculturas de gelo

#40000: Aquele que é o maior lustre com iluminação LED a bordo de um navio tem cerca de 40 mil cristais.

#340: O Epic Casino, o maior de todos os casinos a bordo dos navios da NCL, tem 340 slots machines

#762: O ecrã gigante do Spice H2O, um solário que à noite se converte em bar, tem 762 centímetros

NCL, A companhia que ganhou os mares ao proclamar-se livre

São já 44 anos a cruzar o oceano, mas foi nos últimos dois que se deu a grande viragem. Metade do capital da companhia de cruzeiros Norwegian Cruise Lines (NCL), que de norueguesa só já tem mesmo o nome, foi comprada pela Apollo Management, um fundo de investimento norte-americano, por um milhar de milhão de dólares (o equivalente, hoje, a 778 milhões de euros). A outra metade da NCL ficou nas mãos da Star Cruises, do grupo Genting, da Malásia.

À semelhança dos outros fundos do género, a Apollo Management não tinha qualquer tradição no negócio em que entrou. A sua função era injectar capital fresco na empresa de cruzeiros, abrindo assim as portas para que se aventurasse por outros mares. E foi o que aconteceu.

A compra deu-se em Janeiro de 2008 e, em Maio, após um intenso processo de reorganização que implicou cortes de pessoal, mudanças nas rotas, navios e até na estratégia de marketing, a NCL anuncia uma nova era: os cruzeiros "free-style" (estilo livre). Este conceito, que foi levado até ao limite no Norwegian Epic, elimina todas as obrigações comuns numa viagem de cruzeiro. Não há horários para as refeições nem código de vestuário, há dezenas de restaurantes e bares à disposição e uma oferta alargada de entretenimento e de alojamento para preencher todos os gostos e bolsos. Nos últimos anos, a NCL tem vindo a desinvestir dos velhos navios e a construir novos, todos eles adaptados a este conceito free-style.

Mas não é só o conceito de liberdade a bordo que marca a história da NCL. A companhia de cruzeiros, que hoje tem sede em Miami, foi fundada em 1966 com o nome de Norwegian Caribbean Line pelo norueguês Knut Kloster e pelo israelita Ted Arison. As primeiras viagens realizavam-se entre Miami e Nassau num pequeno navio a vapor de 830 toneladas, originalmente construído para realizar travessias de ferry na Europa.

Ted Arison acabaria por deixar a companhia para criar uma nova, a Carnival, que hoje lidera a indústria dos cruzeiros, seguida pela Royal Caribbean e pela NCL. Knut Kloster fez o resto do trabalho sozinho, comprando mais navios e aventurando-se em algumas estreias no mundo dos paquetes.

Em 1979, a companhia, que já se chamava Norwegian Cruise Line (NCL), pode gabar-se de ter operado o maior navio do mundo de então, o SS France. Foi também pioneira em fazer um programa combinado de cruzeiro e avião e em chegar a novos portos nas Caraíbas como Ocho Rios, na Jamaica. Além disso, tornou-se dona de uma ilha privada nas Bahamas para oferecer aos passageiros uma praia exclusiva.

Em 2001, um ano depois de ter sido comprada pela Star Cruises, a NCL voltou a dar nas vistas. Na sequência dos ataques terroristas do 11 de Setembro, que levaram muitos norte-americanos a desistir de voar, a NCL introduziu vários cruzeiros dentro dos EUA, que saíam geralmente de Nova Iorque em direcção às praias da Florida ou das Bahamas, possibilitando assim um meio de transporte alternativo ao avião.

Além disso, conseguiu que o Governo norte-americano lhe desse a exclusividade da operação de cruzeiros no Havai, após satisfazer uma extensa lista de condições, entre as quais ter navios construídos nos EUA, ter tripulação norte-americana e obedecer a várias regulamentos em matéria fiscal e ambiental.

Actualmente, a NCL opera uma frota de dez navios, que percorrem várias partes do mundo, como a Europa, Alasca, Havai, Canadá, EUA, Bermudas e Caraíbas. Segundo as contas da Cruise Market Watch, é a terceira maior companhia de cruzeiros do mundo, com uma quota de mercado de quase oito por cento, atrás da Carnival (a líder, com mais de metade do mercado - 53,6 por cento) e a Royal Caribbean (com 24,8 por cento).

A jornalista viajou a convite da James Rawes (representante da NCL em Portugal)

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