Fugas - Viagens

Luís Maio

A leste da Tailândia mais batida

Por Luís Maio

É a segunda maior ilha da Tailândia, mas está longe do banzé turístico de Phukett ou Samui. Só há uma estrada (incompleta) em Koh Chang, a maior parte da ilha é floresta tropical virgem, as paisagens submarinas em redor são um espectáculo prodigioso.Luís Maio aproveitou para ir para o mar com pescadores de uma aldeia palafita, que já perceberam as vantagens do turismo sustentável

Ainda há bares abertos, mas vê-se mais gente de garrafa em punho junto aos supermercados abertos 24 horas por dia. São duas e meia da manhã e acabo de sair do hotel, à beira da estrada que ziguezagueia paralela à costa ocidental de Koh Chang. Nesta madrugada de aguaceiros intensos, típica do final da monção, o meu destino é uma pequena aldeia, no extremo oposto da segunda maior ilha tailandesa.

Se pudesse seguia em frente, cortando pelo coração montanhoso da ilha, que tem uma largura máxima de 14 quilómetros e se alonga por 30 quilómetros. Mas a única estrada digna desse nome em Koh Chang contorna a orla marítima, não havendo qualquer ligação de costa a costa pelo interior. Na verdade, o anel de asfalto persiste incompleto e falta terminar a ligação entre as duas pontas meridionais. A dificuldade de comunicações é um dos factores que concorre para o tardio e ainda fraco desenvolvimento turístico da ilha, que fica a pouco mais de 300 quilómetros a sudeste de Banguecoque, já muito próxima do Camboja.

A ponta setentrional, onde está o terminal dos ferries e única ligação com o continente, é uma espécie de fronteira da “civilização”. Seguindo a partir daí pela costa oriental, as luzes passam a rarear e a estrada resume-se em vários sítios a uma língua de asfalto irregular, mordida pelo avanço da luxuriante floresta tropical. Não admira, então, se o táxi leva mais de uma hora a atingir Salak Kohk, só para continuar mais uns minutos em frente (até atingir a povoação seguinte e perceber o engano) porque a aldeia nem sequer tem direito a placa na entrada. Quando finalmente atinjo o ponto de encontro certo tenho três desconhecidos e uma lanterna à minha espera, enquanto tudo em volta persiste submerso na mais completa escuridão.

Aventura

Sair para o mar com os pescadores de Salak Kohk não é, porém, um programa de agência, nenhuma excursão regular. Na verdade, é a primeira vez que eles admitem um farang (thai para “ocidental”) nas suas lides profissionais. Será um ensaio para o passo seguinte, numa espécie de campanha de resistência, no sentido de preservar o seu modo de vida tradicional.

Esta experiência é ainda, e em qualquer dos casos, o artigo genuíno, nos antípodas da pesca para inglês ver. Zarpamos da ponta sudoeste de um estreito canal de dois quilómetros de comprimento em direcção ao mar, iluminados por uma lua em discreto quarto crescente e relâmpagos a faiscar na distância, tendo por banda sonora o ronronar da tosca embarcação.

Durante cerca de uma hora é a magia de deslizar placidamente por águas tépidas, evoluindo entre a quietude do rio e a doce embalagem das águas do Golfo da Tailândia. Já ao largo, a meio caminho entre a ilha e o continente, um quilómetro de rede é metodicamente desenrolada, primeiro formando um círculo, depois sulcando as águas a direito, até à bóia de sinalização.

E a seguir nada. Uma vez a âncora lançada e os motores desligados, os pescadores deitam-se na proa a contar estrelas e a adivinhar os barcos nas imediações, apenas guiados pelos ruídos dos respectivos motores. A diversão acaba finalmente com as primeiras luzes do amanhecer, quando um dos homens se levanta para recolher as redes do mar e os outros dois ganham posição para organizar a colheita.

Camarões e caranguejos vão para dento do balde, o peixe miúdo e uma ou outra lula são lançados a eito no convés, ou simplesmente borda fora. É um trabalho monótono, largamente compensado pela fartura e tamanho generoso do marisco capturado. As mãos calejadas sabem de cor como sacar os bichos presos nas redes, enquanto os olhos poisam hipnotizados na extraordinária beleza da paisagem insular iluminada pelo sol nascente.

Revela-se primeiro a face oriental da ilha dominada por um colar de altas colinas arredondadas, forradas de cima a baixo por densas florestas húmidas. Setenta por cento de Kho Chang, incluindo todo o seu miolo montanhoso, é floresta classificada e absolutamente virgem. A não ser que se arrisque o trekking sem pistas até ao cume de Khao Jom Peasat o ponto mais alto da ilha, que se eleva a 744 m de altitude o balcão privilegiado para contemplar esta formosura é mesmo o mar. De volta ao rio muda o cenário, mas regressa o encanto, na circunstância sob a forma de exuberantes mangais, que se destacam entre os mais bem conservados do Sudeste Asiático.

Resistência

Pouco passa das seis da manhã quando ancoramos na precária ponte de estacas sobre as águas do rio, que serve de rua principal a Salak Khok. A aldeia habitada por uma centena de famílias ainda está a despertar, mas para mim já é altura de recolher à base.

Regresso a meio do dia seguinte, para encontrar toda a gente, dos mais velhos aos mais novos e de ambos os sexos, ocupada em actividades que vão do restauro das embarcações ao amanhar de peixes e mariscos. Toda a gente não, uma vez que nem todos em Salak Khok encontram no mar o seu sustento.

Sessenta por cento dos nativos dedica-se à pesca e afins, ou seja, a maioria, mas 30 por cento cultiva os campos em volta (sobretudo borracha, ananás e cocos), enquanto os restantes dez por cento estão empregados no turismo. É esta última actividade, justamente, que me traz de volta à aldeia palafita: tenho reservado um passeio de gôndola que pode ser descrita como uma versão rústica local das famosas embarcações de Veneza, ou em alternativa num caiaque sit on top, sempre pelas águas do canal emoldurado por mangais.

Mal esboço a aproximação ao ancoradouro, no entanto, desabase uma dessas chuvadas que se diria prenunciarem o dilúvio. Acaba por não ser uma contrariedade maior, quando o percurso fluvial anunciado não é muito diferente do que realizara um dia antes para chegar ao mar.

Em compensação fico à conversa com Mister A. (na Tailândia toda a gente tem nomes enormes, mas é conhecida por uma ou duas letras), o mentor do projecto, que se presta a explicar-me os detalhes.

A exploração turística do mangal arrancou há seis anos, motivada pela procura de estrangeiros que apareciam na aldeia à pergunta de autenticidade e marisco fresco. A comunidade estava pronta a acolher visitas, mas sem forçosamente mudar de vida, ou seja, sem prescindir da pesca como sua actividade principal.

O aluguer de embarcações e a promoção de visitas mais ou menos guiadas pelo mangal apareceu como a opção para Salak Khok se subtrair à caricatura de si mesma ou ir pelo mesmo caminho de Bang Bao, aldeia palafita no extremo oposto da ilha, onde as antigas cabanas de pescadores são agora estendais de artesanato tailandês barato, produzido em série. Ameaças para o sucesso desta alternativa sustentável são, por um lado, as ofertas de compra de terra por parte de especuladores imobiliários e as explorações de aquacultura já instaladas à beira do canal. Estas shrimp farms (quintas de camarões) descarregam químicos e mais dejectos na baía, poluindo as águas e pondo em risco todo ecossistema dos mangais.

Dieta

Os passeios de gôndola e de caiaque são por enquanto, ou apesar dessas ameaças, um triunfo da iniciativa local, tanto que até o maior hotel nas imediações quis imitá-los. Essa concorrência entre vizinhos, no entanto, não fazia qualquer sentido quando o Spa Resort Koh Chang se propôs como um modelo de boas práticas e de turismo sustentável.

Agora é o próprio hotel que encaminha os seus clientes para a aldeia palafita. O negócio principal deste hotel é a “desintoxicação”, ou num sentido mais prosaico o tratamento de pessoas com problemas de obesidade (a clientela vem na maior parte das Ilhas Britânicas).

O programa mais comum dura dez dias e inclui uma combinação de jejum, sumos naturais e clisteres, complementados por ioga, meditação e massagens.

O restaurante já foi citado na imprensa inglesa como um dos melhores vegetarianos do mundo, mas esse título é no mínimo exagerado. A verdade é que parece um desperdício, ou mesmo um acto de masoquismo, vir fazer férias de sacrifício num lugar muito semelhante a um paraíso na terra.

O Spa Resort Koh Chang é formado por um esplêndido conjunto de cottages organizados em socalcos, bordados por canteiros profusamente floridos, em redor de uma pequena enseada fluvial, na outra margem rematada pelo mangal e cercada a toda a volta por floresta tropical. É seguramente um dos hotéis mais feéricos da Tailândia.

Mergulho

Koh Chang designa a ilha maior, mas também o arquipélago de 52 disseminadas ao largo da província de Trat. A costa ocidental da ilha oferece uma notável sequência de praias, mas nunca muito longe de um empreendimento turístico.

Praias mais selvagens e alguns dos bancos de coral mais bem preservados do planeta encontramse, porém, no sul mais remoto do arquipélago. Decido, portanto, embarcar pela segunda vez, desta feita num dos muitos barcos de pesca adaptados a excursões marítimas, atracados ao antigo ancoradouro palafita de Bang Bo.

Ou a companhia que escolhi (ao acaso) era melhor que as outras, ou em Koh Chang os cruzeiros de recreio ainda estão na idade da inocência. É, em qualquer caso, um bom negócio: paguei 12€ por um dia de navegação (saída às 9h00, regresso às 18h), incluindo transferes de/para o hotel, empréstimo do equipamento de mergulho de apneia, duas refeições quentes, águas engarrafadas e café à discrição. Mas principalmente o programa oferece nada menos de quatro paragens para desfrutar sem quaisquer restrições de tempo ou outras de santuários naturais de uma beleza de cortar a respiração.

A primeira escala é ao largo de Koh Wai, ilha-montanha de média dimensão, totalmente coberta de floresta e bordejada por uma estreita língua de areia sitiada de coqueiros. Meia dúzia de bungalows singelos, camuflados pela floresta, completam o quadro numa ilha onde deve haver tão pouco para fazer que os hóspedes se entretêm a compor espantaespíritos com conchas e restos de corais, suspensos das árvores. O barco atraca junto a um pequeno molhe e toda gente mergulha em águas transparentes e tão ou mais quentes que o ar que por estas latitudes se respira.

Para já não há corais à vista mas uma multidão de peixes miúdos e multicolores aproveita para cercar a embarcação mal se lançam à água umas côdeas de pão. Seguese o almoço e a socialização de fato de banho molhado e prato de plástico na mão. Começo por meter conversa com um casal de médicos reformados da Sibéria, bem conservados e com metade das dentaduras em ouro. São uma simpatia e insistem várias vezes para que me enfrasque com eles, mas não falam nada que eu entenda. Vamos desenhando aviões, ilhas e palmeiras em jeito de diálogo, até que um jovem musculado em cuecas em vez de fato de banho e Moleskine na mão se presta a desempenhar o papel de tradutor.

O inglês dele é cantarolado à maneira francesa e não demoro a perceber que ele é de Paris, mais precisamente do 18ème. Está na segunda etapa de um ano de férias sabáticas pré-universitárias, que começou no Camboja, onde me informa que meio mundo vive em bairros de lata e os órfãos a pedir na rua são mais que as mães. Até que me passa para as mãos a câmara descartável para o fotografar a dar um mortal sobre as águas, proeza que aproveito para meter conversa com duas adolescentes muito tímidas sentadas ao fundo do barco, uma branca como a cal e com uns quilitos a mais, a outra de feições orientais e ultra elegante. Muito mais vestidas que os demais e sem tiraram os olhos da embalagem de salgadinhos que trouxeram para a sobremesa, explicam-me que uma é australiana e a outra tailandesa, mas que se tornaram inseparáveis num campo de férias na Nova Zelândia. Não dizem grande coisa, mas pelo menos coram e fartam-se de rir.

Às tantas já somos todos amigos, quando voltamos a mergulhar, desta feita em torno de pequenos ilhéus, pouco mais que bancos de escolhos à flor da água, mas em redor dos quais se desenvolve uma prodigiosa vida marinha. Em águas azul-turquesa, variando entre os cinco e os vinte metros de profundidade, sempre com visibilidade integral, divisa-se uma constelação de corais tanto duros como moles, esponjas violetas e jardins de anémonas frequentados por um sem número de peixes de todas as formas e feitios. Há peixes-papagaio, peixes-borboleta, peixes-palhaço, garoupas vermelhas, enormes caranguejos e mais um batalhão de espécies exóticas, executando um aparatoso sortido de batalhas e coreografias marinhas. Vem à memória o Nemo, o capitão Cousteau, mais os documentários da vida aquática e é tudo verdade, ou mais real ainda nas águas abençoadas de Ko Chang.

INFORMAÇÔES

Como ir

O estatuto de reserva marinha garante que nenhuma ponte rodoviária pode ser construída entre o continente à ilha. Assim sendo, o acesso faz-se exclusivamente por ferry, percurso que demora entre 35 a 40 minutos, entre o porto continental de Laem Ngop e os dois terminais insulares, na ponta norte de Koh Chang. O trajecto custa 3€ por pessoa, 5€ por carro. A cidade mais próxima é Trat, com ligações aéreas duas a três vezes por dia com Banguecoque (50€ por voo, telefone: +66 39551654), em breve também com Samui. Mais lento e muito mais barato é viajar de/ para Banguecoque de minibus (8€, quatro horas e meia) ou de autocarro tradicional (5€, seis horas), a partir de Ekamai, a estação oriental da capital, ou Morchit, a estação norte (telefone da central: +66 897525732). A vantagem da carrinha é que não se fica pela cidade, mas segue até ao cais de Laem Ngop. Da fronteira com o Camboja também parte um autocarro para Trat, viagem que fica em 3€.

Onde ficar

A costa ocidental da ilha é um longo bordado de unidades hoteleiras com acesso mais ou menos directo às praias. Vai do alojamento básico para mochileiros à razão de 20€ por noite ao luxo a preços suaves para bolsos ocidentais. Digamos que por 100€ já se fica mais do que bem instalado. Quase todos os estabelecimentos seguem uma arquitectura de cabanas sobre pilotis, grosseiras nos mais baratos, ultra-estilizadas no segmento luxo. É estranho mas é assim mesmo: há poucos alojamentos que não sejam bungalows, mais raros ainda os que praticam preços intermédios.

Na costa oriental escasseiam os lugares para ficar, com a notável excepção do supracitado e muito recomendável Spa Koh Chang Resort (15/4 Moo 4 Baan Salak Kok, tel.: +66 39 553091/2; http://www.thespakohchang.com; preços muito variáveis consoante a modalidade de estadia e tratamentos). Na aldeia piscatória de Salak Khok não há sítios para ficar, mas na também palafita Salak Phet, um pouco mais a sul, encontram-se resorts para mochileiros na base dos 30€ pela primeira noite, a descer sempre a partir daí.

Onde comer

Um quilo de camarão comprado aos pescadores de Salak Khok custa 9€. Um jantar preparado na aldeia, rematado por passeio de gôndola ou de caiaque pelo mangal, são 30€.

De resto, os melhores sítios para comer bem e barato na ilha são os restaurantes de fondue vietnamita à beira da estrada. Custa quatro euros por pessoa, come-se tudo o que se quiser, só é preciso ir buscar os alimentos crus (vegetais variados, tofu, frango, lulas) e pôlos ao lume.

A Fugas viajou a convite do Turismo da Tailândia

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