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Bebés Kampa

Bebés Kampa Luís Maio

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Praga: A controversa arte pública de David Cerný

"Tanque Cor-de-Rosa" e "Entropa" são os picos de polémica em vinte anos de uma carreira toda ela marcada pela intenção de forçar uma reacção qualquer tipo de reacção, do sorriso à revolta da parte de gente que, de resto, não se interessa por arte. Se a história e o imaginário checo são o seu domínio de eleição, já em termos conceptuais Cerný andará mais perto das actuais celebridades da arte britânica. O gosto pela intervenção pública e pela subversão dos clichés aproxima-o mais directamente da arte de rua praticada por Banksy. Mas as suas composições grotescas à base de bonecos de plástico também não são destituídas de analogias com a obra dos irmãos Chapman. Já o seu Saddam Hussein (2005) é uma clara recriação do famoso tubarão em formol de Damien Hirst .

Em qualquer dos casos, Cerný é o artista contemporâneo que mais decididamente tem contribuído para mudar a face de Praga, ou para contrariar a tendência da capital checa para se converter num museu a céu aberto. Ao mesmo tempo, Cerný é um dos raros artistas checos actuais a ganhar projecção internacional, estatuto alcançado já antes de "Entropa" com "Passeando" (1996). Esta imagem de Freud (nascido na Morávia, em solo checo) de tamanho real, suspenso num mastro por uma só mão, foi primeiro pendurada a 15 metros de altura, numa exposição na Villa Richter, em Praga. Ora uma segunda cópia saiu do mesmo molde para decorar edifícios em Berlim, Londres, Estocolmo e várias cidades nos Estados Unidos, ou seja, para andar em "tournée" como uma estrela rock. O original está agora permanentemente ancorado no alto da esquina formada pela Husova e a Skorepka, numa área já marginal aos circuitos turísticos de Staré Mesto, a baixa de Praga.

Choques e sorrisos

A obra mais visitada de Cerný em Praga só pode ser "Mijo" (2004). Duas estátuas masculinas urinam frente a frente, na cidade velha, mesmo à entrada do museu Kafka. São feitas de discos de bronze sobrepostos e integram um mecanismo que lhes permite verterem águas em várias direcções, sem extravasar o tanque em que assentam. Tem a ver, segundo o autor, com os hábitos pouco civilizados das noites de copos nas cidades da Europa de Leste, mas também com a demarcação de território praticada por algumas espécies animais. Conotações que são porventura demasiado subtis para o desfile de excursões que diariamente visitam estas "estátuas da vergonha", celebrando a substancialidade dos membros erectos e lançando-lhe moedas para dar sorte. O grau de loucura e de imprevisibilidade de conduta dos turistas é o mais alto de Praga, sobretudo quando os informam que as estátuas podem urinar as mensagens que lhes enviarem por SMS.

Outra peça de Cerný que se converteu em nova atracção turística de Praga é "Santo Venceslau" (1999). Primeiro instalada ao fundo da praça mais famosa da cidade, alinhada com a emblemática estátua equestre do símbolo por excelência da nação checa, representa-o também montando um cavalo, simplesmente o animal está morto e virado ao contrário. Esta colossal subversão da iconografia nacional acabou permanentemente instalada no átrio da vizinha galeria Lucerna, sob uma belíssima cúpula envidraçada ao estilo Arte Nova. Os frequentadores desprevenidos da galeria ficam estarrecidos, os turistas acabam por se perder na tradução e mesmo os checos parecem ter dificuldades em explicar ao certo do que se trata.

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