Fugas - Viagens

Manuel Roberto

Portugal dos Pequenitos - Um país velho para gente nova

Por Maria João Lopes

Existe há décadas e continua de pedra e cal no imaginário dos portugueses. A Fugas perdeu-se no meio de catraios de palmo e meio e recordou o encanto daquelas casas em miniatura que passam de geração em geração. Algum dia deixarão de deslumbrar a pequenada?

Especial: 10 Viagens em Família
 

O dia está de Verão. Um sol quente e uma luz intensa iluminam um dos parques mais frequentados de Coimbra. Lá dentro, ouvem-se risos altos, gargalhadas e gritos de entusiasmo. Tudo indícios de que há crianças que correm de um lado para o outro. Barulho, calor e muita agitação. Quase parece impossível, mas o Portugal dos Pequenitos não passa de moda. Erguido há décadas pelo médico Bissaya Barreto, continua a atrair gente de palmo e meio de todo o país. E não só.

Chegam pela mão dos pais. Passam a entrada, picam o bilhete para um mundo de faz-de-conta. Vão chegando, uns atrás dos outros. Ao colo, em carrinhos, em passos ainda trôpegos e inseguros, já crescidinhos com chapéus floridos, mochila às costas. O calendário marca 25 de Abril e os pais aproveitam o feriado para se meterem a caminho. Há famílias que se deslocam de vários pontos do país, do Norte ao Sul. Até da vizinha Espanha. De repente lá dentro, tudo é colorido e maravilhoso. E ninguém quer saber que o parque já tem décadas, que foi construído em 1940 e que, defendem alguns, passa uma mensagem de um Portugal do "antigamente". Um exemplo? Num azulejo na Casa da Beira Alta, lê-se: "Do homem, a praça/da mulher, a casa". A apologia de um Portugal conservador e rural, por um lado, colonial, por outro.

A directora da Cultura da Fundação Bissaya Barreto instituição responsável pelo espaço -, Isabel Horta e Vale não concorda com as críticas que, por vezes, se fazem ao Portugal dos Pequenitos, segundo as quais representa uma certa ideologia própria do Estado Novo. "Não concordo. Representa, sim, a história de Portugal na sua essência e monumentalidade. Efectivamente, foi feito em 1940 por Bissaya Barreto, que tem uma obra muito vasta virada para a criança. É um parque que ele gostaria que fosse para aprender e para brincar", diz.

O segredo é a dimensão reduzida é tudo feito à medida delas, das crianças - e a fidelidade com que aquelas casinhas e monumentos são representados. É um universo de ilusão e sonho criado de forma muito séria, como diz Isabel Horta e Vale: "Isto é de pedra e cal, mas é, ao mesmo tempo, um mundo faz de conta, no qual as crianças podem entrar e abrir uma janela..."

Por isso, atrai tanta gente. Isabel Horta e Vale salienta que há 400 a 500 mil visitas por ano. "O Portugal dos Pequenitos é conhecido mundialmente. É muito visitado por estrangeiros ao longo do ano. Há muitos espanhóis na Páscoa, por exemplo."

Testemunhos de todas as gerações

Sem mãos a medir, na entrada, a recepcionista vai orientando os visitantes. Recebe os bilhetes, atende o telefone. "Não é de Coimbra?", pergunta a quem está do outro lado da linha. "Sim, vem por aí e depois sai em Taveiro. Estamos abertos todos os dia,s menos no Natal e em Janeiro..." Não é só de vários pontos do país que, todos os dias, chegam pessoas ao Portugal dos Pequenitos. Partem também do estrangeiro para visitar o famoso parque. Lá dentro, ouve-se espanhol. Ana Belén está num grupo de adultos, no qual há apenas uma criança. Viajou de Valladolid até Fátima e aproveitou para visitar o parque temático.

Já de Portugal, são centenas de pessoas a passear no parque. Inúmeras famílias aproveitam o feriado para mostrar aos filhos aquilo que elas as mães e eles os pais também já viram quando ainda andavam pela mão dos adultos. Maria do Céu Pinto é avó da Leonor, de 3 anos, e do João, de 2 anos. É a primeira vez que os pequenos estão no parque.

A avó garante que eles estão a gostar: "Claro que estão a gostar, isto nunca passa de moda!", afirma. Ana Freitas, 39 anos, veio de Viana do Castelo para passar o dia no Portugal dos Pequenitos, com o marido e com o filho, o Nuno. Com apenas quatro anos, está empoleirado numa das janelas do Mosteiro de Alcobaça. Quando lhe perguntamos se está a gostar, esconde-se entre as pernas do pai, não quer falar..."Está envergonhado, mas está a gostar muito de ver as casinhas pequeninas...", responde a mãe que, quando era miúda, também visitou o parque.

Não vale a pena procurar crianças entediadas. É muito difícil encontrar, dentro do Portugal dos Pequenitos, uma criança que não esteja deslumbrada ou, simplesmente, entretida. Umas sorridentes, outras espantadas. Só o Rodrigo, de 4 anos, insiste em ver animais. Prefere os bichos às casas. "Onde estão os animais?", pergunta, de cinco em cinco minutos. Com uns olhos muito vivos, nada tímidos, e um enorme à vontade, explica prontamente que está a gostar "muito", mas queria "ver os animais": "O jardim zoológico tem animais", elucida-nos o pequeno Rodrigo que está de visita ao parque na companhia de toda a família, natural de Ovar. A mãe, Susana Borges, de 31 anos, diz a rir que viajou com "toda a família". Ao longe, eles acenam: os avós, o pai, e ainda os irmãos do Rodrigo, que continua a não se conformar com a ausência da bicharada.

Fomos perguntar a Isabel Horta e Vale que é feito dos animais que já houve no parque. A directora explica que, depois de alguns visitantes terem protestado contra as condições nas quais viviam os animais, retiraram os bichos do parque. Agora estão a equacionar uma nova forma de os introduzir: "Devia haver aqui animais, porque as crianças já têm dificuldades em saber como é uma galinha ao vivo, um pintainho, um porco, uma cabrinha...", defende a directora.

Mesmo sem animais, todos desfrutam. Sim, tem que se dizer: os graúdos ficam tão excitados como os pequenos. Chamam os filhos, a cada minuto, para mostrar um solar do Minho, uma casa do Alentejo. "Olha esta casinha, que linda!". Pegam neles pela mão, para tirar uma fotografia numa varanda, numa janela, no topo de um castelo... É, como diz Isabel Horta e Vale, um parque para toda a gente, de todas as idades: "Dos bebés aos avós".

Radiografia
Volta a Portugal em 80 minutos

O Portugal dos Pequenitos remonta a uma época em que se fazia a apologia do Império Colonial e isso é visível no parque. Porém, independentemente da ideologia que lhe está associada, o parque é alvo da curiosidade de muitas famílias, portuguesas e estrangeiras. Os mais velhos já o visitaram quando eram pequenos e agora mostram-no aos netos e aos filhos.

O espaço parece imune ao passar dos tempos. A frequência incessante do Portugal dos Pequenitos, ao longo de todo o ano, prova afinal que não passa de moda e que avós, pais e crianças, todas as gerações o têm que conhecer. É mesmo um dos locais mais visitados em Coimbra, a par da universidade, uma das mais antigas da Europa.

O Parque, que Bissaya Barreto quis que fosse simultaneamente lúdico e pedagógico, representa de forma pormenorizada e numa escala reduzida as casas e os monumentos de Portugal. Como se fosse uma síntese dos vários recantos do país, do Minho ao Alentejo. Em tudo que o Portugal tem de mais típico e genuíno, na arquitectura e nos monumentos. "Tem a representação dos principais monumentos de Norte ao Sul, da Torre de Bragança, passando pela Batalha, Santarém, Tomar, Alentejo, Algarve...", diz a directora da Cultura da Fundação Bissaya Barreto, Isabel Horta e Vale, sentada diante da porta da Igreja de Monchique. "Mas houve a preocupação", acrescenta, "de destacar Coimbra e Lisboa, com dois núcleos mais desenvolvidos, que têm mais do que um só monumento".

Por isso, conta Isabel Horta e Vale, há muitos professores que se deslocam até ao local para dar "aulas de História" aos alunos mais pequenos. "Este parque é turístico, e lúdico, mas também pedagógico. Vêm imensos grupos de escolas para ter aulas de história, através dos monumentos. Temos monumentos do século XII, XIII até XVIII", diz. A directora sublinha ainda que "há sempre actividades [lúdicas e culturais] a decorrer" no parque, especialmente este ano em que se comemoram os 50 anos da Fundação Bissaya Barreto.

Neste mundo de miniaturas, que foi o precursor dos parques temáticos para crianças, há ainda espaço para, além das casas tradicionais portuguesas e monumentos mais representativos do país, conjuntos dedicados às antigas colónias. No fim da viagem, que pode demorar 80 minutos, achámos que já tínhamos saudades destas alegres casinhas. Alegres e tão modestas (quanto nós?), como diz a canção.

A origem do parque
Uma história com 68 anos

O parque foi idealizado por Bissaya Barreto, médico e professor da faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra que o mandou erguer, a partir do projecto desenhado pelo arquitecto Cassiano Branco. Foi inaugurado a 8 de Junho de 1940, mas não foi todo construído ao mesmo tempo, tendo sofrido alterações ao longo dos tempos. É composto por três áreas distintas, que correspondem a fases diferentes de construção. A primeira parte do parque foi construída entre 1938 e 1940 e corresponde ao conjunto das casas regionais portuguesas. Inclui solares do Minho e de Trás-os-Montes e casas típicas de várias outras regiões de Portugal. Ali, nada foi descuidado. As casinhas têm pomares, hortas e jardins, corações nas portadas, vasos nas janelas. A este núcleo, pertence ainda o conjunto de edifícios de Coimbra, no qual estão representados os mais emblemáticos locais da cidade.

Foi apenas, porém, na segunda fase que se ergueram os monumentos no parque. Mais uma vez, foram construídas pequenas réplicas de monumentos do Norte ao Sul do país. Já o núcleo que engloba a representação da natureza, cultura, e monumentos dos países africanos de língua oficial portuguesa -Moçambique e Angola -, do Brasil, de Macau, da Índia e de Timor, ficou concluído em finais dos anos 1950. Foi também nessa fase que se ergueram os edifícios respeitantes à Madeira e aos Açores.

Mais recentemente, em 22 de Dezembro de 2003, foi inaugurado um novo espaço ao qual se chamou Relógio do Sol. Desenhado pelo arquitecto João Paulo Revês Conceição, o local distingue-se dos demais pelas linhas modernas. Com o intuito de ser um local destinado a acolher actividades e eventos lúdicos e pedagógicos, o Relógio do Sol possui um escorrega que acaba numa apetitosa piscina de bolas coloridas.

Informações úteis

Portugal dos Pequenitos
Largo do Rossio -Santa Clara
3040-241 Coimbra
Telefone: 239 441 225

Fundação Bissaya Barreto

O que ver

Alguns monumentos: Sé Velha (Coimbra), Via Latina (Coimbra), Biblioteca Joanina (Coimbra), Jardim da Manga (Coimbra), Torre de Almedina (Coimbra), Arco de Almedina (Coimbra), Torre d'Anto (Coimbra), Mosteiro de Santa Clara-a-Velha (Coimbra), Muralha de Santarém, Janela do convento de Cristo (Tomar), Castelo de Guimarães, Paços do Concelho de Viana do Castelo, Palácio Nacional de Sintra, Fortaleza de S. Lourenço (Madeira), Casa de Cristóvão Colombo (Madeira) e Torre da Sé do Funchal
Algumas casas regionais: Solar do Minho, Casa de Trás-os-Montes, Casa de Amarante, Solar da Beira Alta, Casa da Beira Litoral, Casa da Beira Alta, Casa da Beira Baixa, Casa da Nazaré, Casa de Buarcos (Figueira da Foz)

Preços (2011)
Além de preços especiais para escolas, os bilhetes para entrar no Portugal dos Pequenitos, em Coimbra, oscilam entre os 5,50€ e os 8,95€, consoante a época do ano e a idade do visitante.

Horário das Visitas (2011)
De 01 de Janeiro a 28/29 de Fevereiro e de 01 de Outubro a 31 de Dezembro: Das 10h00 às 17h00
De 01 de Março a 31 de Maio e de 16 de Setembro a 15 de Outubro: Das 10h00 às 19h00
De 01 de Junho a 15 de Setembro: Das 09h00 às 20h00
Bilheteiras encerram 30 minutos antes do fecho. Encerrado no dia 25 de Dezembro

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