É uma árvore esplêndida, um enorme e frondoso carvalho, apoiado em pilares de ferro e correntes metálicas. As suas raízes podem estar entranhadas nas profundezas da terra, mas é como um espécime raro exibido numa gaiola de exposição, acompanhado por placa explicativa, cerca de protecção e bancadas na plateia. Chamam-lhe "The Great Oak" ("O Grande Carvalho") e é a maior atracção da floresta de Sherwood.
Será mesmo a árvore mais famosa no mundo inteiro. Tem entre 800 e 1000 anos de idade, pesa 23 toneladas e ronda dez metros de diâmetro, o que entretanto justifica as bengalas metálicas, por sinal nada atraentes. Foram instaladas no início do século passado, já então para evitar que viesse abaixo. A idade e majestade justificam só por si a admiração, mas não é a árvore em si que atrai multidões, antes o que ela simboliza. Porque "O Grande Carvalho" é a árvore que a lenda identifica como refúgio de Robin dos Bosques e dos seus Homens Valentes. O género de diversão familiar, onde se leva os putos a brincar de arqueiros e espadachins.
Isso mesmo nos confirma David, um dos "rangers" que cuidam da floresta e dão apoio aos visitantes: "As famílias vêm para andar nas pegadas de Robin Hood, mas o que nós temos de fazer é proteger a maior concentração de carvalhos antigos da Europa". A verdade é que não apenas a mancha florestal de Sherwood tem vindo a minguar, como os seus carvalhos milenares estão a morrer a um ritmo preocupante.
A floresta e o mito
A floresta de Sherwood nasceu há 10 mil anos, no final da última glaciação. Na Idade Média cobria 40.500 hectares, cerca de um quinto do condado, e era reserva de caça real. David recorda que "a profissão de guardaflorestal não é nenhuma novidade por estas paragens". "Floresta não quer dizer lugar selvagem, mas na raiz designa uma área delimitada e gerida com um propósito. Ora, desde a Idade Média que Sherwood é uma floresta neste sentido, onde não era permitido caçar veados reais, nem cortar árvores e só se podia recolher madeira morta. Quem fosse apanhado com arco e flecha corria o risco de ficar sem dedos nas mãos". O remate é lógico e brincalhão: "De certo modo, portanto, o trabalho de preservação que eu realizo é um derivado dos polícias da floresta medieval".
As punições então praticadas podiam ser cruéis, mas também é certo que a Sherwood medieval era demasiado extensa, densa e labiríntica para ser eficazmente controlada, oferecendo esconderijos perfeitos para os fora-da-lei. Daí nasceram as muitas trovas e romances medievais sobre o "bom ladrão", as primeiras das quais foram propagadas pela tradição oral há mais de 700 anos. O mito de Robin dos Bosques não parou desde aí de crescer, ganhando inclusive um novo impulso com as muitas ressurreições cinematográficas no século XX. "Hoje em dia", declara David, "recebemos 500 mil visitantes ao ano, mas quando é lançado novo filme essa cifra duplica facilmente. Foi o que aconteceu quando, em 1991, estreou ‘O Príncipe dos Ladrões', com Kevin Costner, e o que voltará por certo a suceder com ‘Nottingham', com Russel Crowe, que está anunciado para o ano que vem".
A existência histórica de Robin dos Bosques, no entanto, não está provada -ou melhor, o nome era na época tão popular, servindo genericamente para designar os foragidos, que é virtualmente impossível identificar o original. Lenda ou história com fundo de verdade, o certo é que o sítio onde roubava aos ricos para dar aos pobres sempre foi identificado com a floresta de Sherwood. A ligação ao Grande Carvalho é que já é mais improvável. Explica David: "O tempo das aventuras de Robin Hood é o final do século XII. Ora, ‘O Grande Carvalho' terá nascido nessa época, ou na melhor das hipóteses era então uma árvore jovem. Não constituiria, portanto, grande esconderijo, muito menos um marco distintivo, como são os carvalhos mais antigos, que servem de pontos de orientação".
Magia e regeneração
Os 40.500 hectares da Sherwood medieval são hoje, na maior parte, outra coisa qualquer. O que persiste é um mosaico de bolsas florestais, separadas por explorações agrícolas, parques industriais, urbanizações e zonas ajardinadas. De tal maneira que agora, quando se fala de Sherwood, o que se refere são apenas 180 hectares de bosque, o seu coração antigo, classificado como área de interesse científico em meados do século passado e Reserva Natural só em 2002. Pré-estabelecidos estão três percursos pedonais, o mais curto e mais popular dos quais vai e volta ao Grande Carvalho, enquanto o mais extenso se alonga por cinco quilómetros que, além do bosque, integram charnecas e pastagens.
Mesmo nesta versão reduzida, Sherwood não desilude. Os seus carvalhos plurisseculares, de formas caprichosas e esculturais, destacam-se do espesso arvoredo como figuras encantadas e fantasmagóricas. Na verdade, as árvores vivas tendem a passar despercebidas no espesso arvoredo e são os exemplares já exangues de folhas que se destacam com os seus troncos esventrados, ramos crispados e copas inquietantes. É menos Robin dos Bosques que Branca de Neve, mas sobretudo faz lembrar as árvores animadas de "O Senhor dos Anéis". O problema é que estas esplêndidas naturezas mortas começam a ser em demasia, o que significa que a floresta não se está a auto-regenerar a um ritmo suficiente.
É a preocupante realidade que nos expõe Izzy, a chefe dos guardas da floresta, que aqui trabalha há mais de vinte anos: "Um carvalho precisa de cerca de 300 anos para crescer, 300 para viver e outros 300 para morrer. O problema em Sherwood é que os carvalhos mais velhos estão a desaparecer, sem que os mais novos tenham tido tempo para crescer. Temos umas mil árvores com mais de 500 anos, mas só metade está viva e não mais de 200 em boas condições. Se não interviermos, dentro de 50 anos estarão todas mortas". E porque morrem os carvalhos dinossáuricos de Sherwood? Izzy diz que a causa principal é mesmo a idade, em particular a circunstância de os carvalhos acabarem com o tempo por se vergar sobre o seu próprio preso. É um fim previsível, mas não inevitável, e o programa de recuperação definido pela equipa de Izzy passa por podar as copas das árvores mais velhas, proteger o crescimento das mais novas e reintroduzir gado para calcar as espécies infestantes.
Izzy não vai mais longe, mas fica implícito que a pressão provocada pela invasão diária de visitantes também não contribui para a saúde da floresta -fica implícito quando justamente uma das medidas que ela gostaria de ver concretizadas é a deslocação do centro de visitas e do parque de estacionamento do centro do bosque para uma zona menos sensível.
Para isso e mais, Sherwood candidatou-se este ano aos milhões que a Lotaria Nacional destina a projectos de conservação, mas perdeu. Resta saber onde irá buscar os 19 milhões de euros de que precisa para recuperar o seu esplendor primitivo.
A sombra de lorde Byron
Se a floresta de Robin dos Bosques é a vedeta natural, a mansão de lorde Byron (1788-1824) é a principal atracção arquitectónica do condado de Nottinghamshire. Chama-se Newstead Abbey justamente porque começou por ser um edifício monástico, fundado em finais do século XII. Foi adquirido pela família Byron quatrocentos anos depois, na sequência da abolição do priorado decretada por Henrique VIII. As remodelações depois efectuadas mantiveram, porém, a traça medieval, até que problemas económicos levaram o poeta a vendê-la ao magnata colonial Thomas Wildman, em 1818. Novos acrescentos foram então realizados ao gosto gótico e revivalista da época, convertendo Newstead Abbey numa montra ecléctica de quase um milénio de arquitectura à inglesa. Nela também viveu durante meio ano e deixou algumas memórias o não menos célebre explorador escocês David Livingstone. O fausto da grandiosa mansão é um dos seus encantos; outro é a extensa colecção de memórias da família Byron, em particular do sexto e mais famoso detentor do título. Newstead Abbey funciona quase como casamuseu de lorde Byron, incluindo o modesto quarto que ocupou no então delapidado edifício, mas também uma vasta colecção de objectos pessoais, primeiras edições e retratos, com especial destaque para a "Grand Tour" que iniciou em Lisboa em 1809. É o tipo de colecção que se expõe para celebrar um ícone pop, mas Byron foi provavelmente a primeira figura britânica a ganhar esse carisma. Não admira, assim, que a exibição inclua reproduções das roupas usadas pelo poeta nos mais populares retratos, para os visitantes experimentarem enquanto lhe imitam as poses. Para além do culto de Byron, Newstead Abbey é também a folia dos jardins circundantes, enriquecidos pelas sucessivas famílias aristocráticas que o habitaram. A vasta propriedade inclui uma variedade de lagos, canais e cascatas, entre espécies botânicas dos quatro cantos do mundo, organizadas em pitorescos canteiros temáticos.
A combinação de uma jóia de arquitectura com jardins majestosos e pequenos museus especializados conhece em Newstead uma expressão privilegiada, mas não única no condado. O seu mais directo concorrente é Wollaton Hall, dominado por uma fantasia arquitectónica construída em 1580 por Francis Wiloughby, um dos primeiros milionários da exploração do carvão. Misto de arquitectura medieval e renascentista, foi uma das primeiras habitações aristocráticas desenhadas segundo princípios estéticos, sem preocupações defensivas. O edifício acaba de sofrer um restauro milionário, mas o museu de história natural no interior é vulgar, certamente menos apelativo que os mais de 50 veados que se passeiam em total liberdade nos bosques circundantes. No mesmo género, vale ainda a pena visitar Rufford Abbey, outra abadia do século XII depois reconvertida em casa nobre e agora em ruínas. Não tem a monumentalidade da casa de Byron, mas a mancha verde é mais ampla, alternando áreas ajardinadas com prados e bosques, e os antigos estábulos acolhem um excelente centro de artesanato.
Cidade com estilo
Nottingham tem também uma série de atracções que exploram a lenda de Robin do Bosques, mas está longe de ser um parque de diversões de tema medieval. Um dos principais centros da indústria têxtil durante a Revolução Industrial, hoje renasce apostando nas indústrias criativas, na biotecnologia e na área dos serviços.
O núcleo urbano conta menos de 300 mil habitantes, mas essa cifra mais do que duplica com os subúrbios, que formam a maior conurbação das East Midlands. Nottingham dispõe, para além disso, de duas universidades com 40 mil estudantes, e os arredores estão constelados de casas de campo de gente endinheirada, que vive em Londres ou Manchester. Todos desembarcam, porém, no centro de Nottingham aos fins-de-semana, convertendo-o num dos quadrantes urbanos mais animados e mundanos de toda a Inglaterra.
O espaço público mais concorrido da cidade é Old Market Square. Ostenta o título de maior praça de Inglaterra (22 mil metros quadrados) e dominada pela monumental Council House, uma espécie de réplica da londrina St. Paul's Cathedral. A praça acaba de ser objecto de uma intervenção tão aparatosa quanto polémica, que a dotou de espelhos de água e fontes, além de um novo pavimento em lajes de granito. A Council House alberga um centro comercial de luxo e em redor, em especial no bairro de Hockley Village, encontra-se uma notável concentração de lojas de marca e independentes, que valem a Nottingham o estatuto de quarta cidade em termos de retalho no Reino Unido. Mais a sul, fica o antigo bairro dos têxteis, o Lace Market, agora na maior parte reconvertido num circuito de bares, restaurantes e discotecas.
Tudo isso seria normal, não fosse a extraordinária concentração de estudantes universitários, quadros das empresas e em geral gente jovem, sofisticada, e de altas rendas. O resultado é uma das cenas nocturnas mais cosmopolitas, chiques e efervescentes de Inglaterra -ou mesmo de toda a Europa? Ao sábado à noite, em especial, o centro de Nottingham mais parece um cenário de "O Sexo e a Cidade", com batalhões de mulheres jovens a invadirem as ruas, todas ou quase todas de vestidos curtíssimos, montes de bijutaria cintilante e sandálias (de preferência douradas) de saltos altos. É a perfeita antítese do antigo antro de delinquentes e marginais, exemplarmente retratado nas Galleries of Justice, o antigo tribunal e presídio, agora transformado em museu no coração do mesmo Lace Market.
Seguir na cauda desse "beautiful people" é também uma boa pista para a manhã seguinte. Aponta para um mosaico de selectas zonas residenciais disseminadas pela cidade e arredores, logo a começar por The Park, o elegante bairro vitoriano nas faldas do castelo. A mesma pista também encaminha para uma multiplicidade de zonas verdes e recreativas, com especial destaque para as que se recortam no campus universitário e nas margens do rio Trent, propícias a todo um sortido de actividades desportivas. São o testemunho inequívoco de que a maior pocilga do Império Britânico, durante a Idade Industrial, se transformou numa das cidades europeias com mais qualidade de vida no novo milénio.
Como ir
O aeroporto internacional mais próximo de Nottingham é o de Birmingham, onde há ligações com Lisboa e Faro, operadas pela companhia BMI Baby. 180 € (incluindo taxas) é quanto custa a passagem de ida e volta para Lisboa, se comprada com devida antecedência. A ligação com Faro, no entanto, pode chegar ao dobro. Há vários comboios diários ligando Nottingham e Birmingham. Para horários e tarifas, consultar http://www.networkrail.co.uk/. Nottingham fica, por outro lado, a meio caminho de Londres (1h 20 de comboio) e Manchester (uma hora de comboio).
Informações
http://www.visitbritain.pt/
email: britanico.turismo@ visitbritain.org
Posto de Turismo de Nottingham
1-4 Smithy Row
Telefone: +44 (0) 8444775678
site: http://www.visitnotts.com/
Onde ficar
Hart's
29-31 Standard Hill, Nottingham
Telefone: +44 (0) 115 988190
http://www.hartsnottingham.co.uk/
Hotel moderno e sofisticado, sobranceiro ao Park, o bairro mais chique de Nottingham. O bar e o restaurante (20 metros à frente) contam-se também entre os melhores da cidade. Duplos desde 151€
Colwick Hall
Colwick Park, Racecourse Road
Telefone: +44 (0) 9500566
http://www.colwickhallhotel.com/
Imponente casa de campo georgiana, que chegou a pertencer à família Byron, remodelado em 2004. Fica à beira de um lago, num cenário bucólico, três quilómetros a sudeste de Nottingham. Duplos de 75 a 140€.
Lace Market
29-31 High Pavement, Nottingham
Telefone: +44 (0) 115 8523232
http://www.lacemarkethotel.co.uk/
Prédio vitoriano e decoração requintada, na esquina mais mundana de Nottingham. O restaurante também não lhe fica atrás. Duplos a 188 €.
Onde comer
Sat Bains with Rooms
Lentor Lane, Nottingham
Telefone: +44 (0) 9866566
Cozinha arrojada e deliciosa, única na cidade distinguida com uma estrela Michelin (desde 2003).
Living Room
7 High Pavement, Nottingham
Telefone: +44 (0) 9886870
Cozinha caseira ao estilo dos pubs, mas mais apurada e num ambiente pré-discoteca. Pratos principais a 15€.