O cão dourado e o santo no rio
A multidão avança lentamente em direcção à Ponte Carlos, sobre o rio Moldava. Praga e os seus 1,2 milhões de habitantes recebem mais de quatro milhões de turistas por ano e nenhum deles quer deixar de levar para casa a experiência de caminhar sobre o monumento mandado construir em 1357 pelo rei Carlos IV.
A ponte liga a Cidade Velha a Malá Strana, as mais antigas zonas da cidade. Ao longo dos seus 516 metros de comprimento, há vendedores ambulantes, pintores, caricaturistas, músicos e mimos. Todos pagam uma quota à Associação dos Artistas da Ponte Carlos, uma organização criada nos anos 90 para pôr ordem no caos comercial que estava instalado no monumento e contribuir para o seu restauro. Uma pequena banda toca um tema animado, um casal dança - pequeno baile improvisado. Karluv Most (Ponte Carlos em checo) é uma festa.
Há ainda mais uma razão especial para a popularidade do sítio: a estátua de São João Nepomuceno, uma das 30 estátuas de personagens históricas e bíblicas que o ornamentam.
Na verdade, mais do que o santo, é o cão dourado embutido na base da estátua que atrai os visitantes. Diz-se que quem toca no bicho voltará, seguramente. E não há quem não queira fazer festas ao cão dourado para garantir o regresso à "cidade de ouro" - um dos muitos nomes pelos quais Praga é conhecida. Os pais levam os filhos, os avós os netos e os namorados as namoradas. A fila à frente da estátua é permanente.
Ouvimos várias versões da lenda que rodeia Nepomuceno. Esta é uma delas: vigário no tempo do Rei Venceslau IV (século XIV), Nepomuceno era também confessor da rainha Sofia. Um dia, o rei quis saber se a mulher lhe era fiel, pelo que mandou chamar o vigário para inquiri-lo. Porque se recusou a desrespeitar o segredo da confissão, Nepomuceno foi atirado ao rio. Diz-se que, quando o seu corpo caiu nas águas, cinco estrelas emergiram do Moldava - e por essa razão são cinco as estrelas que ornamentam a estátua.
Guia interactivo da ponte em www.karluv-most.cz
A praga das despedidas de solteiro
Já a vimos mil vezes nos postais, mas ao vivo a Praça da Cidade Velha é mágica: parece um puzzle de múltiplas cores e estilos arquitectónicos. Contudo, é sábado e já nos tinham avisado: a cidade está na moda como destino para despedidas solteiro - de resto, há muito que é procurada por rapazes ingleses que querem um fim-de-semana sem namoradas por perto (com cerveja barata e clubes de "strip" ao virar de cada esquina).
E ei-los que começam a chegar, rosados e eufóricos neste princípio de noite de sábado. A cena que se segue é semelhante a tantas outras. Na Praça da Cidade de Velha pode passar-se horas a ver o frenesim de jovens turistas eufóricos. Um dos grupos é liderado por um rapaz que usa um minivestido rosa-choque, que vai levantando até ao pescoço para mostrar a tanga de cetim verde-alface que veste por baixo. Os amigos riem-se muito, ele também. Caminham pela praça e vão trocando entre si uma garrafa. Os turistas nas esplanadas à pinha seguem o filme. Por momentos, as atenções deixam de estar centradas nas torres da Igreja de Tyn emolduradas pelo anoitecer. E ainda não é hora de dirigir as câmaras fotográficas para o relógio astronómico, situado na torre gótica da Câmara Municipal (de cada vez que o relógio toca, uma multidão de nariz no ar e câmaras a postos tenta apanhar em movimento as figuras dos apóstolos, do Esqueleto, do Turco, do Avarento e do Vaidoso que o ornamentam).
Passam duas raparigas loiras. Os rapazes da despedida de solteiro metem conversa. Elas dão troco. Riem-se e posam para as máquinas fotográficas. Depois surpreendem toda a gente e beijam-se na boca. É o delírio. Os rapazes aplaudem, assobiam, as máquinas fotográficas disparam dezenas de vezes. Na esplanada, alguns turistas (só os homens, as mulheres ficam sentadas) levantam-se também de câmara em punho e abrem caminho para fotografar o beijo das raparigas. A fotografia que se seguirá, essa sim, será a do relógio.
Mais sobre o relógio astronómico em www.czechtourism.com
Cerveja e "goulash"
No país com o maior consumo per capita de cerveja do mundo, pátria da Pilsner e da Budweiser (não a americana, a boémia), experimento a minha primeira caneca checa na fábrica de cerveja do Mosteiro Strahov (fundado em 1142), perto do Castelo de Praga - no coração do centro histórico de Praga, Património Cultural Mundial da UNESCO.
A bebida nacional é barata (meio litro custa entre 70 cêntimos e 1,20 euros), há quase 500 variedades e as cervejarias são, por excelência, ponto de encontro e de conversas. Há-as fumarentas e atarracadas, frequentadas por pessoas de meia-idade, outras com uma clientela mais sofisticada, muito Art Déco, outras ainda como esta, a Klasterni Pivovar, com grandes mesas de madeira cheias de turistas.
As marcas de cerveja mais populares são a Pilsner Urquell e a Budweiser Budvar, mas na Klasterni Pivovar serve-se a cerveja da casa - branca, preta e algumas especialidades que só são feitas em determinadas altura do ano (como no Natal).
Para "acompanhar" a cerveja, segue-se uma "brambora\u010Dka", a sopa de batata - um caldo condimentado, com pedaços de batata e cogumelos ("É a sopa mais característica", explica-nos Lucie Formánová, uma checa com um português impecável, guia turística de profissão. Qualquer coisa como o caldo verde em Portugal.)
A batata volta a marcar presença no prato principal: "goulash" (carne estufada num molho espesso) com "bramboráky", uma espécie de bolo de batata.
Dieta? Esqueça. A gastronomia checa está cheia de molhos deliciosos e muita batata. Mais uma cerveja? Os checos gostam de dizer que há sempre espaço para mais uma. Se pedir Coca-Cola, prepare-se para um encolher de ombros desconsolado do empregado.
Mais sobre a Klasterni Pivovar em www.klasterni-pivovar.cz
Os fantasmas e as festas
À noite, a cidade esvazia-se, as ruas enchem-se de sombras, as estátuas parece que ganham vida. Praga, a cidade do "golem" (ser mítico, que um rabino do século XVI criou a partir da lama para proteger os judeus e que hoje é vendido em cada esquina nos quiosques de "souvenirs") está envolta em histórias de fantasmas, almas penadas e outras figuras misteriosas.
Conta-se que o próprio Nepomuceno terá assombrado as margens do Moldava depois do injusto castigo a que foi sujeito. Claro que a aura de mistério não podia deixar de ser aproveitada para fins comerciais e é possível comprar visitas guiadas à "Praga dos fantasmas".
Como noctívagos mais terra a terra que somos, Lucie Formánkova aconselha-nos primeiro uma filial da famosa Bodeguita del Medio de Havana (com música num volume muito acima do suportável para quem quer conversar) e depois a Praça Venceslau. É nesta que acabamos a noite. A Praça Venceslau foi palco de momentos marcantes da história de Praga: a proclamação da independência da Checoslováquia em 1918; as primeiras manifestações da Revolução de Veludo... Agora, a banda sonora predominante é o pop dos anos 80, há bares, discotecas e muitos rapazes a vender entradas com pseudodesconto e bebidas grátis.
Paramos no Klub Duplex (uma discoteca famosa, como ficarei a saber mais tarde; foi lá que o Mick Jagger fez a sua festa dos 60 anos). Fica a meio da avenida, mesmo ao lado de um do vários cabarés da cidade.
A entrada para o Klub Duplex faz-se no rés-do-chão de um prédio banal e um elevador despeja-nos à beira de uma pista de dança, no meio de um cubo de vidro, no último andar, com uma vista magnífica.
Site do Klub Duplex www.duplex.cz
"Kafkamania"
Boa parte da vida de Kafka foi passada no perímetro da Cidade Velha e do Bairro Judeu. As referências ao escritor estão em toda a parte. E se algumas estão assinaladas com uma placa ou uma estátua, outras nem tanto.
Num terceiro andar de um prédio da elegante Avenida Paris, que desemboca na Cidade Velha, Kafka escreveu "A Metamorfose". Hoje, a Avenida Paris é morada da Gucci, da Hermés, da Christian Dior e da Cartier. Percorrem-na charretes puxadas a cavalos e carros antigos alugados por turistas. Mas há quem vá de propósito procurar o local onde ficava o prédio onde Kafka escreveu a história de Gregor Samsa - o caixeiro viajante que um dia acordou transformado em insecto. E há quem o faça porque não falta quem já tenha traçado roteiros temáticos pela cidade, uma espécie de "siga as passadas do escritor".
A associação a Kafka surge a propósito de tudo. O Gran Café Slavia (hoje com a decoração que lhe foi atribuída nos anos 30, completamente Art Déco) é um dos cafés míticos da cidade, que existe desde 1881, mesmo ao lado do Teatro Nacional, e é eterno ponto de encontro de artistas e intelectuais. Mas qualquer roteiro turístico acrescentará que era também o café de Kafka. A Velha-Nova sinagoga de Praga, em estilo gótico, de meados do século XIII, é a mais antiga sinagoga activa do mundo, mas, como informa o seu "site", "era também a sinagoga onde Kafka ia enquanto viveu em Praga".
O castelo de Praga é o maior do mundo e está cheio de monumentos marcantes, como a catedral de São Vito, Venceslau e Vojtek. Mas o Turismo checo não deixa de lembrar que no n.º 22 do Beco de Ouro, uma pequena rua no castelo onde viviam os serventes da corte e os ourives, "teve o seu escritório o escritor Franz Kafka".
O escritor está, pois, em todo o lado - e também nas lojas de recordações, em t-shirts, canecas, sacos de papel... Para quem quer saber mais, o Museu Kafka fica na zona de Malá Strana.
Museu Kafka em www.kafkamuseum.cz
Como ir
A companhia aérea de baixo custo SkyEurope tem voos directos de Lisboa para Praga, às terças-feiras e sábados, e de Praga para Lisboa, às segundas e sextas-feiras. Preços a partir de 118 euros, conforme a disponibilidade. Do Porto, não há voos "low cost". A TAP voa para Praga com preços a rondar os 340 euros.
Onde dormir
Hotel Barceló Praha
É um hotel de quatro estrelas numa zona residencial tranquila, mas fora do centro da cidade. Contudo, o metro fica perto. Tem cerca de 200 quartos confortáveis e boas vistas (nos andares mais altos), com televisão, ar-condicionado, mini-bar, telefone. O acesso à Internet WiFi é gratuito no restaurante e no bar. O pequeno-almoço é variado. Aceita reservas pela Internet (http://www.barcelo.cz/). Para o primeiro fim-de-semana de Novembro, por exemplo, um quarto duplo, com pequeno almoço, fica por cerca de 75 euros por noite.
Hotel Josef
É o primeiro do "Top 10" dos hotéis de Praga feito no ano passado pelo diário britânico "The Guardian". Chama-se Josef, fica no bairro judeu, onde há várias lojas com roupa de estilistas nacionais e alguns bares simpáticos. É um hotel moderno, com 109 quartos, a maioria para não fumadores, concebido pela arquitecta Eva Jiricna, uma checa que trabalha em Londres. Quartos duplos a partir de 149 euros. Podem fazer-se reservas pela Internet em http://www.hoteljosef.com