Fugas - Viagens

Paulo Ricca

São Pedro do Sul, dentro e fora de água

Por Patrícia Carvalho

O pretexto foram as termas, mas Patrícia Carvalho (texto) e Paulo Ricca (fotos) aproveitaram a boleia para meter o nariz no que mais interessa na região. Depois das massagens e do duche de Vichy, espreitaram a serra da Arada, passaram pela aldeia Aldeia (curioso, não?) e ainda viram os moinhos da ribeira de Contença. Não experimentaram o cabrito de Lafões - e por isso dizem que têm de lá voltar

A zona termal de São Pedro do Sul tem a ambiência peculiar de uma estância de férias. Sentimo-nos assim como se alguém nos tivesse transportado para o cenário do filme Dirty Dancing. Mas sem a dança, nem os bailarinos, nem o calor do Verão. Porque é Outono e os tapetes de folhas coloridas estão acompanhados de um frio de rachar e uma chuva miudinha intermitente. E os bancos de jardim, espalhados pela praça junto aos balneários termais, estão ocupados por mulheres encasacadas. Ainda assim, a atmosfera está recheada de uma calma e de uma ausência do resto do mundo, típicas das estâncias de férias. A sensação que o espaço transmite é a de termos acabado de entrar num parque temático exclusivo.

Ao contrário de várias estâncias termais espalhadas pelo país, em São Pedro do Sul o advento dos spa não foi acompanhado de um frenesim para mudar a oferta dos balneários D. Afonso Henriques (o mais recente e moderno) e Rainha D. Amélia (num edifício do século XIX). Apesar de as maiores termas do país não se manterem à margem dos programas dedicados ao bem-estar - que existem e estão concentrados no histórico balneário Rainha D. Amélia -, a principal função de todo o complexo continua a ser a procura da cura termal. O "turismo de saúde" é, por isso, o caminho que a estância quer seguir. Orgulhosamente e sem ceder a modas. E com a água no centro de tudo.

Ainda antes de se pôr um pé no interior dos balneários, a água assume a preponderância da coisa mais importante por estas bandas. Há, por um lado, o rio Vouga, a atravessar, pacífico, a zona termal, e há - sobretudo - os vapores que a qualquer momento brotam do chão, anunciando a presença da água termal, de propriedades únicas, que chega à superfície a mais de 68 graus, insinuando-se numa nuvem de vapor, na pequena fonte lateral ao balneário Rainha D. Amélia.

É por causa dela - da água termal - que a maior parte das pessoas se desloca a esta zona de São Pedro do Sul, mas a região tem outros atractivos naturais à espera de serem descobertos. "E como as sessões termais não ocupam mais do que uma hora ou hora e meia durante o dia, sobra muito tempo para explorar o mundo aqui à volta", realça José Santos, um dos responsáveis pela divulgação das termas. Uma coisa de cada vez.Vamos à água.

Quente, quentinha

A água está quente e o contacto com o corpo sabe bem. Na piscina do Balneário Rainha D. Amélia não se sente o cheiro sulfúrico que invadira o nosso nariz no exterior, junto à fonte de onde brota a mesma água na qual mergulhamos agora. Há poucas pessoas lá dentro, preparadas para iniciar alguns exercícios lentos dos braços, que uma monitora vai exemplificando. Cumprindo as orientações, aproximamo-nos do extremo da piscina, onde estão instalados os equipamentos de massagem mecânica e preparamo-nos para a hidromassagem programada.

É como se milhares de pedrinhas concentradas numa superfície minúscula nos bombardeassem as costas. A força é tal que tememos que o biquíni seja arrancado e anotamos mentalmente que, para a próxima, é melhor trazer um fato de banho. Mas não há acidentes e enquanto a pressão da água se movimenta ao longo das nossas costas, entregamo-nos a uma acalmia doce, esperando secretamente que tudo isto não acabe em dez minutos e que possamos ficar ali, a receber o apedrejamento vigoroso da água, durante o resto da manhã.

Do outro lado da piscina, três mulheres e um homem continuam a movimentar os braços, até que a monitora dá o exercício por terminado e, chamando cada um pelo seu nome, os orienta para o próximo tratamento. Uma mulher instala-se não muito longe, num outro suporte de hidromassagem mecânica, orientada para as suas ancas e coxas. Outra aproxima-se de uma técnica, deitada sobre a borda da piscina, para usufruir de uma hidromassagem manual.

Anualmente, as termas de São Pedro do Sul recebem cerca de 18 mil termalistas. José Santos garante que o espaço está preparado para chegar aos 40 mil visitantes e recusa aplicar o discurso de quem defende que as termas, sejam elas quais forem, "fazem bem a tudo". Em São Pedro do Sul, a especificidade das suas águas é recomendada para pessoas com doenças músculo-esqueléticas (como osteoartrose, espondilite anquilosante, artrite reumatóide, febre reumática ou artrite gotosa) ou das vias respiratórias (asma, sinusite, rinite alérgica, faringite crónica ou bronquite crónica). Há quem para lá vá ano após ano, à procura de retemperar o corpo por mais um período, buscando o alívio que, de outra forma, só é conseguido à custa de medicamentos. Ou por vezes nem isso. Mas todos os anos há também quem chegue para experimentar pela primeira vez.

Delfina Ribeiro Santos tem um espaço de alojamento junto aos balneários e recebe alguns rostos há anos. Diz que vê muitos chegarem cabisbaixos, abatidos, e que na hora da partida vão irreconhecíveis, como se uma nova vida lhes tivesse sido oferecida.

Maria Sílvia Martins, de 78 anos, é uma estreante e está numa banheira de hidromassagem, no Balneário Afonso D. Henriques, a tentar livrar-se das dores da coluna e da perna esquerda. Chegou a São Pedro do Sul há cinco dias e ainda está à espera das melhoras prometidas. "A coluna está mais ou menos, mas no joelho ainda não sinto nada, continua a doerme", diz. Julieta Teles, funcionária das termas há 28 anos, sorri-lhe e diz-lhe que tem de ter calma. É que para que uma cura termal seja eficaz são necessários tratamentos de 14 ou 21 dias. Maria Sílvia vai ficar por duas semanas; no final, avaliará se vale a pena regressar.

No Balneário D. Afonso Henriques, as cinco piscinas do complexo estão voltadas para uma enorme parede de vidro em frente ao rio Vouga. A água está por todo o lado, dentro e fora do espaço. Há quem usufrua de hidromassagens e há quem faça exercícios. José Santos diz que só deixar-se estar, dentro de água, durante quinze minutos diários, já fará muita diferença na qualidade de vida dos doentes. Neste balneário concentra-se toda a parte de saúde - o núcleo duro das termas. Para quem quer apenas passar um fim-de-semana relaxante e aproveitar as águas de São Pedro do Sul este espaço pode ser pouco convidativo, já que, apesar de ser moderno e luminoso, todo o seu funcionamento nos lembra, de alguma forma, que estamos num espaço de tratamento. Não é um hospital, mas também não parece um espaço onde se vai apenas para receber uma massagem relaxante.

A vantagem é que os visitantes em busca de um dos vários programas de bem-estar oferecido pelas termas não têm de ir ao D. Afonso Henriques, a menos que queiram espreitar a loja de merchandising, no rés-do-chão. Porque toda a área de bemestar está situada no Rainha D. Amélia que, com decoração mais sofisticada e intimista, e espaços mais pequenos, atende uma clientela que o solicita especificamente, ou os visitantes de fim-de-semana, que querem associar uma massagem às propriedades únicas da água local.

Para estes, há hidromassagens (na piscina ou em banheira), massagens de corpo inteiro ou localizadas e massagens com duche de Vichy. Não há cremes de chocolate nem esfoliações de açúcar. Há água, água e água, e ela basta.

Depois da piscina, e já com as costas esquecidas de si próprias, pela força da massagem recebida, trepamos para uma mesa colocada sob as gotas imparáveis do duche de Vichy. Enquanto a água cai sobre o corpo, as mãos da massagista deslizam na fina camada de parafina que vai aplicando na pele. Não admira que mesmo as pessoas que ali vão especificamente por questões de saúde, peçam para que esta modalidade conste dos tratamentos prescritos pelo médico.

É que sabe muito bem. E que importa que nos digam que, por causa da camada de parafina que trava o contacto directo com a água, o duche de Vichy seja o menos eficaz de todos os tratamentos? As termas podem ser um destino de saúde, mas são também de bem-estar. E experimente, experimente mesmo o duche de Vichy.

Fora de água

Fora dos balneários, São Pedro do Sul estende-se em montes e vales pintados de verdes e salpicados de aldeias. A aposta das termas é que quem aparece para experimentar as águas não se vá embora sem conhecer um pouco da região. Na página da Internet das termas, sob o lema A Escolha Natural, há diversas propostas de programas, orientados para três dias de actividades, dentro e fora dos balneários. Se quiser, pode fazer caminhadas, experimentar as propostas do Bioparque, na freguesia de Carvalhais, ou, simplesmente, passear de carro pela região. É só escolher.

Ali ao pé, a serra da Arada é um bom ponto de partida. Na subida para o topo há partes de encostas ainda marcadas pelas cicatrizes deixadas pelos incêndios violentos do último Verão. Mas lá em cima, entre os matizados das cores de Outono, passam, como se não tivessem dono, rebanhos de cabras de cornos retorcidos, e anos de criação da serra desvendam-se perante os nossos olhos, em vales desenhados como se as rochas tivessem sido moldadas com linha e tesoura de uma costureira habituada a fazer pregas em saias.

Depois, em mais uma curva do caminho, surgem os gigantes brancos das torres eólicas e, ao espreitarmos de um pequeno promontório, vemos, lá ao fundo, aninhadas no vale, a aldeia de Pena de um lado e a aldeia de Covas do Monte do outro. É possível chegar lá baixo de carro e fazer caminhadas entre as duas localidades, mas deixamos para outro dia essa experiência, porque, mais à frente, está a capela de São Macário, no topo da serra com o mesmo nome, e o seu altar em pedra construído no exterior para receber a missa anual, no último fim-de-semana de Julho.

Na descida para a aldeia do Fujaco, há arbustos com folhas tão finas e em tão grande quantidade que as suas margens parecem ter-se esbatido, como se não estivéssemos a olhar o arbusto real à nossa frente, mas a ver uma pintura impressionista. E passamos por uma aldeia chamada Aldeia. O Fujaco, como um presépio que se ergue a partir do riacho, ainda tem muitas casas em xisto, que se integram na paisagem como se sempre tivessem feito parte dela.

Do outro lado de São Pedro do Sul, na freguesia de Carvalhais, há mais para ver e fazer. No Bioparque pode-se dormir e comer, gozar as piscinas administradas pela junta de freguesia, fazer uma série de actividades relacionadas com a natureza (como caminhadas, arborismo ou rappel) ou, se preferir, subir, devagar, a estrada que leva à entrada do parque e continuar para lá desta, seguindo, um a um, os dezassete moinhos de água recuperados ao longo da ribeira de Contença. Nesta altura do ano, há água por todo o lado, e os cogumelos despontam em cada naco de relva. Os esquilos hoje não aparecem, mas os medronheiros estão tão carregados do fruto vermelho que este deixa-se cair, atapetando o chão.

O dia passa a correr e é claro que há muito que ficou por ver e experimentar. Apesar de termos comido bem, nem sequer experimentámos o cabrito de Lafões, tão típico da região. Não caminhámos até à Pena. E não experimentámos aqueles quinze minutos extra dentro da água da piscina. O que vale é que São Pedro do Sul não é longe.

Onde dormir

Não faltam ofertas de alojamento na zona termal de São Pedro do Sul.Do Hotel do Parque (o único quatro estrelas), ao fabuloso edifício do INATEL Palace (de momento, com obras de reabilitação), passando pela feia Pousada da Juventude, há muito por onde escolher. A Fugas ficou no Hotel Rural Villa do Banho, com vista para o Vouga e a porta da rua situada na praça fronteira ao Balneário Rainha Dona Amélia. O hotel, com apenas 15 quartos, pertence à mesma família há várias gerações e foi transformado em pensão pelos pais das actuais proprietárias, há décadas. Recentemente foi remodelado e está sob a gestão de três irmãs. Os antigos móveis, utensílios e retratos da família estão espalhados por toda a casa e a comida servida na sala de jantar de arcadas de pedra é "muito caseira"."Feita à nossa moda, como sempre se fez", refere Delfina Ribeiro dos Santos, uma das responsáveis. Se preferir, o Bioparque de Carvalhais também oferece alojamento muito diversificado.

Pode acampar (se quer o nosso conselho, espere pelo Verão para o fazer), pernoitar num dos bungalows do parque, totalmente equipados (até têm televisão e tudo), ou, para um pouco mais de luxo, alugar a antiga casa do guarda. Do lado de fora não imagina o que lá está dentro: um espaço luminoso, decorado com móveis e padrões modernos, um ecrã plano na parede (os responsáveis do parque bem tentaram resistir às televisões, mas os utentes pediram, pediram), cozinha totalmente equipada e - para os períodos mais quentes - um jardim privado onde pode montar uma tenda para as crianças, se elas preferirem a experiência de pernoitar no exterior. A casa tem alojamento para oito pessoas, com os seus três quartos duplos e o sofá cama da sala.


Onde comer

Também não faltam ofertas para comer, entre restaurantes e os salões dos hotéis. Nós experimentámos mais do que uma vez a comida "muito caseira" do restaurante do Hotel Rural Villa do Banho e gostámos. Já agora, se puder, não se esqueça de provar o licor de chocolate caseiro, que é uma delícia.

Se preferir uma experiência diferente - mas muito, muito compensadora - marque um almoço ou jantar no Hotel Rural da Quinta do Pedreno, a quatro quilómetros das termas, e onde também pode dormir. A antiga casa senhorial, com um torreão, foi totalmente recuperada e fica situada num local sossegado, no meio do campo. Os tectos altos em madeira e a estrutura em pedra conferem um ar acolhedor a todo o espaço. As refeições são um caso sério de boa comida. A cozinheira é a mulher do actual proprietário e consta que gosta de inventar sobremesas e de apresentar uma surpresa diferente de cada vez que se sente à mesa. As cestinhas com doce de canela que nos apresentou eram de comer e chorar por mais. E os pratos de peixe e carne? Uma delícia.

Nas termas, para tomar um chá, café, uma das imensas variedades de chocolate quente, ou, simplesmente, para jogar uma partida de bilhar e tomar um copo à noite, passe pelo café/bar Bon d'Jau. Fica na margem oposta àquela onde estão instalados os balneários, colado ao Vouga e directamente voltado para as piscinas do balneário D. Afonso Henriques.

Quando o sol se põe é engraçado observar o movimento que continua naquele espaço, na área de piscinas, enquanto saboreia um chocolate quente e uma torrada nas cadeiras de palha ou nos cadeirões confortáveis do café.

A Fugas viajou a convite das Termas de São Pedro do Sul

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