Os centros urbanos são cada vez mais compactos, fechados sobre si próprios, carentes de zonas verdes. O que falta ao nível do solo é, porém, o que sobra em altura, uma vez que as cidades não param de crescer na vertical. Parece então lógico, mas nada óbvio, que as paredes dos edifícios sejam a nova fronteira do verde. Nada óbvio atendendo a uma série de ideias feitas. Como que as plantas requerem terra por complemento directo, ou que a colonização vegetal dos imóveis conspira para o seu derrube.
É a própria natureza, no entanto, a rejeitar os preconceitos. Há plantas a despontar um pouco em todo o lado, sem o sustento da terra, em locais que vão de cascatas a barrancos, de penhascos a copas de árvores. Na verdade, do que as plantas mais precisam para sobreviver é de água, minerais, luz e dióxido de carbono. Já a terra é um mero suporte técnico. Essa constatação marcou Patrick Blanc, desde que, aos oito anos (nasceu em 1953), a mãe o levou a uma exposição de flores em Paris, onde as principais vedetas eram orquídeas crescidas em troncos de árvores.
A experiência decisiva ocorreu, porém, aos 19 anos, quando passou a sua primeira temporada na Malásia, um país onde há 8000 plantas recenseadas, das quais 2500 crescem sem raízes na terra. De volta a Paris, Patrick especializou-se em botânica tropical, vindo a tornar-se investigador do centro francês de pesquisa científica, ao mesmo tempo que desenvolvia um sistema original de instalar e irrigar muros vegetais. Um sistema que fez questão de patentear, embora ele próprio o descreva mais humildemente como uma tradução do modo de vida das plantas.
Convívio vegetal
Estreado numa parede do Museu da Cidade das Ciências e da Indústria, em 1986, o dispositivo desenhado por Patrick Blanc passou a década seguinte a ser ensaiado noutras fachadas da capital francesa. O sucesso destes primeiros testes levou à sua promoção à categoria de novo emblema turístico de Paris. Seguiu-se a internacionalização e hoje há fantasias verdes da sua autoria nos quatro cantos do mundo, de Nova Iorque a Sidney, passando por Gdansk e mesmo a Amadora. Seguem-se as imitações, de resto já introduzidas por cadeias de artigos de jardinagem do outro lado do Atlântico.
Em breve os muros vegetais estarão em todo o lado e serão provavelmente tão comuns quanto os jardins horizontais. Para já, no entanto, persiste o efeito de magia, o deslumbramento de ver a natureza despontar onde menos se espera. Mas, afinal, o que são estas paredes cobertas de verde? Responde o autor: "Um muro vegetal não é bem um jardim, porque o princípio de um jardim é que se possa circular lá dentro. Uma floresta também não pode ser, porque não há árvores, mas apenas arbustos, os maiores dos quais terão dois metros de altura. Será mais um fragmento de natureza que é trazido para a cidade. Como uma falésia vegetal, dessas que se encontram à beira das cascatas".
O efeito é prodigioso, mas a técnica é bastante simples. Uma moldura metálica é incrustada num muro, de modo a suportar uma folha PVC na qual são aplicados feltros com sementes, excertos e plantas já crescidas. Estas só precisam depois de ser alimentadas por uma solução nutriente, que vai fluindo através de um sistema de vasos capilares, controlados electronicamente a partir do telhado. Há cerca de 20 plantas por metro quadrado, o que torna a estrutura relativamente leve. Os benefícios são a protecção ambiental, o isolamento do ruído urbano e da poluição, mas também paisagísticos, e os muros verticais de Patrick Blanc têm sido frequentemente comparados a obras de arte. µ
O próprio não enjeita essa vertente criativa, mas remete-a para segundo plano, definindo-se como botânico, não como artista ou sequer arquitecto paisagista. "O mais importante é saber escolher as plantas que conseguem viver juntas num determinado espaço, durante muito tempo. Porque se os meus muros vegetais têm tanto sucesso e são tão imitados é justamente porque agora, passada mais de uma dúzia de anos das primeiras instalações, se sabe que funcionam. Só depois vem o aspecto artístico, que se prende com a organização dos desenhos das plantas, a forma que assume cada mancha vegetal, o número de exemplares de cada espécie a empregar, a própria perspectiva segundo a qual as pessoas vão perceber a instalação".
Os cenários urbanos podem variar do museu ao centro comercial, passando pela loja de roupa e o parque de estacionamento, mas a verdade é que a técnica, o "método Patrick Blanc", persiste invariável. Não haverá o perigo da repetição, ou algo de semelhante ao sindroma dos arquitectos estrelas, que desenham sempre o mesmo edifício, seja qual for a cidade? Defende-se o botânico: "Em 15 anos desenhei cerca de 300 muros e não há dois em que tenha usado o mesmo desenho e a mesma lista de plantas. Quando se trabalha com o orgânico, o problema da imitação não se coloca, até porque a mesma espécie evolui de forma diferente em sítios diferentes. Por outro lado, estou sempre à procura de coisas novas e agora aproveito imenso os convites que me fazem para dar conferências nos quatro cantos do mundo e enriquecer as minhas pesquisas pelo caminho. No mês passado fui convidado para ir à cidade do México e aproveitei para visitar uma floresta nas redondezas onde vi plantas que conhecia, mas que não sabia que cresciam nas falésias, de modo que agora vou usá-las nas minhas próximas paredes vegetais. Pouco antes, a caminho de uma conferência em Hong Kong, encontrei finalmente uma planta na Malásia, que procurava desde a minha primeira visita em 1971".
As escolhas do botânico
Pedimos a Patrick Blanc para seleccionar obras suas em Paris, cidade onde primeiro e até agora mais interveio, juntando-lhe aquelas que mais marcaram o seu processo de internacionalização. Acabámos, já se vê, a falar da Amadora.
Pershing Hall, Paris 2001
Edifício típico do Segundo Império, antigo quartel-general das tropas americanas em Paris, o Pershing Hall foi mais recentemente convertido em hotel boutique pela mão da consagrada decoradora Andrée Putman. Foi ela quem recrutou Patrick Blanc para cobrir as paredes do seu pátio interior com uma minifloresta subasiática. Foi o projecto que realmente lançou o botânico, como ele próprio faz questão de frisar: "Até então todas as coisas que eu tinha feito caíam no domínio da arte contemporânea ou da intervenção em museus. No Persing Hall pude, pela primeira vez, intervir na arquitectura, visto que se trata de um prédio tipicamente parisiense com paredes de 30 metros de altura. Por isso foi uma intervenção marcante, que veio trazer algo de novo e mexer com a cidade. Também é curioso, e não destituído de uma certa ironia, que essa primeira intervenção urbana tivesse sido encomendada por uma decoradora e não por arquitectos."
Musée du Quai de Branly, Paris 2005
A fachada totalmente coberta de verde da sede administrativa é o cartão-de-visita e uma das atracções de pleno direito do novo museu de arte primitiva de Paris. São 15 mil plantas de 150 espécies que se conjugam para atapetar uma fachada de 800 m2, que atinge 25 metros de altura. É um dos ícones da "renovação do milénio" na Cidade das Luzes, por isso mesmo acentuada pelo autor: "A grandeza da instalação, a sua localização aos pés do Sena, perto da Torre Eiffel, numa via de grande circulação, tudo isso se conjuga para fazer deste um dos meus trabalhos mais importantes de sempre. Claro que algumas das espécies que empreguei são as mesmas do Pershing Hall, mas a parede do Quai Branly é mais exposta, de modo que houve algumas plantas mais frágeis que tiveram de ficar de fora. Em compensação, no Branly introduzi algumas pequenas coníferas que crescem ao vento sobre as rochas. É a prova de que cada muro tem a sua especificidade e que tudo depende da sua localização."
Rue d"Alsace, Paris 2007
O destaque justifica-se por duas razões pelo menos: "É a maior instalação que alguma vez realizei, ocupando as paredes a todo o comprimento da Rue de Alsace, ruela que liga as gares de Leste e do Norte. É uma ruela de paredes cegas, frente a um conjunto de antigos edifícios ferroviários, recentemente remodelados para apartamentos. Daí a segunda razão do destaque: a cobertura verde dessas paredes surgiu como uma solução para resolver um dilema urbano e acaba por ser bastante impressionante ver uma ruela antiga de Paris assim coberta de plantas."
21st Century Museum, Kanazawa, 2004
National Concert Hall &National Theatre , Taipé, 2007/9
Caixa Fórum, Madrid, 2007
O Museu do Século XXI de Arte Contemporânea de Kanazawa, no Japão, é uma peça de arquitectura excepcional, desenhada por Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa do atelier SANAA (vencedores do Pritzker, no ano passado). Não quer ser apenas um museu, mas também um parque e um espaço de lazer e é neste contexto que se insere a GreenBridge de Patrick Blanc, envolvendo o corredor de vidro que dá entrada no pátio do museu. O autor define-o como "uma espécie de túnel em vidro pelo qual as pessoas circulam com plantas de ambos os lados". "Uma das minhas peças mais artísticas".
Patrick foi também chamado a intervir por duas vezes e em curto espaço de tempo nas duas salas gémeas de Liberty Square, as maiores dedicadas a arte de palco em Taiwan. Primeiro instalou quatro mil plantas de espécies comuns em duas entradas da sala de concertos. Depois foi a vez de uma das portas do Teatro Nacional receber uma cobertura vegetal onde se destacam 230 orquídeas de 25 variedades locais. É um dos projectos preferidos do botânico, segundo as suas próprias palavras, porque "introduzir esse elemento vegetal num edifício chinês completamente fechado, coberto de telha vermelha, é único e bastante inesperado". Os chineses de Taiwan gostaram tanto que passaram a chamar-lhes Sinfonia Verde (National Concert Hall) e Valsa das Orquídeas (National Theater).
Outra intervenção na short list do botânico é a que decora a Caixa Fórum, em Madrid. A dupla de arquitectos suíços Herzog e De Meuron (também vencedores do Pritzker) assinou a conversão da centenária Central Eléctrica do Mediodía num museu e centro de artes. Mas o banco aproveitou para criar também uma nova praça pública à frente do remodelado edifício, fechada a norte pela empena de um prédio de habitação no Paseo do Prado. Foi esta parede que acabou por ser intervencionada por Patrick Blanc. São 15 mil plantas de 250 espécies que não param de causar admiração e de chamar visitantes à Caixa Fórum. O autor explica: "Entre o vermelho da fachada industrial de Herzog e De Meuron e as plantas verdes que eu coloquei na parede ao seu lado, há um jogo fantástico que atrai as pessoas e que também me agrada imenso".
Dolce Vita Tejo, Amadora 2009
Dolce Vita Tejo integra a maior praça coberta da Europa, sendo as suas paredes revestidas a três quartos (900 m2) por um jardim vertical com assinatura de Patrick Blanc. O jardim tem a particularidade de mudar consoante as estações do ano, que são o próprio tema do centro comercial. O autor está orgulhoso, mas também um pouco preocupado com o futuro da sua obra instalada na Amadora: "É o maior muro vertical que fiz até agora em interiores. Na verdade é meio interior, meio exterior e é isso mesmo que o torna tão interessante. As plantas mais vulgares vieram de Portugal, enquanto outras mais excepcionais comprei-as em fornecedores de Paris. Não há propriamente plantas nativas de Portugal, uma vez que estamos em interiores, mas sim espécies tropicais, mais próprias a antigas colónias portuguesas, como o Brasil. Em Maio passado aproveitei ter sido convidado para uma conferência em Lisboa para voltar a esse centro comercial e conversar com o pessoal da manutenção. Fiquei sobretudo irritado por eles cortarem - supostamente por razões de segurança - as plantas, que à medida que crescem vão caindo parede abaixo. Razões de segurança? É um bocado ridículo".
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Site: Vertical Garden