Aviso ao consumidor e declaração de interesses: o vinho que se segue vai ser, de certeza, o melhor do mundo, ou não tivesse sido pisado também pelos meus pés. Chega às lojas no próximo ano, mas a versão Reserva só estará disponível em 2012. Contudo, com esta pisa em lagar de pedra feita com tanto preceito, a procura será tanta que as garrafas certamente nem terão tempo de aquecer as prateleiras de nenhuma superfície comercial. Se no jogo há a chamada sorte de principiante, porque não aplicar o mesmo conceito a uma estreia nas vindimas?
O Vila Galé Clube de Campo encarregou-se de nos fazer mergulhar na tradição da vinha e no vinho e o resultado foi uma bela dor de pernas que, contudo, não tardou a passar. É que este verdadeiro resort rural, a 25 quilómetros de Beja, dá também o antídoto para toda a família: entre actividades ao ar livre, piscinas e spa, é impossível não recuperar da agitação da vida urbana. Leve as crianças consigo, mas prepare-se para uma eventual birra na hora de ir embora.
O caminho até ao Clube de Campo não é demorado, mas a paisagem amarelecida e os animais que preguiçam junto a fardos de palha e que pintalgam o cenário aqui e ali dão logo a sensação de férias e de tranquilidade. De distância em relação à cidade, mas não de demasiado isolamento. A herdade de 1620 hectares é de perder de vista. Uma imensidão que, no entanto, não retira ao espaço o ar familiar e a sensação de que se está em casa.
Os 78 quartos e as três suites juniores, decorados em tons de amarelo e azul, estão em sintonia com os espaços comuns do clube. Parecem mini casinhas com a típica risca amarela e com uma pequena varanda que convida a um livro e a uma bebida com vista para as vinhas o vinho é naturalmente a melhor combinação, seja nas versões branco, tinto, rosé ou licoroso. Se não gosta do "sumo de uva" na sua versão final, pode sempre ir buscar a matéria prima directamente às vinhas e surpreender-se com o intenso e doce sabor dos pequenos e concentrados bagos, muito distintos das uvas de mesa.
São cerca de 127 hectares de vinha que se dividem em 11 castas tintas e seis brancas, e 150 hectares de olival que dão origem aos dois néctares comercializados pela Casa de Santa Vitória, a quinta que pertence ao grupo e que envolve este Clube de Campo da Vila Galé. É uma excelente oportunidade para mostrar às crianças que nada disto nasce nas prateleiras dos supermercados e para as deixar fazer amigos entre os animais. Cães, burros, cavalos, veados, carneiros, lamas e até uma avestruz fazem as delícias dos mais pequenos.
Um burro vaidoso
O preferido da maioria para não arriscar dizer de todos é o Colombo. Este burro cinzento vaidoso sabe sorrir e fazer pose para as fotografias e deixa que os mais pequenos lhe dêem banho. Até tem página no Facebook. Os animais, todos os dias às 11h00, aguardam que os seus amigos de palmo e meio lhes dêem comida e os cavalos estão sempre disponíveis para darem às crianças a oportunidade de verem o mundo lá de cima. O passeio pode, ainda, ser feito numa charrete. Se os seus filhos não alinharem nas vindimas, deixe-os nas mãos do clube Nep. Há desde trabalhos manuais, pintura de barro, minigolfe, ténis, volteios de burro, passeios a cavalo, caças ao tesouro... Mais tarde, pode juntar-se a eles. A maioria das actividades é gratuita e as que são pagas começam nos 3,5 euros. Há ainda passeios mais radicais como jipe, moto4, bicicletas e canoagem, onde os preços já podem ir aos 60 euros.
Como a natureza tem os seus tempos e exigências, este ano os enólogos da Casa de Santa Vitória deram luz verde às vindimas mais cedo do que o habitual. O sol brilhou mais do que nunca e, por isso, o arranque foi feito ainda em Agosto. O programa Um dia na Vindima custa 45 euros e também está aberto para quem não está hospedado no Clube de Campo. Contudo, vai terminar já no dia 26 de Setembro, uma vez que começam a surgir os primeiros bagos secos e as folhas com uma cor já de Outono.
Não percamos mais tempo. É hora de vestir uns calções e uma t-shirt que se possa sujar e pôr mãos à obra. O dia na vindima dá direito a participar em todo o processo. Em geral, começa de manhã e, mesmo assim, o calor seco já faz colar a roupa ao corpo. O passeio até às vinhas permite inalar a natureza e preparar os pulmões para as horas que se seguem. À nossa espera já estão as tesouras e os caixotes azuis onde vamos depositar os cachos de uvas. As indicações são curtas e é lançado o desafio ao grupo para ver quem enche mais depressa o recipiente. Mas a pressa não pode ser inimiga da perfeição: o corte preciso deve ser feito bem junto dos ramos.
A imagem é de verdadeiros corcundas de Notre Dame vergados e a cortar os cachos sem amachucar as uvas ou assassinar um dedo. No grupo houve um lesionado. Mas a solidariedade dos trabalhadores de campo obriga a manter o nome em segredo. Entre umas uvas e as seguintes, cria-se um espírito de diversão e vai-se ganhando alguma rosácea no rosto. Há quem tente roubar algumas uvas dos cestos alheios a ver se podem ir mais cedo para a adega. E, como sempre, há quem se entretenha a experimentá-las. Um conselho: não se precipite a encher demasiado a caixa. No final terá de carregá-la e pode crer que mais de 20 quilos a vincar os dedos são a parte mais difícil. A quinta já usa tractores, mas os estreantes não podem escapar a esta praxe.
Terminado o primeiro desafio, é preciso ir até à adega para passar ao momento alto do dia. Pisar uvas com os pés. Se não é adepto de grandes esforços físicos, acredite que depois do lagar de pedra será recompensado com uma surpresa. Mas não nos antecipemos. À chegada à adega, é impossível não pedir um copo de água. Habituados a caloiros, está tudo preparado para recarregar baterias antes de entrar na missão. Começa-se com uma visita que inclui um pequeno filme que nos mostra como é que a tecnologia e a tradição se aliam neste espaço de três andares e de 5000 metros quadrados. Em todo o percurso, o cheiro alcoólico que está impregnado no edifício tenta entrar-nos pelo nariz e pela boca, mas com o hábito vai parecendo mais suave.
Ao entrar no lagar, é preciso ter cuidado para não mergulhar. A primeira sensação é semelhante a um mar com muitas algas ou ao lodo das barragens. Só apetece saltitar e não se evitam algumas caretas. Mas rapidamente as uvas parecem começar a borbulhar nas pernas e o cheiro a sumo ajuda a descontrair. Os responsáveis vão dando indicações de como pisar. É preciso levantarmos bem a perna esquerda e depois a direita de forma coordenada com todos os elementos do grupo. É quase uma aula de step em versão lenta e ao som de cantares alentejanos que todos trauteamos. Quanto mais se pisa, mais baixa o volume das uvas que vão tingindo a pele de grená, e à medida que andamos pelo lagar percebemos como é mágico este processo de fermentação: há zonas que parecem ter sido aquecidas e outras que estão frias. Quanto ao sabor, superado o nojo inicial, lá se coloca um dedo na boca. Sabe mesmo a um sumo muito doce que deixa antever um bom vinho.
Depois de uma meia hora de perna acima, uma mangueirada rápida de água recompõe-nos. A pele tocada pelas uvas parece de bebé. (Mais tarde podemos estender esta sensação ao corpo todo com um tratamento de vinoterapia no spa, que custa 35 euros para o rosto e 70 para corpo e rosto). Estamos prontos para continuar a visita pelas caves onde estão guardadas centenas de barricas de carvalho francês e para terminar tudo com uma prova de vinhos. É a primeira surpresa.
Segue-se um almoço no restaurante do Clube de Campo o Pavilhão da Caça, com bebidas incluídas e com uma ementa que o pode surpreender com sabores tão característicos como uma sopa de cação, um polvo à lagareiro, ou umas bochechas de porco preto. Isto para não falar no verdadeiro pão alentejano, nos gulosos queijos, ou nas sobremesas que são um verdadeiro pecado. Só a encharcada deve contar toda a quota de ovos a que temos direito num ano inteiro.
Os vinhos são o melhor, ou pelo menos a forma como passamos a olhar para eles. É impossível beber sem os cheirar primeiro e sem adivinhar em cada garrafa as mãos, os pés e algumas tecnologias que contam a sua história. Uma história de que agora fazemos parte.
Hotel Vila Galé Clube de Campo
Herdade da Figueirinha,
Santa Vitória 7800-730
Beja
Tel.: 284 970 100
Fax: 284 970 150
E-mail: campo.reservas@vilagale.pt
Preços: alojamento em quarto duplo, nesta altura do ano, a partir de 80 euros, com pequeno-almoço buffet incluído. Crianças até aos 12 anos não pagam alojamento. Spa com serviços que começam nos 35 euros e que podem ir, no caso dos pacotes, até mais de 200 euros. Entrada gratuita para piscina, jacuzzi e banho turco no dia em que se faz algum tratamento.
Como ir
Do Norte: seguir pela A1 até Santarém; fazer a circular exterior de Santarém, sempre em ligação à A2, até a saída de Beja/Ferreira.
De Lisboa: seguir pela A2, saída em Beja/Ferreira, seguir pelo IP8 até Ferreira do Alentejo; seguir em direcção a Castro Verde e Aljustrel, passando as duas rotundas seguintes; seguir até ao cruzamento de Ervidel/Beja, virar à esquerda no sentido de Beja, seguir até Santa Vitória; na localidade de Santa Vitória, virar nos terceiros semáforos à direita até ao Clube de Campo.
Do Sul: seguir pela A2 e sair para o IP2 em Ourique/Castro Verde/ Beja; seguir pelo IP2, passando por Castro Verde e Entradas e sair em Albernôa; na localidade de Albernôa, seguir as indicações do Clube de Campo.
A jornalista viajou a convite do grupo Vila Galé.