São três gerações a caminhar para o terraço do café-restaurante de Ampriu: avó, filho e neta. É ela que chama a atenção: poucos quilos de gente enfiados num fato vermelho de esqui aninhados no colo do pai. Faltam os esquis, mas na dúvida - esquia? "Não", ri-se o pai, "ainda é muito pequena". São menos de três anos de vida, vividos ali ao lado, melhor, ali em baixo, em Benasque, a povoação que se esconde no fundo do vale da estância de Cerler. Pirenéus aragoneses, portanto.
Neve com fartura, estâncias à procura de um lugar ao sol no universo das férias de Inverno - e não só, mas é Janeiro, e é à procura de neve que vimos. Enrique vem com a mãe e a pequena Elena à procura de um pouco de descontracção. É hora de almoço, os esquis e pranchas de snowboard encostam-se às paredes e às mesas de madeira, o sol brilha intensamente e há quem aproveite para apanhar banhos de sol, vestido com roupa polar. Ali à beira, há um espaço Skity, para crianças, e é para lá que Elena quer ir. Por agora, enquanto não segue a tradição familiar e passa a fazer dos esquis o seu tempo livre. "Não falta muito para começar", diz Enrique. Mesmo sem os esquis de Elena, os três são o retrato do que Cerler quer ser: divertimento para toda a família.
Estamos em Ampriu, sim, mas Ampriu é a estância de Cerler, é uma das suas portas. No parque de estacionamento, carros e autocarros acumulam-se, pelas várias encostas que daqui se observam um movimento infindável de figuras coloridas a ziguezaguear na neve, os teleféricos seguem sem parar até aos picos. Por esta altura, a loja de aluguer de equipamento está em ambiente de descontracção, quando chegámos era um bazar de exigências. E mesmo aqui ao lado, na margem das pistas, a pequena ravina de principiantes (olhando para a paisagem, não lhe podemos chamar pista, por muita boa vontade que tenhamos - e temos mesmo, passámos lá duas horas).
Cerler é uma das cinco estâncias do grupo Aramón, empresa de capital misto detida em 50 por cento pelo governo aragonêse pela Ibercaja - e "um motor de desenvolvimento da região", havia dito o presidente do grupo, Francisco Bono. Daí o investimento, que já vai em 150 milhões de euros desde a formação do grupo, há seis anos. Quando começou, o grupo Aramón dispunha de várias estâncias cujo prazo de validade estava a esgotar-se: instalações obsoletas que não conseguiam competir com a restante oferta espanhola (e europeia). Agora, esse problema faz parte do passado - o domínio Aramón acumula 270 quilómetros esquiáveis, que correspondem a 230 pistas de todos os níveis de dificuldade, servido por 75 meios mecânicos (capazes de transportarem 97 mil esquiadores por hora) e 1100 canhões de neve que asseguram neve em qualidade e abundância. E assim Aramón conseguiu "20 por cento de quota do mercado espanhol de turismo de neve". É a líder. E as suas estâncias complementam-se, proporcionando férias para a família e para os verdadeiros aficionados dos desportos de neve.
Em Cerler estamos nas "montanhas mágicas": é a estância mais alta dos Pirenéus Aragoneses (2630 metros). Mas também estivemos no Formigal, "a maior" - do grupo, sim, e de Espanha (que é como quem diz, da Península Ibérica), com 137 quilómetros esquiáveis. Não os percorremos todos, mas foi por lá que começámos a nossa viagem aos Pirenéus Aragoneses. E não sabemos se foi sorte ou se a publicidade realmente não é enganosa: o sol brilhou quase sempre - e pareceu-nos nós que neve e sol é combinação perfeita.
Jangada de pedra
Quando saímos do Porto, às 8h30 (9h30, na realidade, porque o voo atrasou-se), não imaginávamos que o dia fosse terminar já de madrugada. No Marchica, por insistência dos nossos anfitriões - afinal, o novo bar/discoteca é um dos pontas-de-lança da nova imagem do Formigal. Uma estância de neve, sim, mas com muito mais para além do esqui (e quem diz esqui, diz snowboard). No caso, muito aprés-ski depois de as pistas fecharem, o que acontece às 17h00. Estamos nós a terminar a noite, dizíamos, mas tudo começou mais cedo.
Do Porto para Madrid de avião. De Madrid para Saragoça (cidade-porta-de-entrada para os Pirenéus Aragoneses), no AVE, o comboio espanhol de alta velocidade. Hora e meia que não dá para acabar de ver o filme que passa nos monitores (The Proposal), mas que dá para almoçar (guisado de atum à moda basca, consomé e sobremesa) e para nos perdermos na paisagem que corre lá fora. Há campos dourados e escarpas rochosas com vegetação rasteira e rarefeita; há montes a declinarem tons de terra em formações caprichosas - com a imaginação hipnotizada pela velocidade constante, diríamos atravessar o velho Oeste e minicanyons; os povoados não são de madeira, mas surgem esparsos e por vezes um castelo abandonado assombra a paisagem. Não é o velho Oeste, mas é, definitivamente, o velho mundo.
Em Saragoça estamos na capital da comunidade autónoma de Aragão e a uma hora do destino, avisam-nos (um pouco mais, veremos depois), por enquanto os olhos percorrem a Expo 2008 em busca do pavilhão-ponte de Zaha Hadid. Esforço inglório, ele aparece, longe de mais para se apreciar verdadeiramente. E ao longe já se recortam também as montanhas que avistamos da camioneta: a paisagem vai fechando lentamente, as curvas começam a apertar enquanto passamos por estradas húmidas que dividem paisagens: de um lado, bosques tenros, do outro a aridez rochosa. Começam os túneis e já somos parte da montanha, as encostas de abetos rapidamente desaparecem enquanto mergulhamos na escuridão iluminada de amarelo. E sem darmos conta o nevoeiro está a brincar connosco e de repente já não é nevoeiro, é a noite que assentou algures nos Pirenéus aragoneses, com pequenas povoações que são faróis na escuridão e lagos gelados que desprendem luz azul.
A noite está cerrada quando chegamos ao Formigal e ainda são 18h00. Primeira constatação: não está o frio que imagináramos. Diríamos, aliás, que não está frio para além do óbvio (é Inverno, estamos nos Pirenéus, a 1550 metros rodeados de neve). É o Formigal, portanto, que se ergue à nossa volta, uma povoação construída para apoiar a estância. Edifícios de quatro ou cinco pisos, madeira e pedra, telhados em declives acentuados, que são hotéis e apartamentos, ruas desertas de gente mas plenas de carros estacionados, alguns meios cobertos de neve. Há gelo no chão, mas ninguém se importa, suspensa nesta escuridão branca parece terra encantada. Numa arcada, luzes emanam, são lojas de artesanato e bares. O mais típico, cabinas de madeira à laia de pub, é também o mais cheio - na televisão passa um jogo de andebol, Espanha contra a República Checa, "estamos" no campeonato da Europa, mas não ligamos.
Ligamos, mais tarde, ao jantar, atentos aos pratos típicos, como o rabo de buey e os iogurtes de sobremesa. Percebemos melhor o projecto do Formigal, o projecto da Aramón, por isso não podemos deixar de ir ao Marchica, em Sextas, centro nevrálgico da estância. Cinco minutos de autocarro e estamos na base das pistas, agora só escuridão. E música debitada em altos decibéis, vinda do Marchica, que é feito de madeira reciclada vinda da Áustria e cheira intensamente a madeira. São dois andares em mezanino, pista em baixo com lasers e bola de espelhos. Há alguns resistentes, mas não muitos: os dias começam cedo nas estâncias de esqui.
Esqui para principiantes
Os dias começam cedo e as noites deviam acabar cedo. Mas se assim fosse nunca teríamos olhado a paisagem nevada a brilhar azulada, as pistas sulcadas por luzes amarelas que são os ratracks a alisarem o piso para o dia seguinte, o silêncio quebrado por água que se solta dos pingentes - não está muito frio, sentíramos.
De manhã o vale acorda na sombra - olhamos os picos altos e vemos um brilho pálido. À beira da estrada a neve está suja, mas para lá é alva, manchada de inúmeros pontos em movimento. É para lá que vamos, pensamos. Quase. Os iniciantes - e nós somos iniciantes ansiosos, crentes de que esquiar sempre foi o nosso desígnio - não se vêem da estrada, a sua pista (?) fica mesmo à beira do complexo central de Sextas.
E é por aqui que começamos, para nos equiparmos. Já vimos vestidos para a neve: calças, botas, luvas impermeáveis, várias camadas de camisolas polares que terminam num anorak também impermeável, gorro, óculos de sol e muito creme protector. Falta o equipamento, os esquis e as botas. Ainda não calçamos os esquis, mas já percebemos a dificuldade de caminhar com as botas, um peso morto sem qualquer maleabilidade nos pés. Reaprendemos a andar e arrastamos bastões e esquis sem a elegância de quem passa com eles ao ombro - chegaremos lá, afinal, é o mais fácil. Pés na neve e Alfonso, o professor, ao lado: esquis paralelos para encaixar nas botas. Agora, vamos chegar à pista - por enquanto, os bastões revelam-se os melhores amigos e teremos renitência em largá-los, mais tarde.
Não aprendemos a deslizar, se calhar é um dado adquirido. Aprendemos a deslocar-nos em declives, de lado, esquis sempre paralelos, o lado de dentro levemente enterrado na neve - mais tarde, percebemos, por exemplo de outros, que se subirmos pequenos desníveis com os esquis abertos em "v", durante uns segundos não pareceremos principiantes. Aprendemos os primeiros passos na neve em coreografia lenta. E, entretanto, sabemos que a melhor posição para o esqui são os joelhos flectidos com o corpo a fugir para a frente. No entanto, só no topo do declive - com direito a passadeira rolante para o alcançar - o compreendemos verdadeiramente e aprendemos a travar, pernas afastadas, esquis virados para dentro mas, atenção!, sem nunca se tocarem. Largamos os bastões a medo - mas com eles os braços devem ir afastados do corpo, mão à frente e bastões longe do chão - e afinal até é mais fácil. Mas quando pensamos que já sabemos tudo, temos de aprender a curvar, esquis virados para o lado que queremos seguir, o peso assente em determinado ponto - e joelhos flectidos, o corpo para a frente...
Nas duas horas a subir a descer a pequena colina mal damos conta, sequer, que a neve fez uma fugaz aparição porque estamos a descobrir que talvez exista qualquer coisa como dislexia motora e que uma perna direita pode ser muito rígida, com a rodilla presa. Resultado? Tendência para descer sempre para o lado direito (a sorte é que há um pequeno amontoado e barreiras de plástico a amortecer) e em velocidade digna de um atleta olímpico. Houve tombos, mas eles não são o problema. O problema é erguermo-nos com dois esquis nos pés e numa superfície inclinada. E, depois, aceitar que a aula terminou, tendo tido apenas um relance da liberdade que será descer as encostas que se erguem, multiplicam e escondem para trás de nós.
Vamos subi-las - e descê-las, num teleférico (cujo uso tem uma etiqueta própria e uma velocidade sem complacência para hesitações) e sem esquis, claro. E sem ver um décimo do Formigal, a maior estância de neve na Península Ibérica, 137 quilómetros esquiáveis que se estendem em mais de cem pistas, mais sete itinerários fora de pista, ao longo de quatro vales. A melhor vista foi mesmo da Tratoria Cantal, restaurante em plena pista, a dois mil metros de altitude. Janelas panorâmicas e terraços a toda a volta para a paisagem de postal ilustrado (ora neve imaculada, ora manchada de florestas; ora picos rochosos, ora picos nublados; esquiadores indisciplinados, esquiadores a seguirem um líder) em todos os ângulos possíveis e avistamentos improváveis - como um tipi branco e vermelho num pico distante - é o "Povoado Índio", dizem-nos, outra área de restauração (são 24 em todo a área esquiável) especializada em comidas frias e temperos no "estilo índio puro".
O tempo escasseia e a noite cai cedo nas montanhas. Não, não experimentámos os trenós puxados por cães, nem acelerámos nas motas de neve, mas houve quem o fizesse. E ainda assim ficou muito por experimentar.
No Marchica, o aprés-ski é quando um homem quer, mesmo que o dia ainda não se tenha esvaído completamente. São 16h00 e já as cervejas correm ritmadas na mesa. Seis amigos de longa data, dois amigos recém-encontrados, todos ingleses, do Surrey. "Não somos swingers", brincam. São é neófitos no Formigal, embora habitués da neve. A Áustria é o destino favorito, e anual, o Formigal é uma experiência "um pouco mais barata", confessa Brian Balchin, 41 anos.
"É bom, é bom", diz, algo indulgente.
"Não estamos a ser justos", interrompe a amiga Janine Redman, "porque conhecemos muitas [estâncias]".
É verdade, dizem, que em Itália o Milky Way tem 600 quilómetros, que a "Áustria tem mais variedade de pistas", mas aqui "há mais actividades além do esqui", reconhecem - e do que "jogar às setas". Sentença: se for para "profissionais" de esqui, o Formigal não será "muito apropriado"; se não, é very nice.
A "nova" amiga, Loraine Eaton (33) não é profissional. Esquia há 20 anos - "Ela é muito boa esquiadora, faz 'pretas'", avisa Chris Ellis (34), o namorado - e discorda. "As pistas são muito desafiantes em relação à Áustria". A experiência de ambos no Formigal é fruto da sorte - literalmente: ganharam a viagem no concurso -, e dela não desdenham. "Este resort tem algumas diferenças dos que conhecemos, umas melhores e outras piores", explicam. As piores são, diz Loraine, a distância entre os hotéis e as pistas e o tempo que se demora a chegar lá acima. As melhores, os três vales que se podem esquiar seguidos e os diferentes restaurantes, para todos os gostos, lá em cima. "E este bar é divertido", conclui.
Uma "praia" caribenha
Chegamos a Cerler a saber algumas coisas. É a estação mais alta dos Pirenéus Aragoneses, 2630 metros no Valle de Benasque, e tem o maior desnível esquiável da cordilheira, 1130 metros. É "apropriada para famílias", "uma das poucas", e é além disso (ou por causa disso) um dos destinos preferidos dos portugueses nesta província - isto sabemo-lo ainda sem ter posto os pés na neve de Cerler, ainda estamos em Benasque, a vila mais próxima da estância, e é o director dela, Gabriel Mur Luján, que nos diz. "Os portugueses quando vêm não é por um dia e vêm em família. A família Pereira, a família Silva...". No Carnaval, sobretudo.
Não nos cruzámos com portugueses. Mas o primeiro encontro, ainda à entrada, no sector de Ampriu, mesmo à beira de uma "estátua" Conguito, é com estreantes na neve. Estreantes a sério. "É a primeira vez que estou no frio", explica Jacob Emanuel, mexicano de 19 anos, "queria muito conhecer e quando vi neve fiquei emocionado como uma criança". "Fartei-me de fazer bolas de neve". Está com Javier Garcez, equatoriano um ano mais novo, e os colegas da escola de chefes de cozinha, onde fazem um intercâmbio. É uma visita de estudo de um dia. Jacob vai "estudar" o snowboard, Javier o esqui.
Nós continuamos com o esqui - e a segunda aula corre ao nível da primeira. Não desistimos e havemos de voltar (afinal, um desígnio é um desígnio e não é a falta de jeito que nos vai privar de o alcançar). Oscar Paz, boliviano de Cochabanda, feições andinas e temperamento sério, também volta à neve todos os invernos desde há oito anos. Tantos quantos leva em Espanha. Mas não esquia. "Tentei, mas não consegui". Os filhos sim, esquiam. Já viu muitos portugueses, alguns franceses e ingleses, mas muitos mais espanhóis ali do seu posto de trabalho - o tapete rolante "dos" iniciantes, que ele controla para evitar acidentes. Está aqui até acabar a temporada, no Verão trabalha noutros sítios.
No Verão, Nereo Arija, madrileno de 28 anos, também "voa" para outras paragens. "Trabalho no Inverno e viajo no Verão". É a terceira temporada que faz aqui em Cerler: é trabalho temporário ("Em Abril acaba, mas temos alturas muito duras, como o Natal") e é também um prazer. Não costuma almoçar, aproveita a folga para ir esquiar - daqui a pouco vêmo-lo a arrancar (disse que esquiava "um pouco" - somos leigos, mas mentiu, garantimos). Por enquanto está a atender os "charlies" (os turistas) na loja de aluguer de equipamento, fá-lo durante oito horas e depois regressa a Benasques onde vive por estes meses. "Benasque é onde se vai de copas e às compras", explica.
Benasque não é uma vilaestância. É uma vila. Que por acaso fica perto de uma estância de neve e tem montanhas rochosas à volta, contrafortes poderosos que escondem os vales nevados. Tem uma Plaza do Ayuntamiento e muitas casas brasonadas. Os edifícios são baixos, de pedra e madeira e ferro forjado - alguns são "mestiços" e juntam a tudo isto uma ou outra parede pintada. Os telhados são quase impossivelmente inclinados. Ruelas forradas a pedra, cruzam-se com pracetas, há arcadas e um pequeno ribeiro, muitas lojas de desporto, pubs e cafés.
Tem um charme iniludível e é uma atracção por si. Francisco Buldaín não tem dúvidas: vem para Cerler porque "é a melhor", sim, "pelo preço", também, e por Benasques "Ficamos sempre no pueblo de Benasques, agrada-nos o ambiente, muy bueno, muy bonito". Estamos novamente em Ampriu, onde Francisco, a mulher Alicia e a filha Amaia, esquis nos pés, se preparam para apanhar o teleférico para paragens mais altas - Aritz, o filho, está com o professor. Apesar do nome basco dos filhos, vêm de Pamplona e fazem-no amiúde. Nas férias, nos fins-de-semana, "é perto". "Esta é uma estação mais alpina, a neve é boa", sublinha Alicia. Embora também esquiem em Navarra e se desloquem a Andorra, onde há muitos portugueses (Francisco gosta muito dos portugueses, teve um tio português, conta sorridente). Esquiam há muitos anos - até Amaia, que tem apenas 13 anos, muito envergonhados, já acompanha os pais.
Mais uma vez sem os esquis, deambulamos de teleférico em teleférico - com algumas paragens inesperadas, um bónus para quem quer deleitar-se com as vistas (e daqui o horizonte ergue-se em picos que passam os três mil metros), um contratempo para quem quer esquiar (os assobios e os joder são constantes, mas também a cantoria e risos cúmplices), passando por vários sectores da estância. Subimos a Telesilla del Amor (praticamente apenas cénica) até à Sarrau Beach (onde voltaremos de noite), para um simulacro de Caraíbas em paisagem alpina - pequena casa cor de salmão e terraço com palmeiras, espreguiçadeiras, balcão de gelo e sortido de bebidas várias -, e descemos para a Cota Dos Mil, encruzilhada de teleféricos (sobem e descem em várias direcções) e pistas - e local da Parrilla, cafetaria-restaurante com Wi-Fi e um fantástico terraço cheio de espreguiçadeiras (todas ocupadas neste início de tarde), à frente do qual os esquiadores mais ousados fazem travagens radicais. Começamos em Ampriu e agora mais uma descida teleférico - e chegamos, finalmente, a Cerler. São 16h00 mas ninguém leva a mal se formos ali ao Remáscaro, beber um mojito, publicitado por todos desde que chegamos a Aragão. O bar é pequeno, redondo, envidraçado com um pequeno terraço virado para o pôr-do-sol - e com lotação esgotada.
E quem pensa que as ofertas de uma estação de esqui se esgotam com o dia, desengane-se. São 19h00 e não há ninguém nas pistas, excepto os que vão participar no safari nocturno. O pisa-neves adaptado cruza as pistas iluminando a paisagem nocturna com luzes feéricas que tornam tudo irreal. Nas paragens, explicações sobre o funcionamento da estância - como a produção da neve (não, asseguraram-nos, a produção de neve em Cerler não prejudica a flora e a fauna, porque só se usa água e ar natural, não há produto para a cristalização; e aquelas colunas estranhas com "saias" fluorescentes que nos intrigaram o dia inteiro são os canhões de neve) - e tempo para copas - novamente nas Caraíbas alpinas, temos direito a champanhe e brinde gelado. No final, um jantar especial.
A neve não fica para trás quando descemos a Benasques, mas o manto desfaz-se. É quinta-feira, a partida é amanhã, mas esta é noite de passagem de ano no pub Molly Malone. Janeiro está a terminar, mas não questionamos. A vida em altitude nevada tem estes parênteses.
Desporto, cultura e ócio
A crise está aí, mas o lema de Aramón é Não te aborreças. Diverte-te, portanto. A aposta é grande na diversão, porque a diversão não é só na praia e a neve não é só desporto - e mesmo no desporto, há desportos e desportos. E com o sol aragonês o manto branco dos Pirenéus é irresistível, até para quem pensa que o melhor da neve e do frio é mesmo uma lareira a crepitar e um chocolate quente - nada que se renegue, mas nunca sabe tão bem como depois de viver intensamente um dia típico numa estância de esqui, animação constante e descoberta dos prazeres do Inverno: desporto, cultura e ócio.
Estivemos em Cerler e, pelo que ouvimos, estamos a conhecer o "antes". Porque haverá um "depois", em breve: o "depois" da ampliação (que colocará as suas pistas - actualmente 65, com 76 quilómetros de extensão - entre as maiores de Espanha), o "depois" de Norman Foster - o arquitecto inglês vencedor do Pritzker vai encarregar-se de projectar os três edifícios principais da "nova" Cerler (que terá, inclusive, uma nova porta para mais facilmente "chegar" ao mercado da Catalunha e de Valência), a sinalização e o design gráfico: "Nunca antes houve um arquitecto de renome a trabalhar numa estação de esqui". O orgulho de Franscisco Bono é visível, como é a esperança: tirar Cerler da segunda divisão das estâncias espanholas e instalá-la entre as melhores. "É a remodelação mais competitiva [entre as que a Aramón prepara]".
No entanto, Cerler já mexe - e muito. Na grande novidade da temporada, por exemplo, que não experimentámos - o freestyle não é o nosso ponto forte e no maior snowpark de Espanha é ele quem mais ordena. São 2,5 quilómetros com rondas de saltos, módulos, pipes e pura adrenalina (para quem quer começar, o Easy Park é o espaço ideal). E sim, estivemos no Parrilla, mas não provámos as bruschettas, "as melhores", e no Remáscaro, mas não assistimos a um dos seus concertos semanais (abertos a quem se atrever) - na verdade, a música esteve omnipresente em qualquer espaço de cafetaria e restauração por que passámos, mas os DJ e festas temáticas passaram-nos ao lado.
Na verdade, passou-nos muito ao lado, não por falta de vontade, mas por falta de tempo. Acabámos por não conduzir uma moto de neve (embora tenhamos conseguido "cravar" uma inesperada e longa boleia nocturna), nem fizemos caminhadas (com raquetas de neve). E à falta de tempo juntou-se a inexperiência. Os nove quilómetros esquiáveis por uma descida de mais de mil metros de desnível (a maior de Espanha) serão irresistíveis para muitos, mas nós ainda não ultrapassámos os 300 (?) metros com desnível de dez (?). Estão postos de parte, portanto, o snowspeed (descida cronometrada em que a aceleração é santo e senha), o border-cross (pista para velocidade e emoções à flor da pele), o safari 10.mil e o cronoslalom. Para a próxima tentaremos entrar na Skity Area, o espaço preferido dos mais pequenos - tem uma pista de slam e talvez já estejamos preparados para ela; além disso, tem tobogãs, e para eles não é necessário ir à escola.
Sim, as escolas de esqui são fulcrais em Cerler e no Formigal, mas quem lá está o que quer mesmo é poder voltar as costas aos professores e partir à aventura. No Formigal esta é (quase) inesgotável, daí o atrevimento publicitário: Relaxa, se conseguires. É possível, mas antes há muito para fazer na maior estância de Espanha. Heliesqui, por exemplo, e aqui é caso para dizer "atreve-te". Encontramos também um terrain park (actividades bastante radicais para esquiadores e snowboarders), pistas bordercross, slalom, de baches e motos de neve e raquetas. E há ainda pista de esqui de fundo; há ski bike (sim, saem os esquis e pranchas, entram as bicicletas) e ski ratrack (e voltamos aos esquis tout court).
Para uma experiência vintage, as descidas em trenó clássico de madeira (descidas nocturnas ao longo de dois quilómetros e meio de pistas iluminadas) cumprem a quota - se não, há os trenós puxados a cães, fáceis de manobrar, garantiram-nos. O relaxe, temo-lo nos imensos pontos de restauração que povoam as pistas, com lounges soalheiros e no já conhecido Marchica; para os miúdos, há parques infantis.
E ao longo da temporada não faltam eventos desportivos nas estâncias - provas oficiais (e não oficiais) - e eventos culturais, como festivais de música - terá sido pela proximidade linguística e cultural, mas não se cansaram de nos falar em Carlinhos Brown. Deu um concerto "memorável" nas neves aragonesas.
O futuro
À espera dos portugueses
Durante um "curto período", a Aramón fretou voos entre Portugal e Huesca, a província da Comunidade Autónoma de Aragão onde se situam Formigal e Cerler, servida por um aeroporto. "Teve pouco êxito", confessa Javier Andrés, director-geral do grupo Aramón. Mas nem por isso a Aramón deixou de "tentar captar esquiadores portugueses", tendo lançado uma "promoção específica nas agências portuguesas", que será para manter na próxima temporada, revelou Francisco Bono, o presidente do grupo.
Não que o público português seja significativo, representam "entre 3 e 5 por cento" dos visitantes. "Pouco", reconhece Bono. Tanto quanto os ingleses, um pouco menos do que os franceses - "as estações dos Pirenéus espanhóis são um pouco mais baratas do que as francesas e estas são mais pequenas do que o Formigal, por exemplo", por isso, o mercado francês apresenta-se como o que tem mais possibilidade de crescimento.
No entanto, neste contexto, o de captar público internacional (90 por cento é espanhol), "Portugal é atractivo e um mercado em crescimento", considera Javier Andrés. Apesar da concorrência da Serra Nevada e de Andorra. É que, pelas suas contas, os portugueses representam "um milhão de dias de esqui", os espanhóis "sete milhões".
"Portugal é mais parecido com Espanha" e a ideia do grupo Aramón é "oferecer esqui com complementos importantes", continua Andrés. Começa com as famílias, com "cada vez mais descontos para famílias numerosas", "jardins de neves e parques infantis para as crianças": "Para desfrutarem todos. O pai solitário e o filho também. E todos em conjunto". Passa pelas "instalações e pelo dinamismo" e pela "criação de eventos e emoções". A receita é a mesma para todos, a esperança é que os portugueses descubram Aragão. Em Cerler os portugueses são visitantes mais ou menos assíduos, vão sempre mais do que um dia e quase sempre em família.
Aramón x 5
A Aramón tem uma estratégia clara, tornar-se no maior grupo de turismo de neve e montanha em Espanha. E a rampa de lançamento são as cinco estâncias que possui - Cerler, Formigal e Panticosa, nos Pirenéus aragoneses, e Javalambres e Valdelinares, na serra de Gúdar e Javalambre, província de Teruel) -, onde a estratégia é clara: aposta forte na inovação com vista a melhorar todos os serviços ligados à prática de esqui e às actividades de montanha. Os investimentos são avultados - esta temporada 20 milhões, cerca de 35 por cento de incremento face à passada - e estão a mudar a face das estâncias. Hotéis renovados, pistas redesenhadas, sistemas de neve artificial reforçados, restauração variada, animação redobrada. As novidades não se restringem ao Formigal e Cerler.
Em Panticosa, que comemora o seu 40.º aniversário e tem uma vocação claramente familiar (mas com um casino, por exemplo), as novidades são essencialmente técnicas (novas rampas, melhor equipamento de esqui); Javalambre e Valdelinares encontram-se em pleno processo de ampliação, que terminará em 2011 com a duplicação da superfície esquiável - actualmente têm 12,2 e nove quilómetros, respectivamente - e das instalações.
Os investimentos são avultados, dizíamos, e os resultados visíveis. Na última temporada, 177 milhões de euros foram gastos pelos esquiadores nos municípios onde se encontram as estâncias; e, questão não de somenos, o grupo criou 800 postos de trabalho directos e cerca de 13 mil indirectos. Não surpreende saber que um dos accionistas maioritários é o Governo de Aragão, nada alheio ao potencial de fixação de população em zonas de montanha, de geração de riqueza e, consequentemente, de crescimento económico.
Como ir
A partir de Portugal, voar para Madrid ou Barcelona é uma opção.
A partir daí, o comboio é a melhor alternativa para chegar a Saragoça, seguindo daí para as estâncias de camioneta - algumas têm serviço próprio. De carro o trajecto demora cerca de 10 horas.
Onde ficar
Formigal
Hotel Saliecho
Formigal, Sallent, Huesca
Tel.: (+34) 974 4922 20
Fax: (+34) 974 4922 21
E-mail: hotelsaliecho@ecohoteles.com
http://www.hotelsaliecho.com/
Preços: desde €48, por dia, por pessoa em quarto duplo (tarifa de oferta para estadias de 5, 6 ou 7 dias)
Em Benasque (Cerler)
Hotel Aneto
Avenida de Francia, 4
Benasque
Tel.: (+34) 974 551 061
Fax: (+34) 974 551 509
E-mail: aneto@hotelesvalero.com
http://www.hotelesvalero.com/
Preços: desde €75, por dia, por pessoa, em quarto duplo (tarifa de promoção estadia mínima de três dias); estadia+esqui 5 dias desde €520, por pessoa, em quarto duplo (tarifa de promoção)
Forfait
Formigal
Adulto: de €39,50 (um dia) a €245 (sete dias)
Crianças (6 a 11 anos): de €31,50 (um dia) a €196 (sete dias)
Gratuito até aos cinco anos.
Promoções: cinco dias consecutivos -€147,50 (adulto), €115 (criança); seis dias consecutivos -€174,50 (adulto), €136 (criança); sete dias consecutivos -€201 (adulto), €157 (criança)
Cerler
Adulto (12 a 64 anos) de €38 (um dia) a €189,50 (sete dias)
Crianças (6 a 11 anos) e veteranos (a partir de 64 anos) de €29,50 (um dia) a €150 (sete dias)
Gratuito até aos cinco anos.
Promoções: um dia grátis para estadias entre cinco e sete dias.
Escolas
Escola de Esqui de Formigal
22640 Formigal (huesca)
Tel.: (+34) 974 490 135
Fax: (+34) 974 490 088
E-mail: info@escuelaesquiformigal.com
http://www.escuelaesquiformigal.com/
Preços (para 3 horas/dia total de 5 dias, 15 horas; adultos e crianças a partir dos 4 anos)
Esqui alpino: desde €89 (tarifa oferta)
Snowboard: desde €115 (há várias opções de duração e para grupos)
Escola de Esqui de Cerler
Parking El Molino, s/n Cerler
Tel./fax: (+34) 974 551 553
E-mail: info@escuelaesquicerler.com
http://www.escuelaesquicerler.com/
Preços esqui: Adulto: de €27 (1 dia, 3h) a €88 (5 dias, 15h)
Criança (até 11 anos): de €27 (1 dias, 3h) a €86 (5 dias, 15h)
Cursos de fim-de-semana: €39 (2 dias, 4h)
A Fugas viajou a convite de Aramón