Fugas - Viagens

DR (Visit Dublin)

DR (Visit Dublin)

Dublin em 48 horas

Por Andreia Marques Pereira

Dublin sob os focos do mundo, entre a visita de Isabel II e respectivas manifestações, a festa lusa da final da Liga Europa ou a visita de Obama. Ex-capital do milagre económico, é agora uma capital a rejeitar a crise. Dublin, cosmopolita e jovem, rebelde e charmosa. Aqui, para descobrir numa escapada de dois dias

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Tem mais de dois mil anos de história e segue imperturbável, mesmo se os ventos do seu desastre financeiro agitam o mundo. Em Dublin, que já foi considerada a cidade mais amigável da Europa, a vida parece seguir normalmente entre a azáfama diária e a compulsão pelas compras que aparentemente se mantém igual (dizem os dubliners que os próximos 12 meses serão os críticos) - mas olhando atentamente já se vêem muitas montras tapadas, muitos anúncios to let nos edifícios; e muitos dos imigrantes que desde há 15 anos mudaram o rosto da cidade (criando clusters na zona entre Henry's Street e Parnell Square) começaram a regressar a casa, enquanto os irlandeses retomam a sina da emigração, estancada nos últimos 20 anos - mas isto sabemo-lo porque nos contam.

Continuamos a circular por ruas onde os anúncios da Guinness são omnipresentes, as livrarias continuam ser uma constante (irresistível é voltar à branca Books Upstairs, em frente ao Banco da Irlanda, onde, perante a indiferença da empregada, percorremos a cuidada selecção de literatura irlandesa e de temática nacional, entre uma série de outras secções), os wine bars reforçam a sua presença e fazem-se acompanhar de tapas. E, onde, inevitavelmente, continuamos a sair de portas sem saber que tempo irá fazer: pelo sim, pelo não, um guarda-chuvas e uns óculos escuros devem ser acessórios constantes - não raras vezes, são ambos precisos no mesmo dia (na mesma hora, até).

Cruzando as pontes do rio Liffey (que divide a cidade em dois: o Norte, mais "operário", o sul, mais "elegante"), para lá da O'Connell Bridge vislumbra-se a recém-chegada roda gigante construída na proximidade da nova O2 Arena como isco para uma nova área de lazer perto das docas onde cafés, restaurantes e lojas compõem um visual moderno - como o skyline discreto que se observa do lado sul do rio, com edifícios espelhados de volumetrias mais ou menos ousadas. E no centro da velha Dublin o novíssimo Leprechaun Museum, com o seu universo oversized (todos somos duendes ali), assegura que a cidade do presente orgulha-se do folclore que formatou o imaginário nacional.

Passado e presente - não importa o que se procura, Dublin parece ter um bocadinho de tudo, muitas vezes de mãos dadas. O melhor é que grande parte se pode descobrir a pé. Há muitos caminhos, esta é uma sugestão. Para cumprir em 48 horas, que é um programa que pode muito bem servir a quem vai ver a bola.

Dia 1

9h00 - No coração

Pode ter perdido a relevância de outros tempos, mas a O' Connell Street continua a ser o centro de Dublin - geográfico e histórico. A longa avenida que corre perpendicular ao rio Liffey continua a ser uma boa síntese de Dublin, a capital cosmopolita que mantém algo de provinciano (algumas lojas aqui são um pouco anacrónicas), a capital virada para o futuro que não esquece a sua história - a Spire, uma "agulha" aqui plantada em 2003, no cruzamento com a Henry's Street, um dos símbolos da requalificação desta zona, está quase defronte do General Post Offi ce, indelevelmente associado à Revolta da Páscoa de 1916 (levantamento contra domínio britânico) por aí ter sido lida a Proclamação da República Irlandesa - a rebelião foi controlada, mas deixou as suas sementes e a independência chegaria poucos anos após: hoje continua a ser recordado como um símbolo dessa luta e uma estátua dourada do mítico herói irlandês Cuchulainn exibe-se numa das suas janelas, atrai os flashes de quem passa e honra a memória dos que morreram.

10h00 - Cidade literária

Dublin é uma cidade literária por excelência e não é apenas pela "odisseia" de Leopold Bloom de 16 de Junho de 1904. Ainda que a obra de James Joyce se mantenha como um símbolo (e guia) da cidade, Dublin e a Irlanda foram e permanecem viveiro de escritores consagrados. Subindo a O'Connell Street até Parnell Square, o Dublin Writers Museum, casa setecentista de decoração intricada marcante, abre as portas para o mundo da literatura irlandesa, para os seus escritores e obras mais marcantes, para as suas histórias (mais ou menos) desconhecidas, para os seus objectos pessoais (como o telefone de Samuel Beckett ou o cartão do sindicato de Bredan Behan), e para a sua correspondência (como a inusitada carta de George Bernard Shaw a recusar um autógrafo - assinada...). E como a literatura irlandesa continua viva e de boa saúde, esperem-se pontes para os autores contemporâneos.

11h30 - Ao mercado?

Saindo de Parnell Square, entrese na Moore Street para descobrir o maior mercado de rua de uma cidade onde eles abundam - e cada dia há diferentes em várias zonas da cidade. Os mais turísticos podem ser os de fim-de-semana em Temple Bar, mas todos os dias há descobertas a serem feitas. O de Moore Street é quase uma instituição nacional, instalada numa rua de prédios incaracterísticos, três andares de típico tijolo vermelho, que ganha vida com as frutas, legumes e flores em exibição defronte de talhos, bingos, casas de apostas. Tradicionalmente uma rua "irlandesa", tem sido "invadida" pela onda de imigração que veio à boleia do "milagre económico irlandês" (agora em retrocesso pelos motivos óbvios) - entre as bancas do mercado, espreitem-se as lojas asiáticas, os restaurantes indianos, os cabeleireiros africanos... Chegados a Henry Street, perpendicular, estamos no meio da sociedade consumo - entre os músicos de rua e as multidões carregadas de sacos, vislumbram-se dois centros comerciais, Jervis, o maior do centro da cidade, e Ilac, o mais antigo e dezenas e dezenas de lojas, sobretudo de roupa, mas também de música, ourivesaria, sapataria.

13h00 - Na igreja, sentar e comer

Era uma igreja, agora é um restaurante-bar-clube. A antiga nave mantém a sua forma original, de tectos altos abobadados, galerias em mezanino, vitral num dos topos e imponente órgão a reluzir de dourados no outro - tocado por Handel. Um enorme balcão ocupa o espaço central, há mesas altas, mesas baixas, cadeiras altas e cadeiras baixas, sofás e poltronas - entre as refeições (do café): sopa do dia, sanduíches, saladas ou pratos completos, desde frango com caril ou pastas às típicas salsichas com puré de batatas ou guisado irlandês.

14h30 - Regresso à prisão

Com o estômago aconchegado, a Kilmainhan Gaol aguarda com mais um pedaço de história irlandesa. Antiga prisão, o agora museu é um repositório da história da emancipação da Irlanda enquanto nação, que acompanhou desde o século XVIII até 1920. Pelas suas alas de vários andares voltados para pátios centrais atravessados por estruturas de ferro, passaram quase todos os líderes nacionalistas destacados: aqui estiveram presos e alguns foram executados.

16h00 - Slainté

Não longe do "gaol", uma das atracções turísticas (quase) incontornáveis, ou não fosse a casa de uma das maiores embaixadoras irlandesas - a cerveja Guinness. A Guinness Storehouse (ninguém se pode surpreender com a sua forma interior de pint) é a montra da empresa que Arthur Guinness fundou em 1759 em St. James Gate (ocupado em regime de leasing durante nove mil anos). As águas de Wicklow Mountains recebem e acompanham o visitante nesta descoberta pela génese desta cerveja preta. A visita termina nos céus de Dublin - no sétimo andar que é o Gravity Bar: com uma das melhores vistas da cidade a toda a volta, os visitantes podem aproveitar para um brinde (slainté) com a pint de oferta. Sem remorsos - afinal, a Guinness até já foi "medicamento".

18h00 - Com veados e esquilos

Se remorsos houver, o Phoenix Park, 16 quilómetros de perímetro a desenharem o maior parque urbano da Europa, está nas redondezas para proporcionar belas caminhadas - e alguns encontros inesperados com esquilos e até veados que correm livres pelo parque.

20h00 - O "elefante" de Temple Bar

Por volta das oito da noite, os restaurantes de Dublin já estão cheios. Temple Bar é um cliché, mas daqueles mesmo incontornáveis. A tradicional zona boémia de Dublin mantém a energia que lhe dá a fama e vaise reciclando com novas lojas de design, restaurantes vegan e de pintxos, mais fast-food e livrarias, que acompanham as lojas de sempre (as de música são as mais resistentes). O Elephant and Castle continua um ícone aqui e o difícil é arranjar lugar para jantar - não aceitam reservas, por isso o melhor mesmo é chegar cedo ou esperar.

22h00 - Jigs & reels

Para quê mexer numa combinação vencedora? Temple Bar transborda de pubs com música tradicional ao vivo todas as noites (e grande parte do dia), wine bars, cocktail bars, rock bars, clubes de house, e as multidões são constantes. Aproveite-se a atmosfera para entrar no universo musical irlandês, dando um pezinho de dança (tradicional, claro) em pubs tão icónicos como The Temple ou o Oliver St. John Gogarty.

Dia 2

10h00 - Pequeno-almoço no parque

Depois de uma noite entre bares, uma manhã entre o verde. O Stephen's Green é o parque mais central de Dublin e, se o tempo está bom, é um óptimo começo de dia, sobre a relva, entre lagos e estátuas (mantém a traça vitoriana do desenho original) - de preferência com o pequeno-almoço comprado numa das lojas de conveniência dos arredores.

11h00 - Regresso ao passado

A elegante Merrion Square, a dois passos, tem a fama (e o proveito) de ser a praça georgiana mais bem preservada em Dublin, montra de uma opulência discreta e confortável (imagina-se). São as portas coloridas (verdes, vermelhas, azuis, amarelas), sob vitrais em meias voltas e entre as colunas brancas, que continuam a atrair primeiro o olhar e a dar um charme irresistível à rigorosa arquitectura - para quem quiser descobrir o que estava para além delas à época da sua construção (século XVIII), o número 29 da Low Fitzwilliam Street tem as suas portas abertas.

12h00 - Compras, compras e compras?

Antes do almoço, tempo para um passeio pela Grafton Street - ainda é a Dublin georgiana que marca a arquitectura, mas a atmosfera é descontraída e informal na rua pedonal de compras preferida dos dubliners. A Molly Malone permanece disponível para todas as fotos, os artistas de rua (a música anda sempre no ar) garantem que não há momentos mortos neste troço de tijolos laranjas. E para um ambiente mais ecléctico e típico, a Georges Street Arcade é o ideal: entre lojas de música, de roupa vanguardista e gótica, de antiguidades, de recuerdos, de memorabilia, de cabeleireiros avant-guard e joalharias mais ou menos tradicionais, há videntes e piercings, restaurantes e cafés, onde os comentários sobre a crise irlandesa se podem mesclar com a incompreensão pela predilecção por furar partes do corpo. Tudo isto sob uma carapaça irrepreensivelmente restaurada de tijolo, ferro e vidro.

13h00 - Almoço teatral

É uma instituição na cidade e tudo começa pela (antigu)idade - o Bewley's Café tem 84 anos, reverenciáveis no visual de madeira escura na fachada típica e atmosfera confortavelmente discreta do(s) interior(es). Ao almoço faz da sua originalidade uma arte: peça uma sopa acompanhada por uma generosa fatia de pão escuro e assista a uma peça de teatro - por estes dias Fight Night, por Gavin Kostick a interpretar um solo (preços entre 8 e 12 euros, dependendo dos dias da semana).

14h00 - Pausa escolástica

Digira-se o almoço num passeio pela Trinity College, bem na encruzilhada da cidade, que com mais 400 anos de história continua a receber as mentes mais promissoras do país - curiosamente, este templo de códigos de conduta e tradições rigorosas teve no bar o primeiro edifício a ser construído. De praça em praça evoluímos pelo campus, onde os relvados dos campos de jogos são muitas vezes sun decks - se quiser entrar, o ex-líbris, o Book of Kells, permanece como uma das jóias da cultura nacional (apenas quatro páginas podem ser vistas); o Long Room da Old Library deixa os visitantes de boca aberta pela majestosidade serena do espaço e pelos 200 mil volumes antigos ali depositados.

14h30 - Ronda da arte

Longe vão os tempos em que a National Gallery era apenas "a entrada elegante para um bom restaurante" (o que se localizava nas suas traseiras). Desde há alguns anos, coincidindo com o boom económico irlandês, recuperou a sua dignidade como o melhor repositório de arte irlandesa dos últimos três séculos - Jack B. Yeats tem uma sala própria exibindo os seus trabalhos, que são retalhos da vida irlandesa do início do século XX -, com uma revisão respeitável das principais correntes continentais - Fra Angelico, Caravaggio, Rubens, El Greco, Goya, Velasquez, Vermeer, Sisley, Monet, Van Gogh, Picasso... Mas é no National Museu que se percorrem milénios da história irlandesa, desde as suas raízes celtas, passando pelo período viking, até ao medieval dos castelos e das catedrais - é como se a paisagem irlandesa também se concentrasse ali na sua essência (não há os círculos de pedras, as torres redondas ou os mosteiros em ruínas, mas os objectos com que viveram). Os artefactos de ouro são riquíssimos exemplos da arte celta e medieval e entre eles destacam-se o broche de Tara e o cálice Ardagh.

17h30 - Tomada do castelo

O Castelo de Dublin não é um castelo comum - e os comentários sobre isso podem inesperadamente chegar de grupos portugueses. Não há muralhas, embora restos da antiga muralha medieval da cidade se encontrem no complexo, e não há ameias: há edifícios apalaçados a comporem uma praça, a Capela Real e a Torre Normanda (a mais antiga torre medieval da cidade), por exemplo. A Chester Beatty Library, recentemente ampliada e abrindo-se sobre os jardins de Dublin nas traseiras do castelo, oferece uma colecção de arte asiática interessante e no seu Silk Road Café uma pausa sabe sempre bem. Talvez antes de uma curta caminhada até Christ Church e um pouco mais adiante a Saint Patricks Cathedral - mesmo não entrando, é um passeio que vale a pena, pelos edifícios e parques que os rodeiam.

20h00 - Trendy e cosmopolita

Para o último jantar prove-se o cosmopolitismo gastronómico que Dublin ganhou nos últimos anos. Na Millenium Walkaway, zona trendy colada ao rio Liffey, existe agora uma vasta oferta de cozinha internacional, sobretudo asiática de fusão e vegetariana. O Kho Restaurant and Cocktail Bar têm cozinha tailandesa, lista de vinhos apreciável e um espaço agradável dividido em três áreas, incluindo o cocktail lounge e uma esplanada. Termine-se a noite na mais underground zona de Camden Square (nas redondezas de Stephen's Green): o Solas, com uma lista regular de DJ convidados, terraço no último andar e design moderno, atrai multidões e é actualmente um dos locais da moda na cidade.

Como ir

A Aer Lingus viaja diariamente entre Lisboa e Dublin com tarifas a partir de 130 euros; e entre Faro e Dublin a partir de 140 euros. A Ryanair liga Faro a Dublin todos os dias com tarifas desde os 88 euros; entre o Porto e a capital irlandesa os voos fazem-se à terça e sexta-feira a partir dos 110 euros.

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