Fugas - Viagens

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As praias mais bonitas de Lanzarote

Por Luís Maio (texto e fotos)

Tiram-se os sapatos, começa-se a andar na areia molhada e depois nunca mais se pára. Famara é uma praia hipnótica, uma das mais bonitas das Canárias. Mas tudo à volta são jóias naturais dignas de explorar, incluindo um arquipélago de ilhas quase desertas. Luís Maio faz o elogio da sua parcela favorita de Lanzarote

Situada na costa nordeste de Lanzarote, Famara tem por principal entrada uma pequena aldeia branca, que a limita a sudoeste. Daí arranca uma longuíssima baía de areias morenas com o mar sempre revolto de um lado e um ondulado de pequenas dunas móveis do outro. Quatro quilómetros mais à frente, a planura é interrompida pelas majestosas paredes vulcânicas do Risco, que se erguem quase a pique, atingindo 500 metros de altitude. Aí a língua da areia passa a correr mais estreita, acompanhando a curvatura das montanhas. Virá a desaparecer na bruma ou a fundir-se na distância com as ilhas Chinijo, ao largo da ponta mais setentrional de Lanzarote.

Famara é o tipo de praia onde dá gosto caminhar, só por caminhar, sem uma razão particular. Assim que se ganha andamento, o mais difícil é parar. Apetece sim ir mais longe, agarrar as montanhas lá ao fundo ou descobrir o que fica para além delas. O ruído constante das ondas a rebentar funciona como um tonificante, a visão das silhuetas descarnadas das ilhas como um enigma que requer decifração. De caminho passa-se quase de certeza por meia dúzia de lunáticos e respectivos animais de estimação, um ou mais desses casais de mãos dadas, que se esforça por acreditar que não há ninguém na praia, mais uma turma de surfistas aprendizes, entretidos a ensaiar números de equilibrismo em cima das pranchas.

Já longe de tudo é natural que se cruze um acampamento de freaks, com a malta a cozinhar em fogueiras ou a praticar meditação como se estivesse à beira de descolar. É, no entanto, pouco provável encontrar muito mais gente - esta é a parcela menos povoada da ilha e a praia é tanta que mesmo na estação alta os outros ficam sempre à distância. Resulta fácil esquecer o que já se andou, o tempo e a energia que entretanto se gastaram, os planos que ficaram pelo caminho. Até a segura necessidade de dar meia volta e fazer tudo de novo em sentido contrário parece um mal menor. Caminhar em Famara tem esse condão de fazer esquecer tudo, mergulhar na paisagem e nos mais íntimos devaneios.

Havai nas Canárias

Este deserto à beira-mar é uma espécie da antecâmara da costa marroquina, ali para as bandas de Essaouira. Em termos de topografia litoral não é destituída de semelhanças com a nossa Carrapateira. Já alguns surfistas dizem que é o Havai da Europa, embora talvez seja mais a Tarifa das Canárias. Em qualquer dos casos, Famara é uma das praias mais bonitas de Lanzarote. Mas não é uma praia popular, nem para todos os gostos.

A bravura do mar é uma condição permanente ou quase, mas estas águas são também conhecidas pelas correntes traiçoeiras e redemoinhos. Outra presença constante é o vento, que frequentemente sopra intempestivo, sobretudo na metade mais quente do ano. Ou seja, não é praia que se recomende para ir a banhos, nem sequer muito propícia para torrar ao sol. O que são inconvenientes para uns, já se sabe, são atractivos e vantagens para outros. Famara é, na verdade, um paraíso para desportos que conjugam mar e vento, como é o caso do surf, do kitesurf, do windsurf e mesmo do body board.

Para além dos desportos radicais, há sempre o trekking terapêutico e a fruição da incrível beleza deste cenário natural. Uma fotogenia para a qual muito contribui a ausência de grandes empreendimentos turísticos nas redondezas. A antiga aldeia piscatória na ponta esquerda da praia cresceu pouco, sem descolar do figurino pitoresco de casas de dois andares pintadas de branco com portas e janelas azuis, semelhante à arquitectura vernacular do Norte de África. A aldeia chamada Caleta não tem banco, apenas um supermercado e a maior parte das ruas são forradas de areia.

Este núcleo primitivo conhece uma espécie de extensão modernista na chamada "urbanização dos noruegueses", construída há duas décadas, logo no início da ladeira que sobe ao Risco. Os bungalows semi-enterrados, dispostos em socalcos - protegidos por muretes de pedra em meia-lua, repercutindo a engenharia empregue na agricultura da ilha - foram muito criticadas na altura e depressa caíram em decadência. Agora, porém, estão finalmente na moda, sobretudo desde que Pedro Almodôvar e Penélope Cruz aqui estiveram a filmar cenas do filme Abraços Partidos.

A estrada acaba nos bungalows e daí para norte só há caminhos esburacados, que eventualmente conduzem à Playa del Risco, a praia mais selvagem de Lanzarote - de novo com mar batido e muitas correntes, pouco aconselhável a banhos. Constitui um passeio fantástico, mas exigente, que também se pode fazer a partir do Miradouro do Río, ou seja, desde o alto das montanhas até à praia do Risco, via Salinas del Río. Há sempre algum risco de desmoronamento em ambos os trilhos, mas a praia deserta lá é baixo é um assombro e as vistas sobre o arquipélago Chinijo são absolutamente fabulosas.

Ilhas (quase) selvagens

Tão esplêndidas são as vistas sobre o arquipélago que se torna tentador "dar o salto" até às Chinijo - o que em dialecto canário quer dizer "pequeno", justificando a alcunha de Canárias Menores. São, na verdade, compostas pela ilha de La Graciosa, com uma superfície de apenas 27 km2, a que se acrescentam os ilhéus de Alegranza, Montaña Clara, Roque del Este e Roque del Oeste. As Chinijo estão classificadas como reserva natural, reserva marinha e ainda reserva da biosfera, o que desde logo implica fortes restrições à sua visitação.

Roque del Este e Roque del Oeste são promontórios onde nem sequer há lugar para ancorar, Alegranza e Montaña Clara são propriedade privada. Resta, portanto, embarcar numa excursão entre as ilhas, de resto extraordinariamente ricas em vida marinha, ou então apanhar o ferry para La Graciosa. Para quem estiver em Famara ou algures na face ocidental de Lanzarote é, no entanto, necessário contornar as montanhas do Risco pelo interior, até atingir Orzola, no extremo nordeste da ilha, único ponto de contacto com as ilhas mais setentrionais das Canárias.

De Orzola à Graciosa são apenas dois quilómetros do braço de mar conhecido por Río, mas a viagem dura 20 minutos e só é pena não ser mais longa ainda. É um espectáculo, quer a atenção se fixe nos paredões vulcânicos do Risco que vão ficando para trás, quer se volte para as paisagens áridas que se anunciam na Graciosa. Desembarca-se na Caleta de Sebo, aldeia piscatória ao estilo mas mais exígua que Famara, onde hoje se concentram os menos de mil habitantes da ilha.

A Graciosa é também conhecida como única ilha da Comunidade Europeia onde não há estradas. Significa que ou se arrenda um dos raros 4x4 disponíveis, ou se recorre ao mais ecológico aluguer de bicicletas. O trilho mais popular segue na direcção da Montaña del Mojón e Las Agujas, antigos picos vulcânicos que se elevam a 266 metros, altitude máxima da ilha. Uma bifurcação para oriente conduz à povoação quase fantasma de Pedro Barba - meia dúzia de casas de pescadores convertidas em segundas habitações de férias, frente a uma enseada idílica. A praia virgem mais deslumbrante da Graciosa é, no entanto, a das Conchas, na ponta nordeste, mesmo em frente ao ilhéu de Montaña Clara.

A Graciosa será imbatível no capítulo das praias para gente que gosta de ter praia só para si, mas não dá jeito ir lá todos os dias. Para quem fica em Lanzarote e também não gosta de enchentes, uma boa alternativa são as praias que se encontram em redor de Orzola, frequentadas quase só por locais e aos fins-de-semana. A norte da povoação fica a Canteria, outra praia de mar tempestuoso, adorada pelos surfistas e nada recomendada a nadadores. Já a sul de Orzola, encontra-se uma sequência de calas de areias brancas e finíssimas, a contrastar com a negritude profunda dos veios rochosos que amiúde as sulcam. A combinação destes acidentes com a ondulação agitada torna quase proibitivo nadar em praias como as de Caleta del Mero, Las Cocinitas e Caleton Blanco. Já em Charca de la Laja, a última antes de chegar à povoação, há uma deliciosa lagoa de águas pouco profundas, verdadeira piscina natural criada pelo capricho das aflorações vulcânicas.

Em Teguise
A casa assombrada de Pepe

A cidade mais próxima de Famara (12 quilómetros) é Teguise, antiga capital de Lanzarote. Ensaio ou modelo das cidades coloniais de plano ortogonal do Novo Mundo, Teguise cresceu pouco depois da expansão marítima espanhola. As mais recentes receitas do turismo foram sobretudo empregadas para lhe restituir o pitoresco de há 600 anos. Tem castelo, igreja, casas senhoriais e um xadrez de ruelas antigas, onde agora funcionam restaurantes de receitas locais e lojas de produtos típicos.

Mas Teguise tem outro atractivo, não publicitado em nenhum guia turístico, nem sequer "postado" na Internet. A Casa Del Loco, como é localmente conhecida, fica mesmo à entrada da cidade, para quem chega de Famara. A vivenda em si é banal, mas o quintal está repleto de figuras esculpidas na pedra vulcânica local, em tamanho mais do que humano. Figuras gigantes e sobrenaturais, umas mais assustadoras, outras mais ingénuas, mas sempre à mistura com uma imensa tralha pop, a maior parte bonecos e aparelhos fora de prazo.

É um caso flagrante do que se convencionou chamar Ambiente Visionário, Art Naif ou Outsider, a prova de que em Lanzarote há mais talentos artísticos - e bem mais refractários à arte tradicional - para além do muito celebrado César Manrique. O autor destas insólitas esculturas e instalações responde pelo nome de Pepe, já passou a fasquia dos 70 anos de idade e pode ser encontrado no quintal, provavelmente à sombra de uma das suas enigmáticas esculturas. Por que razão lhes dá o seu tempo e as expõe à porta de casa? "A alguns dá-lhes para assaltar bancos, a mim deu-me para isto. É a minha vocação". E não mais quis dizer, preferindo deixar-nos mergulhar nos enigmas do seu jardim assombrado.

Quando ir

Há areia, vento e nuvens a cobrir os céus sobre o nordeste de Lanzarote durante a maior parte da metade mais quente do ano. Nos outros seis meses os céus são em geral mais límpidos, há muito menos areia e mais calhaus na praia, mas o mar é sempre agitado e propício a desportos radicais.

Como ir

Lisboa-Lanzarote, ida e volta em Julho, a partir de 117€ na Ibéria e na Ryanair. Do aeroporto de Lanzarote a Caleta de Famara são 30 quilómetros, que demoram cerca de meia hora de carro a percorrer. Orzola fica a 32 quilómetros do aeroporto e há duas companhias de ferry que asseguram as comunicações daí com Caleta de Sebo (La Graciosa), uma (Romero) com sete ligações, outra (Biosfera) com cinco por dia. Em ambos os casos, o bilhete de ida e volta fica em 20€ por adulto e 11€ por criança.

Onde ficar

Bungalows Playa Famara
http://www.bungalowsplayafamara.com/
O privilégio de ficar na urbanização celebrizada por Pedro Almodôvar. 500€ por semana é a tarifa mais comum.

Surf School Lanzarote
Calle Callejon 4, Caleta de Famara
http://www.surfschoolanzarote.com/
A escola de surf mais famosa de Famara propõe pacotes de aulas mais cinco noites de estadia por 225€. Também alugam apartamentos para dois ou mais por 300€ à semana.

El Girasol
Tel.: +34 928842118
Av. De la Virgen Del Mar, Caleta de Sebo
A melhor pensão de La Graciosa tem oito quartos duplos a 17€ e 20€ (com balcão).

Onde comer

Em Caleta de Famara, Orzola e La Graciosa há uma série de tascas, que cozinham na base da pesca do dia. Já no centro de Teguise há restaurantes com cozinhas bastante mais refinadas e variadas.

Na Internet

www.turismolanzarote.com
www.graciosaonline.com

www.teguise.com

A Fugas viajou a convite do Turismo de Espanha

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