Fugas - Viagens

Luís Maio

O Texas na Tailândia

Por Luís Maio

Há ranchos, cowboys e concursos de misses vaqueiras em Pak Chong, coração do Marlboro Country tailandês. A Fugas foi descobrir um dos casos mais felizes de aculturação do sudeste asiático

Usam gravatas de bolinhas, cintos com águias embutidas, esporas prateadas e perneiras de cabedal. Também tocam banjo e cantam sobre botões de rosa da pradaria. O guarda-roupa é típico dos filmes do faroeste, a música soa como uma versão vagamente oriental do top country, mas a grande diferença é que estes cowboys e vaqueiras têm os olhos em bico e actuam todos os fins-de-semana no maior mercado de Banguecoque. O espectáculo, relançado sempre que um potencial cliente se aproxima da banca decorada com chifres de vaca, ajuda a vender roupa e música derivados do imaginário western aos próprios tailandeses - embora constitua uma segura diversão para os ocidentais às compras no mercado de Chatuchak. 

Uma novidade para muitos forasteiros, no entanto, a cena cowboy é uma tradição enraizada na Tailândia urbana pelo menos desde os inícios dos anos 80. Foi quando os jovens de Banguecoque passaram a adaptar - bastante livremente, diga-se de passagem - todo um sortido de modas ocidentais. Porque se a Tailândia é sinónimo de sonhos tornados realidade para muitos ocidentais, em contrapartida, para tantos ou mais tailandeses, o Oeste representa evasão e fantasia. Ou pelo menos essas são as respostas mais comuns quando lhes perguntam razões da sua fixação no universo western

Etiquetas em dólares

O mais parecido que os tailandeses têm com o Oeste - entenda-se um território de grandes quintas, pastagens e criação de gado - são as pradarias onduladas em torno das montanhas Khao Yai, que dominam o nordeste do país. É o parque natural mais antigo da Tailândia e um dos destinos turísticos mais comuns de quem vive em Banguecoque (cerca de duas horas e meia de carro). O crescimento da procura interna, que se intensificou nos anos 90, veio reforçar a imagem turística desse vasto território como uma espécie de Texas tailandês, muito em especial a zona em redor de Pak Chong, última cidade e a porta de entrada mais directa no parque para quem vem da capital. 

A nova fortuna turística Pak Chong justifica, por exemplo, que os aficionados western que começaram por montar a tal banca na feira de Banguecoque tenham vindo pouco depois a abrir uma sucursal na rua principal dessa cidade interior. A loja chamada Buffalo Bill anuncia-se como "O maior estabelecimento Ocidental do Sudeste da Ásia" e expõe uma formidável parafernália de artigos directamente importados dos Estados Unidos. Os tailandeses produzem as suas próprias versões dessa como de tantas outras mercadorias de patente norte-americana, mas a verosimilhança está longe de ser suficiente para os fãs locais. Para eles o principal critério para avaliar a qualidade de um artigo é a sua procedência e a Bufallo Bill orgulha-se de só vender importações dos Estados Unidos (mesmo se boa parte das mercadorias vem do México). Um purismo que justifica o "enigma" de todos os artigos estarem etiquetados com os preços em dólares americanos. 

O negócio entretanto expandiu-se com a abertura na porta ao lado do Texas Saloon, um restaurante de inspiração cowboy, onde o espaço interior invoca uma diligência do Velho Oeste - com as paredes forradas a madeira, mas também iluminado com candeeiros Tiffany, ou seja, Arte Nova, o que não tem nada a ver. Aqui, porém, já se notam algumas concessões ao "made in Thailand", como desde logo se percebe no balcão onde as luzes de néon da cerveja Shingha local se confundem com os da Corona mexicana. 

A mesma tendência verifica-se na ementa, onde o destaque cabe claramente aos bifes de vaca e às salsichas de porco importadas do Texas, mas depois aparecem pratos como a salada de carne picante ou o pargo frito com manjericão crocante, que são irredutivelmente thai. Uma convivência sem colisão, de resto perfeitamente assumida pela actual proprietária dos dois estabelecimentos, uma mulher tailandesa sem idade, mas eterno chapéu de cowboy, que se distrai nas horas vagas a pintar, ora figuras da mitologia western, ora a família real da Tailândia.

Programas cowboy

O imaginário western é a actual insígnia turística da província de Pak Chong, mas reconduz aos filmes de índios e cowboys, popularizados na Tailândia nos anos 50 do século passado. Mais do que isso, a sua disseminação é uma herança do intercâmbio com os GI norte-americanos, estacionados nas bases militares à volta do Parque Nacional de Khao Yai durante a guerra do Vietname. Fitas e tropas incutiram aos fazendeiros locais o entusiasmo pela criação de gado bovino à moda americana, a começar por Chokchai Balakul, o verdadeiro pioneiro do Malboro Country tailandês. 

Agora com setenta e muitos anos de idade, Balakul é detentor de uma propriedade de 32 quilómetros quadrados, distribuída por cinco parcelas, onde pastam cinco mil cabeças de gado. Foi em 1969 que decidiu converter a primeira parcela, actual quinta-mãe, num rancho destinado à criação de gado importado da Nova Zelândia para a produção de carne bovina. Uma década depois, no entanto, o negócio entrou em colapso, e Balakul arriscou na produção de leite, então praticamente ausente da rotina alimentar dos tailandeses. A aposta revelou-se um sucesso e hoje a Farm Chokchai é uma das mais populares marcas de leite do país.

Essenciais no manejo dos bois, os vaqueiros ao estilo Faroeste desta quinta fizeram a reputação de Pak Chong, agindo como magnetes para o turismo doméstico. Tornaram-se redundantes a partir do momento em que a quinta se voltou para a produção leiteira, mas acabaram por ser reintroduzidos quando, a partir de 2000, Chokchai (agora gerida por um dos filhos do fundador) se abriu finalmente ao turismo. O tema é o agro-turismo e o propósito consiste em mostrar aos miúdos que habitam na cidade como se vive no campo. Um programa típico de quinta pedagógica, portanto, mas em que o momento mais aguardado é sempre o show estilo rodeo que toma por cenário um pequeno redondel coberto, na quinta-mãe. O espectáculo envolve uma dezena de Khao Boys vestidos a preceito e inclui cavalgadas, tiros de pistola para o ar, habilidades com laços e mesmo a captura de bezerros (já bastante amestrados, diga-se de passagem). 

Cerca de 300 mil visitantes por ano compram a excursão e muitos mais - cerca de um milhão - estacionam à beira da Friendship Highway para uma refeição na Steakhouse da Farm Chokchai. Os bifes que aí servem continuam a ter fama de serem os melhores do país, apesar de a carne que presentemente empregam não ser de produção local, mas importada dos Estados Unidos e da Nova Zelândia. Como seria de prever, o êxito da fórmula Western da Chokchai contagiou boa parte das operações turísticas da zona e se o preciosismo country da Buffalo Bill é bastante raro, muitos são os hotéis e restaurantes a caminho do parque natural com um cheirinho a faroeste. É o caso por excelência do Khao Yai Cowboy City Resort, menos o Texas em versão Disney que um motel convencional com fachada de saloon e recepção estilo velho celeiro. 

Do Texas à Toscana 

A Cowboy City ganhou fama menos pela arquitectura do que pela circunstância de ser a primeira morada do Festival Kao Yai, ainda nos anos 90. O evento entretanto cresceu e converteu-se no Pak Chong Cowboy City Festival, transferindo-se para a capital da província que lhe dá nome. Um dos muitos festivais de contagem decrescente para o fim do ano na Tailândia decorre entre 25 a 31 de Dezembro, a época do ano em que Pak Chong vira cenário de filme com muitos orientais vestidos à índios ou à cowboys, enquanto saboreiam bifes e assistem a espectáculos de Bluegrass e mais sonoridades da paleta country. Isto à mistura com pratos picantes, canções luk thung e todo o pacote de diversões de feira da Tailândia, um país em que tudo o que é ocidental é tão depressa aceite como transfigurado. 

A cultura western não é, porém, exclusiva a Pak Chong e na vizinha cidade de Muak Lek, província de Saraburi, há em Fevereiro uma enorme feira agrícola que tem por anexo uma Cidade Cowboy. O número de expositores que vendem desde chapéus Stetson, perucas de penas e até totens índios cresce a olhos vistos, desde a primeira edição no início dos anos 90. O evento mais concorrido da Cidade Cowboy é o jantar de abertura, onde se podem degustar delícias tailandesas enquanto se assiste a um concurso de misses thai vestidas à moda do Velho Oeste. 

O tema cowboy convive, por outro lado, com todo um sortido de recriações do imaginário ocidental às portas do parque natural tailandês. Um caso especial é o Outlet Khao Yai, centro comercial a céu aberto desenhado à maneira de uma pequena aldeia toscana de praças e ruas pedonais. Lembra um pouco Alcochete, mas como experiência de compras num complexo de arquitectura-faz-de-conta é sobretudo parecido com a shopping village de inspiração italiana de Marne La Valée, aquela que fica a cinco minutos da Disneyland Paris. 

O que se encontra no Outlet Khao Yai não são originais, nem fakes, antes marcas de roupa, decoração e bugigangas de matriz ocidental e acabamento local. Artigos que, em qualquer dos casos, fazem as delícias de uma demografia onde são claramente predominantes as adolescentes de Banguecoque. Vêm ver as montras e encher-se de doçarias, mas também para se fazerem fotografar junto a fontes, passadiços e torres de relógio mais toscanas que na Toscana.

Como ir

Pak Chong fica a nordeste de Banguecoque, a uma distância de cerca de 160 quilómetros. Quem estiver de carro deve seguir para norte até Saraburi e aí divergir na direcção de Nakhon Ratchasima. Pequenas carrinhas partem para Pak Chong de duas em duas horas do terminal junto ao Victory Monument e autocarros mais ou menos com a mesma frequência saem do terminal de Mo-chit, no norte de Banguecoque. O preço da viagem ronda os quatro euros em ambos os casos.

Onde ficar

Thongsomboon Club
119 Moo 10 Highway 2243, Tambon Pak Chong
Tel.: +66 044 312248 
www.thongsomboon-club.com
Hotel que funciona como um verdadeiro parque temático do faoreste, repleto de clichés yankees para diversão dos miúdos, que inclusive podem dormir em tendas índias. Os duplos começam nos 45 euros. Semelhante no conceito, mas bem mais kitsch e decadente, há também o Pensuk Great Western Resort, nas imediações da cidade de Korat, que se propõe como uma reconstituição em contexto de floresta tropical de uma aldeia de fronteira dos EUA com o México. 

Bonanza Khao Yai
236 Moo 5 Tanarat Rd., Tambon Kanongpra, Pakchong
Tel : +66 044-921-113-5 
bonanzakhaoyai.weebly.com
Nasceu como uma réplica tailandesa do rancho da série televisiva Bonanza, há duas décadas. Agora mantém uma escola de equitação chamada Ok Corral que também organizada rodeos, mas a vasta propriedade tem vindo a diversificar a oferta de lazer, incluindo a organização de um festival com acampamento, estilo Woodstock pastilha-elástica (primeiro fim-de-semana de Fevereiro). Duplos desde 40 €.

Chokchai Camp
294 M.8 Viphavadee-Rangsit Rd., Kukod, Lumlukka, Pathumthani
Tel.: +66 044 328485 
www.farmchokchai.com
Uma noite de estadia em tenda boutique, três refeições diárias, agro tour e workshop de fabrico de gelados, tudo na quinta-mãe de Chokchai custa aos dias úteis 73€ por adulto, 61€ dos oito aos 12 anos e 45€ dos três aos 7, um pouco para as três classes ao fim-de-semana. Só a agro tour, ou seja, o programa de visita sem estadia custa 6€ por adulto e 3 por criança.

Khao Yai Cowboy City Resort
95 Thanarat Rd., Thamboi Moosri, Parkchong, Nakhon Ratchasima
Tel.: +66 044 297471-2 
www.khaoyaicowboycity.com
Mesmo à entrada do parque de Kao Yai, um motel com ambientes western, onde se pode montar a cavalo. Duplos desde 42€.

Onde comer

Chokchai Steakhouse
Tel.: +66 044 328445

Texas Saloon
Tel.: +66 044 312528

São as melhores moradas para comer bifes à moda do Oeste, sempre com pequenas adições tailandesas, como as espetadas de carne servidas ao lado, à maneira de guarnição.

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