Cortiça. Desde que fitámos o chalet pela primeira vez só conseguimos ver cortiça, hipnotizados num misto de perplexidade e assombro. Por isso, falar da primeira impressão não é possível sem referir a casca virgem de sobreiro que nasce nas paredes em forma de troncos e que decora varandas, beirais e orlas de portas e janelas. Só depois as vistas se abrem para admirar o chalet: pequeno, simétrico, de tons amarelados e com um aspecto pitoresco e romântico, embora inesperado.
"O edifício é muito estranho, não tem nada a ver com a arquitectura tradicional portuguesa", afirma o responsável pelo projecto de recuperação, José Maria Carvalho. E não é só diferente do habitual, tem também falsas aparências. "Todo ele é um fingimento", realça, já que as paredes são feitas de reboco de cal a imitar pranchas de madeira - onde não faltam os desenhos circulares dos veios e, a distinguir as "tábuas", o relevo na horizontal e a ligeira diferença de tons. Mas a ilusão só engana quem o avista de longe ou alguém mais distraído. E, dúvidas houvesse, o rodapé completamente liso, mas pintado a fingir um muro de pedras, não tem pretensões de parecer realidade.
Construído entre 1864 e 1869, o chalet foi edificado por D. Fernando II e pela Condessa d"Edla, sua segunda mulher, tornando-se testemunho da história de amor - não proibida, mas muito criticada - entre o viúvo da rainha D. Maria II e a cantora de ópera de origem suíço-americana, Elise Hensler (mais tarde agraciada com o título de Condessa d"Edla). Segundo o arquitecto, pensa-se que terá sido a própria condessa a fazer o desenho do edifício - com um rés-do-chão rectangular, o primeiro andar em forma de cruz e uma varanda a toda a volta - mas as suas inspirações (ainda) são desconhecidas.
Uns vêem na cortiça influências do cork convent, o Convento dos Capuchos, outros dizem ser inspirada nos chalets alpinos ou nas casas do Norte da América devido à imitação da madeira e José Maria Carvalho relembra uma outra teoria: "Há quem sugira que isto venha de um cenário ou o enredo de uma ópera que ela [condessa] tenha cantado ou que o casal tenha visto". Em qualquer dos casos, "nota-se que há uma preocupação muito grande pela imagem", defende.
Preocupação que não se reflecte totalmente na arquitectura interior, simples, desenhada segundo as necessidades e constituída por salas pequenas. Mas, tal como no exterior, a decoração das paredes merece destaque: todas as divisões tinham uma decoração diferente, a maioria com um padrão fixo e traçado geométrico.
No piso térreo, é a área social - dividida por três salas viradas ao palácio - que integra os trabalhos decorativos mais interessantes. Na sala das heras quatro troncos nascem nos cantos da divisão, sobem e entrelaçam-se a toda a volta, com uma série de pequenos caules e folhas que descem ligeiramente as paredes. É a primeira divisão a ser restaurada (prevê-se terminada até ao final do ano), mas pode ser visitada e até é possível subir ao andaime para observar melhor o trabalho feito em estuque modelado ("as obras são todas para ser visitadas", assegura-nos José Maria Carvalho).
Para aqueles que não se queiram aventurar pela estrutura instável, existe um pedaço exposto no vestíbulo nobre, logo ao lado, onde se concentra a maior parte da exposição sobre o projecto de restauro. Inclui fotografias de 1994 - altura em que foi feito um levantamento arquitectónico e fotográfico do chalet, enquadrado num Plano de Recuperação e Valorização que não chegou a avançar - e imagens e salvados do edifício (re)encontrado em 2007 - ano em que teve inicio o processo de reconstrução que permitiu em Maio a abertura ao público.
O vestíbulo nobre - com a sala das heras de um lado, a casa de jantar de outro e a caixa de escadas em frente - tinha uma pintura pormenorizada, colorida e geometrizada, a avaliar pelas pequenas fotografias que documentam o projecto. Sobram um pequeno canto e a pintura geral de duas paredes, testemunhos do incêndio que quase destruiu por completo o edifício em 1999, pois não só as paredes novas estão brancas, à espera que lhes chegue o processo de restauro, como a pintura que sobrou tem agora uma tonalidade avermelhada, quando originalmente era amarela.
Mas a zona das escadas, também devastada pelo fogo e agora reconstruída, é talvez a mais interessante - a "jóia do interior", segundo o arquitecto - porque é o "elemento mais elaborado", totalmente revestida por uma pintura mural atribuída a Domingos Freire, onde se destacam os dois homens sentados de costas voltadas, a tocar um instrumento semelhante a uma corneta.
O piso superior tem apenas quatro divisões: o quarto principal, uma sala de apoio e os quartos de vestir da condessa e do rei - as duas áreas mais pequenas, mas com a decoração mais pormenorizada. No primeiro, o rendilhado branco que sobe as paredes azuis claras deu-lhe o nome de Quarto das Rendas e o do rei, mesmo em frente, mostra agora uma pintura em trompe-l"oeil a imitar um acolchoado, anteriormente tapado por um revestimento trabalhado em madeira e cortiça, semelhante ao da sala de jantar.
Contudo, o chalet não foi feito para habitar, mas erigido como casa de veraneio, num misto de edifício de apoio àquela zona do parque e espaço de refúgio e dedicação a uma segunda fase da vida do rei. Por isso, e porque as divisões estão vazias e a maioria das paredes despidas, ainda por restaurar, conhecer o interior pode desiludir os mais desprevenidos (principalmente se antecedido pela visita ao sumptuoso e recheado Palácio da Pena, localizado na outra ponta do parque e a cerca de meia hora de distância a pé, por subidas e descidas de calçada).
E, embora a visita não deva ser encarada na óptica do turista ávido por ver muitas coisas, sente-se ali falta, não necessariamente de objectos, mas da história do casal que idealizou a pequena vivenda e o jardim envolvente, repleto de recantos e plantas dos quatro cantos do mundo, que explorámos em seguida.
Um jardim de sensações
O chalet foi erguido na Tapada da Vigia, localizada num dos extremos do Parque da Pena e posicionado de forma estratégica. Por um lado, afastado do palácio, mas mantendo com este uma relação visual, assim como com o mar. (Das duas vezes que lá estivemos, nem palácio nem mar, apenas nevoeiro; mas garantiram-nos que em dias de céu limpo eles se vislumbram dali, embora dificultado pelo crescimento das árvores.) Por outro, enquadrado junto a um conjunto de grandes pedras de aspecto dramático e próximo de um vale, até ao qual se estende o jardim.
A envolvente do edifício integra um jardim formal - composto por canteiros de flores coloridas e alguns lagos asfaltados - e os grandes rochedos cinzentos de formas arredondadas, equilibrados uns nos outros. É possível subir até às pedras, pelos caminhos agora refeitos, passar por baixo delas ou entre rochas, e encontrar espécies de miradouros não assinalados: pequenas áreas onde se chega para admirar uma vista desafogada q.b. (há algumas árvores), viradas a diferentes zonas do parque e em diferentes alturas. Por aqui também é possível encontrar algumas escadas de pedra, que nos levam a outros pontos de vista, ou bancos, que convidam a fruir a ambiência de forma mais prolongada.
Este tipo de recantos, com bancos de pedra, pequenos lagos e até vasos de flores esculpidos nas rochas, vão-nos surgindo de forma quase inesperada, mas bem integrados na vegetação naturalizada que se encontra ao longo da descida até à Feteira da Condessa. E aqui, fetos e mais fetos, alguns com vários metros e folhagem em copa, assemelhando-se a chapéus-de-sol, outros de troncos estranhos, que nos atravessam o caminho, e muitos pequenos, em monte.
D. Fernando II era um coleccionador e amante de botânica, tendo trazido plantas dos quatro cantos do mundo para todo o jardim. No total, existem ali mais de 300 espécies, uma "diversidade enorme para o espaço", defende Nuno Oliveira, engenheiro responsável pelo restauro do jardim. Há muitos fetos, dos quais se destacam os arbóreos da Austrália e Nova Zelândia, mas também flores de cores vivas, como as colecções de camélias, rododendros e azáleas e até um dos primeiros exemplares da jubaea chilensis - uma palmeira de comprido tronco semelhante a uma coluna redonda - a chegar a Portugal.
"É um jardim romântico, com todos estes elementos cénicos e dramáticos", explica Nuno Oliveira. "Um jardim de sensações, de emoções", para descobrir e experienciar à medida da visita.
Chalet e Jardim da Condessa d'Edla
Parque da Pena - Sintra
Tel.: 21 923 73 00
Fax: 21 923 73 50
Email: info@parquesdesintra.pt
www.parquesdesintra.pt/chaletdacondessa
Horário: o parque está aberto das 9h30 às 20h (última entrada às 19h00); o chalet encerra às 19h00 (última entrada às 18h00)
Preço: 6€ para aceder ao parque, onde se inclui o jardim da condessa; o bilhete que inclui a visita ao interior do chalet custa 8€.