Nesta vinda às Molucas, não podemos deixar de lembrar que Fernão de Magalhães, apesar de português, ofereceu os seus préstimos ao Rei de Espanha, para tentar demonstrar que estas ilhas estariam fora do hemisfério português. Fê-lo em vão, uma vez que, ao chegar, depressa se apercebeu de que não tinha razão. O resto da história é conhecido, mas lembrámo-la com monsenhor Andreas Sol, um holandês católico entusiasta da presença portuguesa nas Molucas e em especial em Amboino. A biblioteca que reuniu é uma preciosidade: livros, mapas, crónicas, revistas - mas mais importante foi o modo como nos recebeu nos seus 95 anos. Este foi, sem dúvida, o momento alto da nossa passagem por Amboino. Entre livros e memórias foi a recordação dos portugueses que aqui esteve.
Temos Camões por companhia. Chegados a Ternate, lemos o que o épico nos diz no Canto X de Os Lusíadas:
"Olha cá pelos mares do Oriente
As infinitas ilhas espalhadas:
Vê Tidore e Ternate, co fervente
Cume que lança as flamas ondeadas.
... As árvores verás do cravo ardente
Co sangue português inda compradas".
Com os vulcões adormecidos em volta, regressamos às Molucas do Norte vindos de Makassar, nas Celebes, onde a memória portuguesa também está bem presente. Somos recebidos com honras especiais. Visitamos o sultão de Ternate, Mudaffar Syah, que recorda a antiga presença portuguesa e faz questão de dizer que agora nos reencontramos em nome da cultura da paz. O sultão é uma pessoa culta que faz questão de salientar a importância que a vinda dos portugueses tem para o sultanato, dizendo que cada um de nós passará, por certo, a ser um embaixador de Ternate, onde quer que se encontre. Fala-nos do fenómeno religioso e da importância do conhecimento nas diferenças culturais ou do diálogo entre as confissões. Estamos na zona de produção do cravinho, sob a chuva miudinha, mas também da noz-moscada e, num percurso na ilha, paramos na estrada para ver as plantas e compreender o respectivo circuito da produção.
A primeira armada portuguesa destinada a Maluco envolveu o mercador tâmul Nina Chatu e o nacoda mouro Ismael com Rui Araújo, feitor de Malaca. Mas a expedição de António Abreu de 1511 foi a primeira a sério, carregada de mercadorias com valia nas ilhas do cravo. A história das ilhas e dos portugueses é cheia de peripécias e vicissitudes.
Em Tidore, aonde fomos em lanchas rápidas, tivemos a mesma recepção calorosa, com danças e cantares e uma hospitalidade fantástica. Também o sultão fez questão de dizer como somos bem-vindos e como a nossa presença é amiga. O panorama equatorial é paradisíaco e as águas do mar tépidas. Quando, no dia seguinte, já em Jacarta, no Café Batavia (com as paredes repletas de fotografias míticas), nos encontrámos com os elementos da comunidade Tugu (vinda de Malaca, Ceilão e Cochim), percebemos que a memória do papiar cristão, do português como língua franca não é uma ilusão distante. O olhar luminoso de uma jovem tugu, a aprender português, diz-nos que a história sobrevive.
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Guilherme d’Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas, é também presidente do Centro Nacional de Cultura. Entre 27 de Agosto e 10 de Setembro, participou na viagem que a instituição organizou, em parceria com o Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, pela Malásia, Timor Leste e Indonésia, a propósito dos 500 anos do estabelecimento dos portugueses em Malaca.