Fugas - Viagens

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De bicicleta por onde antes passava o comboio

Por Raposo Antunes

Não houve contra-relógios nem nenhum dos dois lutou pela camisola amarela. De Valença a Évora, foram oito dias a pedalar, com muito suor, algum sangue (de pequenas quedas), mas sem lágrimas. Antes pelo contrário: houve sobretudo muito prazer em descobrir alguns segredos que só os antigos utentes das linhas de comboio já fechadas deviam conhecer. Aos seus lugares, partida!

Não foi por nostalgia dos comboios que deixaram de circular nas linhas encerradas nas três últimas décadas pela CP que decidimos percorrer de bicicleta as chamadas ecopistas entretanto instaladas naquelas vias. Numa altura em que todos os dias há notícias sobre a abertura de pequenos troços de ciclovias em percursos urbanos, nos quais é difícil o "convívio" seguro entre automóveis e bicicletas, fomos à procura de trajectos onde se possa pedalar em segurança sem o perigo desse "convívio". Nada melhor do que essas antigas linhas de caminho-de-ferro para cumprir o objectivo. Com várias vantagens sobre os percursos urbanos para bicicletas e peões que as autarquias vão construindo nas cidades. Poder pedalar livremente dezenas de quilómetros, sem interrupções, queimando calorias, usufruindo da natureza, dos rios, das montanhas e dos bosques, com uma sensação de liberdade que as cidades não permitem.

A partir do site da Refer percebemos que, das linhas encerradas pela CP, 10 delas têm ecopistas. Seleccionámos as seis que, pela sua extensão, mais se adequavam aos nossos objectivos. Andámos 40 quilómetros sempre junto ao rio Minho, com a Galiza na outra margem, entre Valença e Monção. Percorremos cinco dezenas de quilómetros no vale que corre entre as serras do Alvão e da Padrela, na linha do Corgo. Subimos as serras de Moncorvo a Carviçais, no Nordeste transmontano. Cruzámos vinhas sobre vinhas na região do Dão. Aproveitámos as sombras do montado de sobreiros para refrescar do calor alentejano.

Além das viagens pelas ecopistas assentes nas antigas linhas de caminho-de-ferro, fizemos ainda mais dois percursos: um que só é possível efectuar em BTT (bicicletas todo-o-terreno), entre Ponte de Lima e Ponte da Barca, todo ele assente num antigo caminho de terra que ligava aquelas duas vilas do Alto Minho; o outro na região de Mira, junto a lagoas, moinhos e sempre no meio de bosques, com o piso todo alcatroado, com as características que permitem um calmo passeio familiar de fim-de--semana. Enfim, foram oito dias a pedalar, com muito suor, algum sangue (de pequenas quedas), mas sem lágrimas. Houve sobretudo muito prazer em descobrir alguns segredos que só os antigos utentes das linhas de comboio já fechadas deviam conhecer.

O primeiro desses segredos chegou a ser consagrado numa velha canção popular da década de 60 do século passado. Vejam lá, há mais de 50 anos - "O comboio vai a subir a serra/ parece que vai mas não vai cair". Na verdade, por estranho que possa parecer, a engenharia ferroviária foi também uma das razões que nos levou a escolher as ecopistas para esta Volta a Portugal. A regra básica de segurança para construir linhas de caminho-de-ferro nos percursos em via estreita (todos aqueles ramais que atravessam as regiões montanhosas no Norte e Centro do país) era que o traçado não podia ter inclinações superiores a 2%, ou seja, só podia subir 20 metros em altitude ao longo de mil metros de extensão. Só para ter uma pequena ideia do que isto significa, numa etapa alpina na Volta à França Alberto Contador e companhia têm pela frente frequentemente montanhas com inclinações médias de 10 e 12%, com troços muitas vezes que chegam a atingir os 25%. Traduzindo em miúdos - sobem 250 metros de altitude em 1000 metros de percurso. Por isso, o leitor já sabe: se decidir seguir o nosso conselho para dar umas pedaladas numa destas ecopistas, vai suar, seguramente, mas nunca terá pela frente nenhum Tourmalet.

Afastado esse receio, convém esclarecer que as ecopistas assentes nos antigos canais ferroviários foram já construídas na primeira década deste século. Não pela própria Refer, que chegou a admitir a constituição de uma empresa para esse fim (isso no tempo das "vacas gordas"), mas sim pelas autarquias cujo território é atravessado pelas linhas. Alguns destes percursos já dispõem de zonas de apoio (normalmente localizadas nas antigas estações de caminho-de-ferro), outros ainda estão em fase de execução. Independentemente da existência ou não desses "pormenores" - casas de banho, pontos para abastecimento de água, etc. -, todo o percurso está tratado. Nalguns casos é mesmo todo alcatroado, noutros é em terra batida ou saibro. Mas, mesmo assim, não é aconselhável o uso de bicicletas de corrida (tipo Contador), já que pode haver sempre pequenos desabamentos de terra a sujar o alcatrão, ramos e frutos de árvores, que só são facilmente ultrapassáveis por bicicletas para todo o terreno ou mesmo por bicicletas de passeio com pneus mais largos. c

Sugestões à parte, há também um lado pitoresco que acabamos por reviver e que é também um dos segredos desta Volta a Portugal - a história do encerramento de algumas destas linhas da CP. A mais trágica é seguramente a do Sabor. Quando a empresa ferroviária decidiu fechar a via que ligava a estação do Pocinho (no rio Douro) a Duas Igrejas (uma pequena aldeia do concelho de Miranda do Douro), a revolta da população no Pocinho foi tal que houve confrontos com elementos vindos do Porto do batalhão da GNR a cavalo, de sabre em riste, com feridos e sangue pelo meio. Ao mesmo tempo, a população de Miranda do Douro ocupava as instalações das barragens portuguesas no Douro Internacional para impedir a produção de energia hidroeléctrica. A ameaça resultou e a CP acabou por recuar, mas apenas durante alguns meses. Estávamos no final da década de 70 do século passado.

Mais ou menos na mesma época, os grandes proprietários agrícolas do Alentejo, que tinham visto Salazar expropriar as suas terras umas décadas antes para construir ali o ramal ferroviário entre Montemor-o-Novo e a Torre da Gadanha, decidiram ocupar a linha de caminho-de-ferro - quando esta foi fechada, também nos anos 80 - para "reaver" essa franja de terreno que lhes atravessara as propriedades ao meio.

Mas a história mais curiosa ainda está em curso. Na semana passada, as câmaras de Famalicão e Póvoa de Varzim anunciaram pela enésima vez a transformação da linha entre estas duas cidades numa ecopista. Na verdade, o troço no concelho de Famalicão já é utilizado pelos cicloturistas há vários anos, uma vez que a autarquia já o adaptou para esse fim. O problema é quando a linha passa para o concelho vizinho: pura e simplesmente desaparece no meio de um extenso e verdejante campo de milho.  Pedalemos, então, de Norte a Sul do país.


1. Valença - Monção
A Torre de Belém do Alto Minho

António Martins Gonçalves tem a chave do maior segredo da ecopista Valença-Monção. E a chave é aqui mesmo no sentido literal do termo. António, pouco mais de 40 anos, é o dono de um dos seis barcos que, na Torre da Lapela (uma freguesia localizada a meio do percurso), se dedica à pesca do sável, da lampreia e do salmão no rio Minho, entre Janeiro e Maio. "Numa localidade com pouco mais de 200 pessoas, somos cerca de 20 pescadores. Mas isto não dá para viver o ano inteiro", conta.

Se dá ou não, não sabemos. Certo é que, além do barco, este pescador das poucas espécies que ainda sobem o rio é também o proprietário do único café da freguesia. E foi certamente por isso que lhe entregaram a chave da torre de menagem sobranceira ao rio que suporta o nome da localidade. "Sempre que alguém quer subir à torre e vê-la por dentro tem de vir aqui pedir a chave", sublinha.

E vão muitos, pois a Torre da Lapela é conhecida e referida nas monografias locais como a Torre de Belém do Alto Minho por causa da sua localização e imponência. Basta ler o placard que os Monumentos Nacionais lá colocaram para ficar a saber a história desta torre e da pequena localidade. "A modesta povoação fazia parte da cortina defensiva da fronteira a Norte de Portugal. Foi dotada de um castelo, cuja fundação é atribuída ao reinado de D. Afonso Henriques. O castelo foi demolido por D. João V (em 1506) para auxiliar à construção da praça-forte de Monção. Ficou então sozinha a torre de menagem", dizem os historiadores, desfecho contado agora por todos os habitantes que, mal vêem alguém a rondar a torre, de imediato encaminham para o café de António, "o homem que guarda a chave".

Sempre paralelo ao rio Minho, o percurso da antiga linha de caminho-de-ferro tem agora alcatrão em vez de carris. "Passa ao lado de pequenas ínsuas, ilhotas e pesqueiros. As margens albergam matas, juncais, pinhais e carvalheiras", pode ver-se e ler-se nas placas colocadas junto a pequenas áreas de descanso que foram construídas ao longo da ecopista. Mas entre Valença e Monção há ainda mais dois segredos: as praias fluviais dos rios Manco e Gadanha, que obrigam a pequenos desvios. Quando a Fugas por lá passou, dois grupos de jovens banhavam-se nas águas cristalinas do rio Minho. "É o que temos", diziam, numa espécie de nostalgia de fim de férias escolares. E já não é pouco.


2. Ponte de Lima - Ponte da Barca
Jogar a petanca em vez de pedalar

Fazer uma espécie de Volta a Portugal das ecopistas e não cumprir o percurso entre Ponte de Lima e Ponte da Barca por um antigo caminho de terra que ligava estas duas vilas sempre junto ao rio Lima poderia ser considerado um pecado grave. Não pecámos. Mesmo sabendo que estávamos a desvirtuar o sentido deste trabalho, que estava centrado nas antigas linhas de caminho-de-ferro que foram, entretanto, encerradas.

E ainda bem que não pecámos. Na verdade, esta é "a" ecopista. Só é possível percorrer o seu traçado numa bicicleta todo-o- terreno. E, sobretudo, é preciso suar muito. Talvez por isso, não nos cruzámos com um único cicloturista. Seguramente que ao fim-de-semana e em férias o trajecto deve ter muitos clientes. Há, aliás, em Ponte da Barca uma empresa de turismo (Aktivanatura) que aproveita aquele traçado não só para o cicloturismo, mas para outras actividades mais radicais, como o river trekking, a canoagem ou percursos a cavalo pelos montes da região. "São sobretudo estrangeiros", afirma um dos sócios da empresa.

Faltam ciclistas, mas a ecopista tem outros segredos. O lugar mágico é aqui um local conhecido como os Moinhos da Gemieira e o parque de lazer com o mesmo nome existente a algumas centenas de metros. Ambos já foram descobertos há muito tempo. Uma vez por semana, um grupo de seis mulheres dos Arcos de Valdevez percorre a pé uma parte do traçado, acabando tudo numa almoçarada num pequeno café chamado Moinhos da Gemieira, almoços e petiscos regionais. Não vale a pena contar o resultado final desse repasto, basta conhecer um pouco da cultura minhota para saber antecipadamente como tudo acaba - em festa.

Mais invulgar é sermos confrontados com um grupo de sete homens - quase todos reformados, na casa dos sessenta anos e oriundos das Caldas das Taipas (vila do concelho de Guimarães, localizada a várias dezenas de quilómetros) - a jogar a petanca. Sim, uma coisa esquisita em que se lançam pequenas bolas umas contra as outras e que, supostamente, tem a sua origem na região das catalunhas espanhola e francesa. Não, não eram emigrantes. "O pretexto é vir para aqui pescar truta. Mas agora até é proibido", conta Alberto Oliveira, 63 anos, reformado de uma fábrica de cutelarias de Guimarães, enquanto vira as costeletas de vitela e de porco e os enchidos de sangue que assavam nas brasas a aguardar o fim do jogo. Ciclistas? "Nem vê-los. Só passaram aqui umas mulheres a pé", acrescenta. Está visto que deviam ser as mesmas da almoçarada nos moinhos.

Propriamente sobre o percurso, fique o leitor a saber que se perderá de amores por ele. Tal como nós. E perderá calorias, terá de levar água, alguns alimentos, câmaras de ar para os furos - e os olhos bem abertos para poder desfrutar de tudo.


3. Tourencinho - V. P. Aguiar - Pedras Salgadas
A ecopista das torres eólicas

De regresso às linhas de caminho de ferro encerradas pela CP, a ecopista do Corgo é uma espécie de "dois-em-um". Traduzindo: há um troço com cerca de seis quilómetros, todo alcatroado, que desce de Vila Pouca de Aguiar para a estância termal das Pedras Salgadas. Descontando a subida de regresso, este trajecto com o piso tratado pode proporcionar um "histórico passeio de família" até aos gloriosos tempos do casino das Pedras Salgadas, dos seus jardins e bosque, do minigolfe e do seu lago com gaivotas.

É certo que essa suposta família já não reviverá a mesma paisagem de então. Agora nesta espécie de pequeno vale entre as serras da Padrela e do Alvão o topo dos montes já não é o mesmo. Do lado do Alvão, corre lá por cima a auto-estrada entre Chaves e Guimarães. Do lado da Padrela, há uma linha contínua de torres eólicas. Abstraindo as "feridas" na paisagem, o passeio até Vila Pouca e Pedras é agradável. "Até de mais", comenta Nuno Sousa, 36 anos, um emigrante que recentemente regressou de Lausanne, na Suíça, e que explora agora a renovada casa de chá do parque das Pedras Salgadas.

"Não faz sentido ter a ecopista só até aqui. Existe um caminho em terra para a serra da Padrela que depois passa pelas minas romanas de Jales [dedicadas à exploração de ouro] que só precisa de ser marcado para as pessoas não se perderem", relata. E conta a sua própria experiência. Como natural daquela região (Jales), Nuno Sousa manifestou-se disponível para servir de guia nesse percurso a um grupo de 49 suiços que queria dar por ali uma volta. Só não o fez por ter medo que alguns dos cicloturistas se perdessem por não haver sinalização. "Gastam dinheiro a arranjar estradas que ligam a campos agrícolas que já ninguém cultiva. E para pôr umas placas, nada [já não há dinheiro]", critica.

Independentemente do prazer que o percurso sugerido por Nuno Sousa deveria proporcionar, na verdade a ecopista do Corgo não acaba nas Pedras Salgadas. Basta regressar a Vila Pouca para perceber por que razão dizemos que estamos a falar de um traçado que é uma espécie de "dois-em--um". A ligação entre esta vila e Tourencinho (já a caminho de Vila Real), com o traçado em terra batida, buracos e sulcos que as chuvadas foram abrindo, não proporcionaria a paisagem do troço até às minas de Jales, mas faria seguramente subir a adrenalina dos suíços. Na verdade, este percurso só é acessível a bicicletas para todo-o-terreno, ou seja, está vedado às famílias em passeio até às Pedras Salgadas a que aludíamos no início do texto. É a versão radical da ecopista do Corgo. Tão radical, tão radical que os últimos quilómetros da antiga linha de caminho-de-ferro desapareceram e são agora uma das ruas - com casas de um lado e do outro - da própria aldeia de Tourencinho.


4. Moncorvo - Carviçais
Aconteceu no Nordeste


O título desta peça obriga a uma curta explicação. Pelo menos para aqueles a quem o nome de Sérgio Leone não diz nada. Trata-se de um realizador italiano que, na sua obra cinematográfica, assinou vários westerns, entre eles um intitulado Aconteceu no Oeste, cujo início era um plano de uma mosca a zumbir à volta do bigode de um cowboy que aguardava a chegada de um comboio numa estação do Oeste norte-americano.

Uma réplica dessa estação, do depósito de água, da torneira gigante para encher as locomotivas dos comboios, da luz e da cor da paisagem foi o que encontrámos ao longo dos 26 quilómetros e das estações abandonadas na ecopista da linha do Sabor entre Moncorvo e Carviçais. A cor da paisagem do faroeste era dada pelo sol a brilhar no saibro amarelo da antiga linha de caminho de ferro. A recriação do ambiente westerniano era também proporcionada pelas águias e outras aves de rapina que se iam levantando enquanto pedalávamos por um antigo canal ferroviário rodeado de gestas e de outra vegetação rasteira. 

À chegada a Carviçais, ainda não tínhamos peça, mas já tínhamos título: Aconteceu no Nordeste. E aconteceu mesmo. Esta ecopista é, na verdade, aquela que permite fruir verdadeiramente da natureza. Somos só nós e as bicicletas. Nada mais. Não há vivalma. Ouvem-se as folhas das árvores a cair e o barulho das bolotas a serem esborrachadas pelos pneus das bicicletas. A excepção a este silêncio e a esta paz é a estação de Larinho (até o nome remete para o Oeste americano), transformada num pequeno café, provavelmente o único da aldeia, com o sugestivo nome Al-Pistta. De paragem obrigatória.


5. Cais do Areão - Barrinha de Mira - Parque de Calvela
Para acabar de vez com a praga dos jacintos de água

A Câmara de Mira foi uma das pioneiras na construção de ciclovias. Este é o segundo percurso que foge à lógica deste trabalho sobre pistas para bicicletas assentes em antigas linhas de caminho-de-ferro. O traçado, todo em alcatrão e sem qualquer contacto com as estradas daquele concelho, existe desde 2000 e permite a utilização de todo o tipo de bicicletas. E permite sobretudo passeios familiares — à volta da barrinha, à volta das lagoas, à volta dos antigos moinhos de água. Não foi propriamente pensado para queimar calorias.

Antigos caminhos rurais por onde os agricultores levavam as vacas para a pastagem ou para o trabalho no campo deram lugar a uma pista de 26 quilómetros, dividida em três percursos: a rota gandaresa, a rota dos moinhos e a rota das lagoas. Tudo muito perfeito para quem por lá passeia, designadamente muitos turistas estrangeiros, mas que levanta algumas dúvidas a Bruno Araújo, um brasileiro de 29 anos, licenciado em Coimbra e com um mestrado em ecoturismo, que é um dos membros de uma associação ambientalista local.

Do alto do seu posto de observação de aves migratórias, Bruno critica a colocação pela câmara de uma torre para ver aves na lagoa de Mira. Contesta a falta de sinalização na própria ciclovia, mas, sobretudo, está preocupado com a praga de jacintos de água que atacou a lagoa e a barrinha. Mas o representante desta associação ambientalista não se fica pelas críticas. “Todos os membros da associação e habitantes locais fazem frequentemente operações de remoção da praga do jacinto”, conta. Este posto de observação de aves é um ponto obrigatório de paragem nesta ciclovia. Não só pela vista que proporciona da lagoa, mas também por poder ali alugar bicicletas para dar uma volta. “E já sabe, na primeira hora não paga nada.” 


5. Viseu - Tondela - Santa Comba Dão
A ciclovia que mudou a vida do padre Paulo

Não foi propriamente um milagre que mudou os hábitos diários do padre Paulo Estêvão, 42 anos. Há pouco mais de dois meses, o pároco de Torredeita decidiu comprar uma bicicleta. Mesmo junto a esta freguesia passa a chamada rainha das ecopistas: nada mais nada menos do que 50 quilómetros, todos alcatroados, ligando Viseu a Santa Comba Dão, e atravessando o concelho de Tondela. Com a ciclovia à porta, não resistiu.

“Desde então ando todos os dias. O percurso maior que fiz foi até Tondela, que são cerca de 20 quilómetros”, relata. Mas o entusiasmo do padre Paulo não fica só pelas suas próprias performances físicas. “Olhe, até organizei aqui [Torredeita] um grupo de cicloturistas e outro de caminhantes. Isto aqui à semana não há muita gente, mas ao fim-de-semana tem muito movimento”, acrescenta.

Percebe-se porquê. Ao longo de todo o percurso, principalmente nas mais de duas dezenas de quilómetros que atravessam o concelho de Viseu, existem aparelhos para fazer ginástica de manutenção e recantos para descansar das jornadas ciclísticas. Mesmo em Torredeita há uma espécie de museu ferroviário ao ar livre, junto à pista, com uma locomotiva a vapor e duas carruagens em madeira, recordando os velhos tempos da linha ferroviária. Mas há também alguns problemas que não foram resolvidos. Além de Torredeita, onde existem perto da ecopista dois cafés, não há mais nenhum lugar onde se possa beber ou comer qualquer coisa. O que dificulta a vida a quem pretende efectuar o percurso na totalidade.

Há ainda alguns atravessamentos com estradas que não foram bem resolvidos, com lombas em paralelo que se tornam perigosas para os ciclistas. E nem todos esses atravessamentos estão sinalizados de uma forma clara. Clara é a passagem pelos diferentes concelhos, com o piso a mudar de cor em cada um deles — vermelho em Viseu, verde em Tondela, azul em Santa Comba Dão. Um conselho para o leitor se decidir aventurar-se nesta ecopista e só num sentido. Faça-o de Viseu para Santa Comba Dão para usufruir das vantagens de andar de bicicleta a descer durante quase 60% do percurso.


6. Montemor-o-Novo - Torre da Gadanha
Ecopista do Montado, um nome que diz tudo

O nome que a Câmara de Montemor-o-Novo lhe deu (Ecopista do Montado) diz tudo. São 13 quilómetros sob a sombra dos sobreiros que acompanham a pista até à estação ferroviária de Torre da Gadanha. Os primeiros cinco quilómetros são alcatroados e em dois cruzamentos com estradas há até semáforos em que o peão a verde e vermelho foi substituído por uma bicicleta a verde e vermelho. O resto do traçado é feito num piso de terra batida que está em óptimo estado. Não é um percurso plano. Também não é um sobe e desce, sobe e desce. É antes um sobe-sobe até à estação de Paião, que fica mais ou menos a meio do caminho, e um desce-desce até à Torre da Gadanha.

A partir de Paião estão assinalados vários percursos alternativos para bicicletas de todo-o-terreno. Percebe-se que a ecopista é pouco utilizada. Durante todo o percurso (Montemor-Torre-Montemor) cruzámo-nos com apenas dois cicloturistas. Mas o mistério deste trajecto é mesmo a estação ferroviária da Torre da Gadanha. Um edifício grande e outros mais pequenos recuperados recentemente que, pura e simplesmente, estão fechados. Na linha do horizonte não há uma única povoação.

Junto à estação, um pequeno café e restaurante chamado Beco da Torre. “Só abro ao meio-dia”, diz Teresa Almeida, a proprietária que nasceu e viveu a maior parte da sua vida na região de Aveiro e que recentemente decidiu investir ali no café e no turismo de habitação (burrabolha.blogspot.com). “Comboios só passam dois de manhã e dois à tarde. Mas nenhum deles pára. Era suposto que a estação servisse a povoação de São Cristóvão, que fica a 15 quilómetros”, acrescenta. Por isso, para infelicidade de Teresa Almeida, os clientes não abundam. “Aos fins-de-semana aparecem por aqui uns ciclistas todos artilhados, com capacetes, sacos de água e bananas. Mas esses não param. São todos profissionais”, relata. O que lhe vai valendo são os caçadores que organizam ali umas jantaradas e uma ou outra família que decide fazer o percurso da ecopista do montado. 


7. Évora - Arraiolos
O encontro com um ás do pedal

As câmaras de Évora, Arraiolos e Mora queriam construir na antiga linha de caminho-de-ferro que ligava estes três concelhos a maior ecopista do país. No total seriam cerca de 60 quilómetros (120 ida e volta). Mas a realidade é diferente. O percurso entre Évora e Arraiolos é já um contínuo. Em Mora há também alguns quilómetros já tratados. A ligação entre as sedes dos três municípios ainda não está concluída. Ficamos, assim, com alguma água na boca, já que o troço ciclável é do melhor, embora com um pequeno handicap — não há qualquer sítio para o abastecimento de água, tão necessária naquele sufoco alentejano.

Não que isso seja um óbice para os praticantes de BTT. Évora parece ser, aliás, a capital do todo- -o-terreno. “Ainda há poucos dias houve aqui uma maratona de 86 quilómetros por percursos de terra em que participaram 900 pessoas”, conta José Valente, 48 anos, funcionário da Câmara de Arraiolos, montado na sua BTT, em fibra de carbono e com travões de disco. Falava no início da ecopista de Évora, às nove horas da manhã de um sábado em que o motivo principal das conversas era o rescaldo do jogo da véspera entre o FC Porto e o Benfica. A essa hora, já José Valente tinha feito o percurso entre Arraiolos e Évora. “Não vim a abrir. Vim aqui mais em ritmo de passeio” — e que passeio, sem uma pinga de suor no rosto, com a respiração normal, enquanto o seu companheiro ainda tentava recompor-se da jornada matinal. “Sabe, este meu amigo ainda só tem bicicleta há dois meses”, justifica José Valente, um verdadeiro às do pedal, que regressaria a Arraiolos logo em seguida. “Mas logo à noite estou cá [Évora] outra vez para uma maratona nocturna. E, aí sim, é para queimar calorias”.

Na verdade, quer em Évora quer em Arraiolos existem clubes de cicloturistas e quejandos. Mas esta ecopista não é só para ases do pedal. Grupos de turistas ingleses vão frequentemente às compras e almoçar a Arraiolos. Eventualmente, regressam de camioneta, como, aliás, fez nesse sábado de manhã um grupo de 50 cicloturistas de Lisboa, todos funcionários (e respectivas famílias) da Canon Portugal. “O autocarro levou-nos até Arraiolos. Agora vamos até Évora almoçar e depois regressamos a Lisboa no mesmo autocarro”, contam. Não sabem é que escolheram o percurso mais fácil. Grande parte do traçado entre Arraiolos e Évora (que, aliás, atravessa duas reservas de caça turística) é sempre a descer. E nem mesmo as lebres e os coelhos que correm à frente das bicicletas atrapalham. Nem os buracos escavados pelos javalis no meio da ecopista eborense são difíceis de transpor. 

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